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Se Bolsonaro sair, é possível que eu volte ao PSL, diz ex-ministro Bebianno

Gustavo Bebianno com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), logo após a posse - 1.jan.2019 - Sergio Lima/AFP
Gustavo Bebianno com o presidente Jair Bolsonaro (PSL), logo após a posse Imagem: 1.jan.2019 - Sergio Lima/AFP

Chico Alves

Colaboração para o UOL, do Rio

03/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • "Com Bolsonaro não me relaciono mais", diz Bebbiano
  • Maioria dos parlamentares está insatisfeita, afirma
  • "Pelo menos 90% estão ressentidos, se sentem abandonados"
  • Ex-ministro poderia coordenar campanha de Witzel à Presidência

Enquanto são cada vez maiores os indícios de que Jair Bolsonaro e seus aliados estão insatisfeitos com o PSL e estariam prestes a sair, um importante ex-aliado e atual desafeto do presidente pode voltar à legenda. O ex-ministro da Secretaria de Governo Gustavo Bebianno, responsável pela organização do partido na vitoriosa campanha presidencial, diz que isso pode acontecer se Bolsonaro realmente se desfiliar, como apontam as especulações no meio político. "Com ele não me relaciono mais", diz.

Bebianno continua magoado com o presidente, de quem diz ter recebido tratamento desrespeitoso e desleal após o episódio em que se desentendeu com Carlos Bolsonaro, o filho 03, e que culminou com a saída do ministério, em fevereiro. Ele acredita que esse sentimento é comum no PSL e seria um dos principais motivos para a insatisfação dos parlamentares. "Pelo menos 90% estão ressentidos, se sentem desprestigiados, desprezados, abandonados, sem reconhecimento pelo trabalho que fizeram", diz ele.

Um dos possíveis destinos do presidente seria o partido Patriota. O ex-ministro foi acusado por Adilson Barroso, presidente da legenda, de ter sido o responsável pela desistência de Bolsonaro em concorrer ao Planalto pelo Patriota para se filiar ao PSL. Bebianno diz que o próprio candidato à Presidência não quis o partido de Barroso: "Jair tinha medo de chegar na hora H e o Adilson dizer que não ia dar a legenda por causa da oferta de dinheiro do PT ou de algum inimigo político que oferecesse um valor alto para que ele ficasse inelegível".

Nesta entrevista, o ex-ministro fala também sobre as especulações de que o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), anunciado pré-candidato à Presidência, planejaria tê-lo como coordenador de campanha:

UOL - O governador Wilson Witzel o procurou para convidá-lo a coordenar a possível candidatura à presidência, em 2020?

Gustavo Bebianno - Não procede. Tenho muita admiração pelo governador, muito respeito pela coragem dele em enfrentar o problema da criminalidade com tanta ênfase. Muita gente o critica, mas nesse tipo de assunto é praticamente impossível o governante mergulhar sem que haja problemas resultantes das ações. O Rio de Janeiro está dividido entre milícias e traficantes e infelizmente é uma situação de guerra. Tenho admiração pelo governador, mas até agora não houve nenhuma tratativa nem reunião política com ele.

Se ele o convidasse, o senhor aceitaria?

Política é política. Nunca podemos dizer que não beberemos dessa água, não sei como vai ser o futuro, o dia de amanhã. Também tenho muito respeito pelo governador João Doria [de São Paulo], que combina firmeza de ação e moderação com uma visão moderna de país. É um grande gestor. Mas não tenho nada fechado com ninguém.

Há informações de que o senhor estaria prestes a voltar ao PSL. É verdade?

Qualquer parceria com o PSL dependeria primeiro da saída do presidente Bolsonaro, com quem eu não me relaciono mais. Se ele sair, é possível.

Gosto muito do Luciano Bivar, o trabalho que foi feito lá teve muito sucesso. O partido passou de dois deputados federais para 52, quatro senadores, três governadores. Foi um trabalho feito com muita lisura, correção e empenho. Mas com o presidente não dá para ter qualquer relação depois da conduta desrespeitosa, desleal, que ele teve comigo e que eu vejo ele ter com praticamente todos os aliados.

A ironia é que, em entrevista ao UOL, o presidente do partido Patriota, Adilson Barroso, acusou o senhor de ter convencido Bolsonaro a não concorrer na última eleição pela legenda para entrar no PSL.

O próprio presidente não quis o Patriota. A legislação eleitoral impõe datas limites, você é obrigado a se filiar ao partido em que vai disputar as eleições até seis meses antes da votação.

Jair tinha medo de chegar na hora H e o Adilson [Barroso, presidente do Patriota] dizer que não ia dar a legenda por causa da oferta de dinheiro do PT ou de algum inimigo político que oferecesse um valor alto para que ele ficasse inelegível.

Nessa época, eu dormia na casa dele (Bolsonaro), e a primeira coisa que dizia ao acordar era isso: nós temos que ter o controle do partido ou então Adilson vai nos "vender". A determinação era que eu apertasse o Adilson para que ele fizesse o que o Bivar fez, ou seja: entregasse para ele o controle temporário do partido até o fim das eleições.

Acha que Bolsonaro pode repetir no Patriota o sucesso que teve no PSL, onde fez de um partido nanico uma legenda importante?

A possibilidade é zero. Começa que não há alinhamento ideológico, a legenda era completamente à esquerda. Lembro que foi o Partido Ecológico Nacional [antigo nome do Patriota] que entrou com Ação Direta de Constitucionalidade questionando a prisão em segunda instância para soltar o Lula. Uma ação patrocinada pelo Kakay [Antonio Carlos de Almeida Castro, advogado que defende parte dos presos da Lava Jato]. Isso fez também com que Jair ficasse desconfiado. Além disso, ir para o Patriota seria de uma burrice política que eu nunca vi.

Ele [Bolsonaro] vai deixar um partido que tem um fundo partidário gigantesco, um fundo eleitoral enorme e vai para um nanico sem fundo eleitoral? Ele vai sacrificar os correligionários? Vai de novo juntar os aliados no deserto?

Qual a diferença entre o Patriota de hoje e o PSL no tempo em que era nanico?

O Adilson exerce um poder absolutista no Patriota, e o estatuto do partido concentra todos os poderes nas mãos do presidente da legenda, que é ele. Adilson escolhe a chapa para presidente e vice-presidente. Em outros partidos quem decide isso é o diretório nacional. No caso do PSL, são 101 pessoas que formam o diretório nacional. No Patriota é uma pessoa. O medo do Jair era esse, que o Adilson fosse seduzido por alguma oferta de grana e tirasse a legenda dele.

A direção do PSL resiste a ceder o controle do partido ao presidente, como fez na última eleição.

Ele poderia ter esse controle agora desde que tivesse outra postura.

Jair não senta com as pessoas, despreza o próprio partido, ele ignora os parlamentares eleitos.

Eu fui testemunha e alertava: articulação política começa dentro de casa. Mas depois de eleito ele adotou uma postura super-arrogante, esqueceu de todo mundo que o ajudou. Tudo na vida é via de mão dupla. O presidente acha que todo mundo foi eleito por causa dele. É verdade, o nome dele é que estava forte naquele momento. Mas é o seguinte: Tostines vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais? Por que o nome dele ficou forte? Por causa dessas pessoas que trabalharam para ele durante anos. E trabalharam no deserto, principalmente no Nordeste. Pessoas que pegaram o touro à unha. Trabalharam a zero, sem pão, sem água, debaixo de sol. Trabalharam o nome dele, fizeram articulações, fizeram o caminho e depois foram abandonadas por ele.

Hoje, tem vários deputados que fingem que estão bem com ele, mas não estão. Pelo menos 90% estão ressentidos, se sentem desprestigiados, desprezados, abandonados, sem reconhecimento pelo trabalho que fizeram.

Foi então perdendo contato. Aí agora ele quer dar um soco na mesa e dizer que manda, faz e acontece. Ninguém aceita isso.

Esse é um dos motivos da descoordenação do partido no Congresso?

A coordenação começa dentro de casa e ele não fez esse trabalho. Agora, mesmo que tente fazer, já rachou o cristal, as pessoas perderam a confiança. Esses 52 deputados e mais os quatro senadores perderam a confiança porque viram que ele rifa mesmo os aliados sem dó nem piedade. Quando alcança o que quer, ignora as pessoas. Hoje, se alguém o apoiar é por mero interesse, ele teria que fazer o velho toma lá da cá, o que não precisaria fazer se tivesse uma postura diferente desde o início. As pessoas o apoiariam sem outros interesses. Para conquistar o que quer tem que fazer o "toma lá da cá", como parece que está fazendo.

Se realmente sair do PSL, acha que Bolsonaro poderia dar certo em uma legenda maior, mais organizada?

Um partido que tem uma estrutura democrática? Não. Ele quer mandar.