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Grupos LGBT acusam Bolsonaro de homofobia e pedem ação da PGR

O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Planalto  - Adriano Machado/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Planalto Imagem: Adriano Machado/Reuters

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

12/09/2019 22h26Atualizada em 13/09/2019 09h22

Cinco grupos de defesa dos direitos LGBT apresentaram à PGR (Procuradoria-Geral da República) uma acusação contra o presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmando que ele cometeu o crime de homofobia e pedindo uma ação da Procuradoria contra o presidente.

A acusação é baseada nas declarações de Bolsonaro sobre filmes que tiveram o financiamento barrado pela Ancine (Agência Nacional do Cinema) por terem temática LGBT e também nas declarações do presidente com críticas às famílias homoafetivas e à "ideologia de gênero". Leia a acusação na íntegra.

A representação à PGR é baseada na decisão recente do STF (Supremo Tribunal Federal) que, em junho, tornou crime a homofobia e afirmou que atos de discriminação à população LGBT deveriam ser penalizados de acordo com a lei dos crimes de racismo. No documento, os grupos pedem que a PGR apresente uma denúncia criminal contra Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Apenas o procurador-geral da República pode processar criminalmente o presidente da República, que deve ser julgado pelo Supremo.

A procuradora-geral Raquel Dodge deixa o cargo na próxima terça-feira (17). O escolhido por Bolsonaro para substituí-la foi o subprocurador Augusto Aras, que só pode tomar posse no cargo após ser aprovado pelo Senado. Ainda não houve manifestação da PGR sobre a representação contra Bolsonaro.

Em entrevista publicada em agosto pela Folha de S. Paulo, Aras afirmou discordar da decisão do STF sobre a criminalização da homofobia.

Veto a apoio da Ancine

O documento enviado à PGR cita as falas de Bolsonaro na transmissão feita pelo Facebook no dia 15 de agosto, em que o presidente criticou filmes de temática LGBT que haviam tido o financiamento aprovado pela Ancine. Na ocasião, Bolsonaro disse que o financiamento dos filmes estaria vetado pelo governo.

"Um filme aqui chama-se 'Transversais'. Olha o tema: sonhos e realizações de cinco pessoas transgêneros que moram no Ceará", disse o presidente. "Então o filme, esse daqui, conseguimos abortar essa missão aqui", afirmou Bolsonaro.

"Outro aqui, o nome de outro filme, 'Afronte': mostrando a realidade vivida por negros homossexuais no Distrito Federal. Não entendi nada, confesso", continuou Bolsonaro.

"Olha, a vida particular de quem quer que seja, ninguém tem nada a ver com isso. Mas fazer um filme, Afronte, sobre negros homossexuais no DF, confesso que não dá pra entender. Então mais um filme que foi pro saco", afirmou o presidente.

Na transmissão pelo Facebook, Bolsonaro afirmou que não estava praticando "censura" sobre os filmes, mas que não concordava com o apoio público a esse tipo de projeto.

"Confesso que não entendi porque gastar dinheiro público com um filme desses, o quê que vai agregar no tocante à nossa cultura, às nossas tradições no Brasil. Não estou perseguindo ninguém, cada um faz o que bem entender do seu corpo e vá ser feliz, agora gastar dinheiro público fazendo esse tipo de filme", afirmou o presidente.

Para os grupos de defesa LGBT que acionaram a PGR, o crime de homofobia e transfobia estaria no fato de que é exatamente a temática LGBT dos filmes que foi mencionada por Bolsonaro como motivo para vetar o apoio da Ancine.

Por causa das críticas ao filme "Afronte", que fala de negros homossexuais, as entidades dizem que Bolsonaro também incorreu no crime de racismo.

Famílias homoafetivas

A representação à PGR também cita declarações do presidente com críticas às famílias homoafetivas, nas quais Bolsonaro afirma que, para ele, "família é homem e mulher" porque assim está escrito na Bíblia.

"Apresentem uma emenda à Constituição e modifiquem o artigo 226, que lá está escrito que família é homem e mulher. E mesmo mudando isso, como não dá pra emendar a Bíblia, eu vou continuar acreditando na família tradicional", disse o presidente, no dia 10 de agosto, de cima de um trio elétrico da "Marcha para Jesus" realizada em Brasília.

Posteriormente, no último dia 4, Bolsonaro afirmou, em entrevista ao canal da atriz Antonia Fontenelle no YouTube, que mesmo se houvesse uma "emenda à Constituição" ele continuaria agindo da mesma maneira em relação às famílias LGBT, pois, segundo o presidente, não seria possível modificar o texto bíblico.

"Mudou o governo, não é mais o PT que está aqui, onde a família era um lixo, onde os valores familiares não valiam nada, onde se aceitava qualquer coisa em nome da família", disse Bolsonaro.

"O que é que é família? É homem e mulher, está escrito lá. Emende a Constituição, dizendo seja o que for e a gente vê como é que fica. Vê como é que fica porque como eu sou cristão, eles vão ter que apresentar uma emenda à Bíblia também. Não sei quem vai votar essa emenda à Bíblia. Então, eu vou continuar agindo da mesma maneira", afirmou o presidente.

O comentário foi feito quando Bolsonaro respondia a pergunta sobre a suspensão do financiamento de séries com a temática LGBT.

As falas de Bolsonaro sobre a composição familiar contrariam decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que reconheceu, em julgamento de 2011, que os casais homossexuais têm os mesmos direitos que a legislação brasileira estabelece para os casais heterossexuais.

Segundo a representação enviada à PGR, o crime de homofobia estaria caracterizado na comparação depreciativa feita por Bolsonaro entre famílias homoafetivas e heteroafetivas.

"O problema, caracterizador do crime de homofobia no presente caso, consiste na comparação de famílias homoafetivas a um 'lixo' (sic), bem como ao fato de ter deixado cristalinamente claro que não protegerá famílias homoafetivas, visto que disse que nem a Constituição nem a Bíblia teriam sido emendadas para tanto", diz o texto enviado à PGR.

Ideologia de gênero

O terceiro ato do presidente que configuraria crime de homofobia, segundo o documento apresentado à PGR, seria a declaração de Bolsonaro de que: "Ideologia de gênero é coisa do capeta".

A frase foi dita durante a "Marcha para Jesus" realizada em Brasília no dia 10 de agosto.

Bolsonaro fez a afirmação ao pedir que o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB) proibisse a discussão do tema nas escolas.

O termo ideologia de gênero não é reconhecido no mundo acadêmico e costuma ser utilizado apenas por grupos religiosos e conservadores contrários às discussões sobre diversidade sexual e de identidade de gênero.

Para os grupos de defesa LGBT, nesse caso a homofobia estaria "evidente" pois em sua fala o presidente "acaba por demonizar toda tentativa de enfrentamento do machismo, da homofobia e da transfobia nas escolas, ou seja, [o presidente] demoniza a defesa de direitos humanos a crianças e adolescentes LGBTI contra a homotransfobia", diz a representação entregue à Procuradoria.