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Justiça, banho de sangue: envolvidos em massacre comentam possível indulto

Mateus Bonomi/Agif/Estadão Conteúdo
Imagem: Mateus Bonomi/Agif/Estadão Conteúdo

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

02/09/2019 17h15

A possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro (PSL) conceder indulto aos policiais que participaram do massacre do Carandiru é vista de formas opostas por testemunhas do episódio. Enquanto um dos presos que sobreviveu à ação policial vê no indulto um incentivo a um "banho de sangue", um agente penitenciário afirma que a iniciativa trará uma "sensação de Justiça sendo feita".

A proposta foi ventilada pelo próprio Bolsonaro no último sábado (31), em almoço com jornalistas. Além do massacre do Carandiru, o presidente disse que pretende conceder indulto aos policiais envolvidos no massacre do Eldorado dos Carajás e no sequestro do ônibus 174, no Rio de Janeiro.

Edivaldo Godoy, sobrevivente do massacre do Carandiru - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
O advogado Edivaldo Godoy, sobrevivente de Carandiru
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

"O que aconteceu ali foi um crime, independentemente de [os policiais] estarem usando farda ou não", diz o advogado Edivaldo Godoy, ex-presidiário que sobreviveu à ação no Carandiru.

Para ele, além de ser um "prêmio" para policiais que "fizeram uma besteira", o indulto passaria um sinal: o de que tudo pode ser admitido e o Estado pode matar "à vontade".

"Isso aí, se aprovado, vai virar um banho de sangue. A gente sabe como funcionam as polícias no Brasil. Elas não têm treinamento, não têm preparo psicológico", afirma. "Isso vai incentivar os policiais, aqueles que querem fazer Justiça com as próprias mãos, a pensar: 'Isso aí pode ser feito no governo Bolsonaro'".

No entanto, o Código Penal veta essa proposta de indulto, já que é necessário que o beneficiado já tenha o trânsito em julgado, ou seja, que não haja mais possibilidade de recurso. O que não é o caso do Carandiru, uma vez que o julgamento dos PMs foi anulado. A lei também veta que o benefício seja estendido para crimes hediondos. O que incluiria os dois policiais condenados por Carajás. No caso do ônibus 174, os PMs já foram absolvidos.

Apesar de se dizer favorável a outras ações de Bolsonaro, como o combate a crimes violentos e de facções, Godoy afirma estar decepcionado com a proposta do indulto.

"Sem dúvidas, é preciso de limites na violência. A coisa estava meio perdida", afirma. Mas a ideia principal do mandato de Bolsonaro, diz, "era levantar o país, fazer com que as coisas mudassem na questão econômica, e não ir a esses extremos a que ele está chegando".

Godoy, que hoje ajuda moradores de rua com a Associação SOS Carentes, diz temer que a iniciativa leve a uma escalada de violência.

"Já tem vários grupos se organizando para atacar as minorias, os homossexuais, os que não comungam do mesmo pensamento, seja qual orientação for. Com esse incentivo que ele [Bolsonaro] está dando, isso vai crescer muito mais", afirma.

 Ronaldo Mazotto, 49, agente penitenciário que trabalhou na Detenção até 2002 - Simon Plestenjak - Simon Plestenjak
Ronaldo Mazotto, agente penitenciário que trabalhou no Carandiru
Imagem: Simon Plestenjak

A proposta, por outro lado, é elogiada por Ronaldo Mazotto, agente penitenciário (hoje, aposentado) que acompanhou os dias seguintes à ação policial no Carandiru.

"Concordo, porque acho que não houve massacre. A polícia teve que fazer o que fez para restabelecer a ordem. Na minha opinião, se a polícia não tivesse entrado, teria morrido muito mais gente", afirma. A iniciativa, diz, representaria Justiça aos oficiais envolvidos no episódio.

Para ele, um possível indulto aos policiais não estimularia o acontecimento de casos semelhantes no futuro.

"Olha o que aconteceu no Rio Grande do Norte, no Pará. Eles mesmos se matam, entre eles, se deixar", pontua, citando casos recentes de rebeliões em presídios que deixaram pelo menos 70 mortos. "Acredito que cada caso é um caso. Esse [do Carandiru] é um caso isolado", diz.

O aposentado afirma também ser favorável à concessão de indulto aos policiais envolvidos nos outros casos citados por Bolsonaro.

"Acho que, em todo confronto entre polícia e bandido em que o bandido tomou o prejuízo, o policial não pode ser julgado, condenado, ele tem que ser condecorado", diz.

"Fala-se que morre muita gente com bala perdida no Rio de Janeiro. E geralmente querem culpar policiais por isso, mas eu discordo. Porque o policial vai subir o morro, se o bandido não atirar, a polícia não vai atirar", afirma.

O massacre do Carandiru

O massacre do Carandiru aconteceu no dia 2 de outubro de 1992. Após uma rebelião na penitenciária, policiais entraram no local. Foram mortos 111 presos.

A Justiça de São Paulo chegou a condenar 74 policiais envolvidos no massacre por homicídio, mas, em 2018, os julgamentos foram anulados. Nenhum PM cumpre ou cumpriu pena pelo massacre. Um novo júri deve ser realizado, mas ainda não há previsão de data.