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Veja: Hacker disse a Manuela que tinha material para anular Lava Jato

Walter Delgatti Neto, preso sob suspeita de hackear celulares - Mateus Bonomi/Folhapress
Walter Delgatti Neto, preso sob suspeita de hackear celulares Imagem: Mateus Bonomi/Folhapress

Do UOL, em São Paulo

01/11/2019 10h47

O hacker Walter Delgatti Neto, acusado de invadir o serviço de mensagens Telegram instalado em telefones de pessoas ligadas à operação Lava Jato, disse à ex-deputada Manuela d'Ávila (PCdoB-RS) que tinha material forte o suficiente para invalidar atos da operação e para libertar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de acordo com reportagem publicada hoje pela revista Veja.

Celulares de procuradores que atuavam na Lava Jato foram invadidos, e mensagens privadas copiadas por quem hackeou os aparelhos foram entregues ao site The Intercept, que vem divulgando o material em parceria com outros veículos de imprensa, incluindo Veja e UOL. Porém, o site The Intercept não confirma que os materiais entregues foram os que Delgatti Neto alegou ter na conversa com a ex-deputada, nem que ele seria o responsável por revelar as informações ao site.

O UOL fez contato com a assessoria da ex-deputada, que cumpre agenda em Goiânia, mas não obteve resposta até o momento. Manuela já negou anteriormente que tivesse qualquer relação com a invasão dos celulares e já foi ouvida pela PF (Polícia Federal).

A revista teve acesso a conversas anexadas ao inquérito que apura o caso e reproduz trechos em seu site.

Segundo a reportagem, após fazer contato com a ex-deputada, o hacker teria afirmado à ela que seria possível libertar Lula e anular os processos da operação com base no material que ele já tinha coletado. Parte desse conteúdo viria de conversas interceptadas entre ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Candidata a vice-presidente na chapa encabeçada por Fernando Haddad (PT) em 2018, a ex-deputada deu o número do telefone do jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept, a Delgatti Neto após ter sido procurada pelo hacker.

Em 12 de maio de 2019, às 12h14, de acordo com o que foi apurado por Veja, ela recebeu uma mensagem de texto em seu Telegram: "Consegue confiar em mim?". Após ver a foto e o número do celular do remetente, o senador Cid Gomes, Manuela respondeu: "Sim. 100%". O interlocutor continuou: "Olha, eu não sou o Cid. Eu entrei no telegram dele e no seu. Mas eu tenho uma coisa que muda o Brasil hoje. E preciso contar com você".

Naquele momento, segundo disse à polícia, Manuela estava num almoço de família, comemorando o Dia das Mães, e estranhou a abordagem. Suspeitou que poderia ser uma brincadeira ou um trote e permaneceu em silêncio, desconfiada, até que recebeu uma imagem de uma de suas conversas privadas com o ex-deputado Jean Wyllys. Isso mostrava que não se tratava de um blefe. O hacker, então, explicou: "Eu entrei no telegram de todos os membros da força tarefa da lava jato. Peguei todos os arquivos. Dá para soltar Lula hoje. Derrubar o MPF", afirmou o hacker. (As conversas estão descritas conforme registradas no Telegram.)

No dia seguinte, 13 de maio, Manuela recebeu uma segunda mensagem do hacker, de acordo com a Veja. Dessa vez, ele se identificava como "Brazil Baronil" e dizia que também tinha conversas que mostrariam a parcialidade de ministros do STF, diálogos que teriam potencial para invalidar todos os processos da Lava Jato.

O hacker citou três magistrados que teriam sido alvo da interceptação: os ministros Cármen Lúcia, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, que fariam parte de um grupo no Telegram.

"Eu tenho uma conversa da carmem (que era para ser imparcial, segundo o princípio do juiz natural) dizendo sobre a norte [morte] do sobrinho do Lula. Fazendo até piada", escreveu o hacker. "E ainda ela disse exatamente assim: quem faz mal para outrem, um dia o mal retorna, e pode ser até no sobrinho." "A Rosa Weber saiu do grupo na hora!"

Para o hacker, isso mostraria a falta de imparcialidade dos ministros, o que, segundo ele, poderia "invalidar todos atos da operação lava-jato".

Manuela d'Ávila recomendou a ele que entrasse em contato com o jornalista Glenn Greenwald.

Em 9 de junho, veio à tona a primeira leva de mensagens trocadas entre procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça. O material mostrou que os membros da força-tarefa discutiam entre si depoimentos e combinavam diligências. Apoiada nas mensagens, a defesa de Lula pediu ao STF a suspeição de Moro.

Nesta sexta-feira, após a divulgação da reportagem de Veja, a PF divulgou nota em que afirma não ser verdadeira a informação de que Delgatti tem ou teve acesso a mensagens escritas pela ministra Cármen Lúcia, do STF.

"A Polícia Federal esclarece que a afirmação não corresponde à realidade, não havendo registro de conteúdo obtido pelo hacker de terminais de titularidade da referida autoridade".

Suspeito de invadir celulares está preso em Brasília

Walter Delgatti Neto é investigado sob suspeita de ser o hacker que fez contato com a ex-deputada. Ele está preso na penitenciária da Papuda, em Brasília. As investigações da Polícia Federal ainda não concluíram se a invasão dos celulares dos ministros do STF aconteceu de fato.

Delgatti está detido juntamente com outras duas pessoas. É possível que o grupo tenha acessado os aplicativos de mais de uma centena de pessoas e que tenha tentado vender parte das informações colhidas, afirma Veja.

Ao vasculhar o computador e os celulares dos investigados, a Polícia Federal não encontrou nada que comprovasse que os aparelhos dos ministros haviam sido hackeados.

Procurados, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber negam que tenham formado qualquer grupo de aplicativo entre eles. Cármen Lúcia não respondeu à revista.

O UOL procurou a assessoria do STF, mas não obteve retorno por conta de um feriado no Distrito Federal.

Parte das conversas sumiu

Em agosto, Manuela d'Ávila afirmou à Polícia Federal que parte das conversas que teve com o hacker desapareceu dos arquivos do seu aparelho celular. Segundo ela, as mensagens tratavam de um perfil no Twitter que atacava Greenwald e sobre o uso da sua conta no aplicativo Telegram.

A ex-deputada disse que tirou prints das mensagens trocadas com o hacker, mas que essas "fotografias das mensagens" não incluíam algumas das conversas que ela teve com ele e, por isso, não foram incluídas no inquérito policial.

As conversas teriam sido provocadas pela própria ex-deputada, após ela perceber que sua conta no Telegram estava coberta pelo modo de verificação em duas etapas (um dispositivo de segurança do aplicativo). Ela disse que procurou o hacker porque estava impossibilitada de fazer a instalação do Telegram em outro aparelho celular.

"Também tinha receio de não conseguir usar mais o Telegram caso o hacker resolvesse 'deslogar' o aplicativo", disse ela ao delegado Flávio Zampronha, responsável pela Operação Spoofing.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o contato do hacker com Manuela d'Ávila durou nove dias, via aplicativo de mensagens, entre os dias 12 e 20 de maio de 2019. Em depoimento, ela afirmou que o contato entre os dois se estendeu pelo menos até o fim de junho.

Ela contou ao delegado da PF que o primeiro contato com o hacker se deu às 11h de 12 de maio de 2019, quando recebeu uma mensagem no Telegram de um número da Virgínia (EUA).

Segundo Manuela, logo em seguida, ela recebeu uma ligação, que acreditou na ocasião ter partido do próprio Telegram. Após a ligação, a ex-deputada afirmou que recebeu uma mensagem na qual o nome aparecia como sendo do senador Cid Gomes (PDT), mas que na verdade era o hacker.

No depoimento, Manuela ainda disse que nunca trocou mensagens de voz com o hacker e afirmou que nunca falou pessoalmente com ele. A ex-deputada também colocou seu celular à disposição da perícia para que os investigadores pudessem tentar acesso a informações necessárias ao inquérito.