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FHC vê exagero da Lava Jato, mas ressalta: "Justiça julga fatos"

Carine Wallauer/UOL
Imagem: Carine Wallauer/UOL

Do UOL, em São Paulo

18/10/2019 10h12

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse, em entrevista ao jornal "O Globo", que houve exageros da Operação Lava Jato, mas reafirmou a sua posição de que a Justiça julga apenas os fatos.

Questionado se concordava com a visão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não teve direito a um julgamento justo, Fernando Henrique fez ressalvas.

"Acho que a Lava Jato exagerou. Que tenha havido algum preconceito contra o Lula e contra o PT, é possível. As pessoas têm preconceito contra mim, contra você... Mas a Justiça julga fatos", disse.

"Já fui depor três vezes como testemunha do Lula, a pedido dos advogados dele. Ele foi condenado porque há fatos. Não gosto de ver o Lula preso, mas respeito a Justiça. Ele foi condenado em várias instâncias. Eu lamento. Historicamente, era melhor que não tivesse ocorrido. Mas ocorreu, o que eu vou fazer?", completou.

FHC ainda explicou o que considerou exagero. "Eles podem ter errado? Podem. Pode haver uma visão jacobina? Pode. Isso é bom? Não. Mas não podemos desmerecer a Lava Jato. Mesmo que tenha exagerado aqui e ali, ela conseguiu prender gente rica e poderosa, o que é uma coisa difícil no Brasil", disse.

"Especialmente nos governos do PT, houve muita transigência no sentido de se usar dinheiro público, via empresas, para fins partidários. Isso é corrupção da democracia. Tão ou mais grave que a corrupção pessoal. É inaceitável", completou.

Luiz Inácio Lula da Silva está preso desde 7 de abril de 2018, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do tríplex do Guarujá (SP). O STF iniciou ontem um julgamento relacionado à prisão em segundo instância que pode beneficiar na liberdade do ex-presidente.

Fernando Henrique evitou fazer um juízo definitivo sobre o assunto, mas ressaltou que acha a discussão no STF legítima. "A discussão é legítima, mas não acho que você deva deslegitimar toda a Justiça para libertar os que estão presos. Até porque não é só o Lula. Não é uma decisão simples. Como está na Constituição, é complicado", disse.

"Acho um exagero deixar os réus em liberdade depois de duas condenações. No Brasil, quem tem dinheiro sempre continuou recorrendo para não ser punido. Se os tribunais fossem mais céleres, esse problema não existiria", completou.

Governo Bolsonaro

Na entrevista ao "Globo", Fernando Henrique Cardoso também teceu comentários sobre o Governo Bolsonaro. Ele disse que é cedo para avaliações definitivas.

"É cedo para um julgamento taxativo. O governo tem muitas partes. Há setores que são francamente ideológicos, veem fantasmas em todo lado. É possível que o presidente às vezes seja levado por fantasmas. Outros setores são sensatos. Não acho que os militares sejam insensatos", disse.

"É ruim o Executivo não ter uma agenda clara para mostrar ao país. O presidente tem que explicar qual é o rumo. Hoje, quando há rumo, é o rumo ideológico. Na ditadura, você enfia a espada e faz. Na democracia, é diferente. Minha atitude era oposta à do governo atual. Eles buscam adversários até onde os adversários não existem", completou.

Ele, no entanto, disse que não pretende ter contato com o presidente Jair Bolsonaro. "Hoje nós vivemos sob o signo do ódio. Isso é ruim para o Brasil. Ainda não conseguimos entender que o outro é adversário, não inimigo. Não posso tratar o Bolsonaro como inimigo. Ele foi eleito, é o presidente da República. Eu discordo dele. Nunca o vi, nem estou pretendendo vê-lo", disse.

Fernando Henrique ainda revelou que muitos amigos tentaram convencê-lo a apoiar Fernando Haddad, candidato do PT, no segundo turno das Eleições de 2018. Ele explicou sua postura.

"Muitos. Eu me dou bem com o Haddad, tenho uma boa opinião sobre ele. Mas naquele momento o PSDB estava em luta com o PT em vários estados. Como é que eu ia tomar posição a favor do PT?", disse.

Por último, o ex-presidente evitou rebater o ministro da Educação, Abraham Weintraub, por ter comparado sua presidência à Aids. "A declaração dele foi tão importante que eu nem li... Nós estamos vivendo um momento de polarização que é muito ruim. Um ministro tem que prestar mais atenção ao que diz. Temos que baixar a bola, aceitar que existem pessoas com pensamentos diferentes", disse.

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