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Processos contra réus por tortura na ditadura estão parados há anos no STF

O deputado Rubens Paiva foi cassado logo após o golpe de 1964 e foi visto pela última vez ao ser preso em janeiro de 1971 no Rio - Arquivo pessoal
O deputado Rubens Paiva foi cassado logo após o golpe de 1964 e foi visto pela última vez ao ser preso em janeiro de 1971 no Rio Imagem: Arquivo pessoal

Constança Rezende

Colaboração para o UOL, em Brasília

09/08/2019 12h37

Processos que definiriam o destino dos principais acusados de tortura na ditadura militar estão parados no STF (Supremo Tribunal Federal), sem previsão de julgamento. São eles: o caso dos cinco militares acusados pela morte e pelo desaparecimento do deputado federal Rubens Paiva e os pedidos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e do PSOL para que a Lei da Anistia seja revista para crimes graves.

Os arquivos não estão previstos no cronograma da Corte até o fim do ano. O hiato acontece em meio a declarações controversas do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que já determinou que os 55 anos do golpe militar de 1964 fossem comemorados e afirmou que não houve ditadura no país.

De acordo com assessoria de imprensa do Supremo, os processos "ainda não foram pautados". Ainda segundo o órgão, esse cronograma pode mudar se eles forem incluídos em dias reservados para pautas importantes que surgem ao longo do semestre.

Uma das ações que ainda não teve decisão definitiva é a RCL 18686 (Reclamação 18686). Ela foi apresentada em setembro de 2014 pelos cinco acusados pela morte e desaparecimento de Rubens Paiva, em janeiro de 1971. Eles pediram a suspensão do processo da 4ª Vara Criminal Federal do Rio contra eles, alegando que o STF já tinha validado a Lei da Anistia.

O ministro Teori Zavascki, relator do processo, concedeu no mesmo ano uma liminar que favoreceu os militares e congelou a ação na 8ª Vara Federal do Rio. Com a sua morte, em 2017, a reclamação foi para a relatoria do ministro Alexandre de Mores, que, em novembro do ano passado, estendeu os efeitos da liminar para o médico e general reformado do Exército Ricardo Agnese Fayad, também denunciado por tortura durante o regime. Desde então, o processo está parado.

O advogado Rodrigo Rocca, que defende os acusados, ressaltou que a defesa "conseguiu bloquear todas as ações penais deflagradas com base no período questionado".

Além disso, afirmou que casos como Rubens Paiva, Mário Alves (político morto nas dependências do quartel da Polícia do Exército durante a ditadura), Riocentro (frustrado ataque a bomba promovido por militares ao centro de convenções do Rio e Araguaia (conhecida como a guerrilha que deixou 70 pessoas desaparecidas), foram "estancados por ordem de tribunais federais, notadamente da Suprema Corte".

"É lamentável que o Judiciário ainda seja provocado a agir em processos cujos pedidos são juridicamente impossíveis e que, por isto mesmo, nascem mortos. Isso desacredita a Justiça, expõe as partes e fomenta uma histeria infundada e revanchista", disse.

Outra ação é a ADPFs 320, movida pelo PSOL. O partido pediu, em maio de 2014, que a Lei da Anistia não fosse aplicada aos crimes de graves violações de direitos humanos cometidos por agentes públicos --militares ou civis-- contra pessoas que praticaram crimes políticos. Ela está com o ministro Luiz Fux, que ainda não a liberou para julgamento.

Na mesma situação se encontra o embargo de declaração movido pela OAB que também contesta o julgamento (ADPF 153) da Lei de Anistia. O relator Luiz Fux determinou que estes dois pedidos caminhassem juntos, mas eles continuam sem julgamento definitivo.

Para procuradores do MPF (Ministério Público Federal), a situação é grave porque favorece a sensação de impunidade. Agrava o fato de a maioria dos réus já se encontrar em idade avançada, assim como algumas vítimas e seus familiares.

O procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto Marlon Alberto Weichert diz que o STF demonstra não ter vontade de julgar o caso. Ele afirma que o Brasil é o único país de todo o continente, entre os que tiveram ditadura, que não reverteu a sua lei de Anistia.

"Por conta do STF, o Brasil viola a regra do direito internacional de que casos graves de violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade não são passíveis de anistia", afirmou.

Ainda segundo o procurador, é falso o conceito de "anistia dos dois lados" brasileira. "Aqueles que foram acusados de crime contra a ditadura foram acusados, processados, julgados e punidos. Alguns foram soltos, vítimas de tortura e todos os tipos de violência. Já os personagens do Estado nem sequer foram investigados", disse.

O advogado Pedro Dallari, ex-relator da Comissão Nacional da Verdade, diz que isso prejudica a imagem brasileira no cenário mundial. "Traz a impunidade. O Brasil é o único país da América Latina em que torturadores não foram condenados criminalmente. A comissão recomendou fortemente que estes processos fossem julgados. Ainda estamos nessa expectativa", afirmou.