Topo

Governo reduz transparência em conselho de idoso que gere fundo de R$ 14 mi

O presidente da República, Jair Bolsonaro e a Ministra da mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves durante cerimônia de posse no Palácio do Planalto em Brasília (DF) - FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O presidente da República, Jair Bolsonaro e a Ministra da mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves durante cerimônia de posse no Palácio do Planalto em Brasília (DF) Imagem: FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Igor Mello

Do UOL, no Rio

29/07/2019 04h00

Na esteira dos decretos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que alteraram a estrutura de 27 órgãos colegiados vinculados ao Executivo federal no fim de junho, o governo acabou, na prática, com o controle social sobre o Fundo Nacional do Idoso --que, em 2018, teve R$ 15,2 milhões em receitas, e neste ano conta com orçamento de R$ 14,5 milhões, de acordo com dados do Portal de Transparência da União.

As diretrizes para a aplicação dos recursos do fundo são definidas pelo CNDI (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa), um dos órgãos colegiados afetados pelos decretos publicados em 27 de junho. De caráter deliberativo, cabe ao CNDI estabelecer os termos dos editais usados para selecionar os projetos financiados.

Os recursos são executados pelo MMFDH (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos), comandado por Damares Alves, ao qual o conselho está vinculado.

Antes de ser modificado, o conselho era composto por 28 membros titulares --todos aptos a presidir o CNDI, o que garantia a paridade determinada em lei. Desse total, 14 eram representantes da sociedade civil escolhidos em processo eleitoral. O governo federal indicava representantes de 14 ministérios, dando ao grupo um caráter interdisciplinar.

Agora são apenas três membros: três representantes do ministério de Damares e outros três oriundos da sociedade civil. Entretanto, o decreto determinou que o presidente será sempre o titular da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa do MMFDH, nomeado pela ministra.

Hoje a secretaria é comandada por Antonio Fernandes Toninho Costa --pastor evangélico batista, mesma denominação de Damares, e dentista. Especialista em saúde indígena, seu currículo --disponibilizado pelo próprio ministério-- não traz nenhuma experiência ou formação na temática dos direitos dos idosos. Em 2017, ele foi presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio) por quatro meses, indicado pelo PSC, àquela altura partido do presidente Jair Bolsonaro. Antes disso, foi assessor parlamentar na Câmara dos Deputados entre 2012 e 2016.

O presidente tem o voto de minerva em caso de empate. Ou seja: o governo passa a ser capaz de sempre determinar o que será decidido pelo conselho. Além disso, o secretário atua como ordenador de despesas do fundo, o que, na visão de entidades ligadas aos direitos dos idosos, configura um conflito de interesse --atribuindo à mesma pessoa grande influência sobre a execução e a fiscalização das verbas (está última seria uma atribuição do conselho).

Segundo o ministério, "não há conflito de interesse, tendo em vista que o secretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa tem assento garantido no conselho; inclusive presidindo a casa, como se verifica em gestões anteriores". A pasta ainda afirma que anteriormente o voto de minerva já cabia ao presidente do CNDI e que o decreto "não trouxe nenhuma novidade sobre as atribuições do presidente do conselho".

Os conselheiros empossados em outubro de 2018 foram destituídos e o governo lançou um edital para escolher novos integrantes. Para entidades que faziam parte do CNDI, o decreto de Bolsonaro na prática acaba com a participação social nas políticas para idosos, transformando o conselho em um mero executor das decisões do governo.

Destituída da presidência do CNDI, Lucia Secoti, representante da Pastoral da Pessoa Idosa, diz que o órgão estará sob total controle do governo. Os antigos componentes têm solicitado uma audiência com Jair Bolsonaro e articulam na Câmara a aprovação de um decreto legislativo, proposto pelo deputado federal Chico D'Angelo (PDT-RJ), para sustar os efeitos de decreto.

"O ministério seleciona as entidades da sociedade civil. E o próprio regimento interno desse colegiado vai ser aprovado pelo ministério. Qual é a voz que as representações da sociedade civil terão nesse novo desenho? É essa a indagação que temos feito", argumenta.

O controle social sobre os atos do conselho se tornou ainda mais importante depois de a Câmara aprovar, em dezembro, lei que facilita a doação de até 3% do imposto de renda de pessoas físicas para o Fundo Nacional do Idoso --o que pode aumentar o volume de recursos.

A opinião de Lucia é compartilhada por outras autoridades que compunham o conselho. A Ampid (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos das Pessoas Idosas e das Pessoas com Deficiência) divulgou uma nota de repúdio ao decreto. Segundo a entidade, composta por promotores que atuam na área, a medida "representa, de forma disfarçada, a extinção do CNDI".

A entidade afirma que "basta uma rápida leitura de seu conteúdo para constatar que o que se fez foi reduzir a sua atuação e torná-lo um órgão exclusivamente de governo, sem a garantia de uma legítima participação social e um real e efetivo controle social, em séria afronta à Constituição Federal, à Política Nacional do Idoso e ao Estatuto do Idoso".

Entidades como a Ampid e a ANG (Associação Nacional de Gerontologia), que tinham assento no conselho, decidiram boicotar o novo processo seletivo em protesto às mudanças.

Para Lucia Secoti, só o Congresso terá plenas condições de fiscalizar os recursos do fundo e a execução de políticas para a população idosa.

"A sociedade civil vai ter que fazer esse acompanhamento através do Portal da Transparência, mas a própria discussão vai ficar comprometida. A fiscalização vai ter ser feita pelo Congresso", avalia. "A democracia participativa está sendo silenciada nos conselhos, que são espaços públicos de discussão", lamenta.

Conselhos na mira de Bolsonaro

A extinção e redução de atribuições de conselhos e outros órgãos de participação social têm sido um dos principais alvos da reforma administrativa proposta pelo governo Bolsonaro logo depois da posse. Ao completar cem dias no poder, em 11 de abril, o presidente editou um decreto para extinguir todos os conselhos, comissões, comitês, grupos de trabalho e demais colegiados vinculados ao Executivo federal --o que afetaria centenas de órgãos, segundo estimativas do governo.

Em junho, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu por unanimidade limitar os efeitos do decreto, mantendo os conselhos criados por lei --caso do CNDI.

Desde então, Bolsonaro vem editando decretos alterando o funcionamento desses colegiados, em diversos casos reduzindo o número de integrantes e retirando atribuições. Há ainda mudanças no financiamento das atividades desses órgãos --como a suspensão do custeio de diárias e passagens para que seus integrantes participem das reuniões em Brasília. A decisão teve como objetivo reduzir despesas, segundo o governo.

Na última segunda-feira (22), o Conad (Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas) também foi alvo de intervenção por meio de decreto. Bolsonaro acabou com as vagas destinadas a organizações da sociedade civil e entidades de categorias profissionais (como juristas, médicos, psicólogos e enfermeiros).

Agora o Conad é composto exclusivamente por representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública, ao qual está vinculado, e de outras pastas.

O Conad já havia motivado uma crise no governo em fevereiro, quando o ministro Sergio Moro decidiu nomear a pesquisadora Ilona Szabó, diretora do Instituto Igarapé, para uma vaga de suplente no órgão. Defensora do Estatuto do Desarmamento e da regulamentação da venda de drogas, Ilona foi alvo de ataques por bolsonaristas nas redes sociais. Insatisfeito com a escolha, Bolsonaro telefonou para Moro, que recuou da indicação.