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Mestre de Huck é cultuado, mas criticado por monopolizar méritos coletivos

Luciano Huck e o ex-governador Paulo Hartung (de óculos) fazem selfie durante evento realizado em agosto em Vila Velha (ES) - Divulgação
Luciano Huck e o ex-governador Paulo Hartung (de óculos) fazem selfie durante evento realizado em agosto em Vila Velha (ES) Imagem: Divulgação

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

10/11/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Paulo Hartung e Huck se aproximaram após apresentador cogitar disputar Planalto
  • Apresentador diz que Hartung compartilha conhecimento e "ilumina o caminho"
  • Ex-governador afirma que encerrou ciclo no ES, mas se diz aberto à política nacional
  • Ele se define como social-democrata adepto de um choque liberal
  • Elogiado como gestor, Hartung venceu todas as eleições que disputou
  • Críticos contestam corte de gastos de seu último mandato

Ele teria papel de destaque na equipe de Luciano Huck caso o apresentador de TV tivesse levado adiante a ideia de disputar o Planalto em 2018.

Huck já disse que ele é seu "senhor Miyagi", o mestre do personagem do filme "Karatê Kid". E mesmo sem a concretização da candidatura presidencial, ambos se aproximaram mais para reforçar uma atuação na política nacional.

Paulo Hartung, 62, é um campeão das urnas. Teve três mandatos como governador do Espírito Santo, foi prefeito de Vitória, senador, deputado federal e estadual.

Liquidou todas as eleições para o governo estadual no primeiro turno, mas em 2018 não tentou uma nova reeleição nem apoiou nenhum candidato ao Palácio Anchieta, sede da administração capixaba.

Ele considera encerrado seu ciclo na política estadual, mas se diz aberto a atuar nacionalmente. Economista de formação, é cultuado por liberais como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que o apresentou a Huck.

No Espírito Santo, seu papel histórico é reconhecido, mas sua atuação também é alvo de questionamentos por causa de decisões políticas e por fazer um corte de gastos que teria sido excessivo no último mandato.

A relação com Luciano Huck

Fraga, que também é economista, apresentou Hartung a Huck no começo do ano passado, quando o apresentador cogitava se lançar candidato a presidente. "Antes de conhecê-lo já tinha respeito pelo competente gestor e dedicado homem público. Hoje a relação escalou para o nível pessoal e de perto os contornos se potencializaram", afirma Huck ao UOL.

"Tenho muito gosto de ver que eles andam se complementando e construindo alguma coisa no momento", diz Fraga à reportagem.

Hartung passou a participar de grupos dos quais Huck é protagonista: o RenovaBR, escola de formação de novas lideranças políticas, e o Agora!, plataforma de políticas públicas. Para o ex-governador, o Renova tenta cobrir um "deficit de lideranças" no país.

"Eles têm dito que isso é parte de um anseio geral com relação aos destinos do país e têm procurado, com razão, não transformar isso em algo de curto prazo ou de natureza eleitoral. É algo que vai além, sem prejuízo de mais adiante alguma coisa acontecer. Acho que nem eles próprios sabem. Mas é política de boa qualidade", comenta Fraga.

"Mestre Miyagi"

Foi em um debate realizado em agosto em Vila Velha (ES) que Huck se referiu a Hartung como seu "Mestre Miyagi", dizendo que o ex-governador tem calma nos movimentos e é estratégico.

"É bem provável que esse treinamento de vida que eu tenho, que é muito rico, é muito útil para ele. Agora ele também traz um treinamento de vida profissional muito rico, interessante. Se ele está aprendendo alguma coisa comigo, seguramente estou aprendendo também muitas coisas com ele. Isso é uma a troca. Um acrescenta o outro", declara o próprio Hartung.

"Além de um bom amigo, o Paulo é generoso; nunca economizou um conselho e dedica o tempo que for necessário em compartilhar conhecimento e experiência, ativos que ele tem de sobra", diz Huck.

"Como cidadão quero poder contribuir cada vez mais para que a sociedade civil possa influenciar positivamente o país no caminho de um Estado mais eficiente e afetivo. E esta caminhada com o Paulo iluminando o caminho tem ajudado muito."

Gestor elogiado

Vitorioso nas urnas, Hartung é apontado por admiradores como um exemplo de gestor. "Acompanhei de longe o trabalho que ele desenvolveu no Espírito Santo, que foi revolucionário em vários momentos difíceis. Ele assumiu uma situação muito complicada e foi construindo uma história de sucesso, como líder e como gestor público", diz Fraga.

Um aspecto que eleva o conceito de Hartung é a comparação das situações das contas do Espírito Santo e do Rio de Janeiro.

"Embora se possam apontar diferenças, são estados que tinham uma conexão com o petróleo. Viveram um momento de alta de preços muito favorável. Depois, momentos mais difíceis. E a diferença entre os resultados é imensa. O Espírito Santo está inteiro, e o Rio de Janeiro está quebrado", analisa o economista.

Armínio Fraga - Mauro Pimentel-11.nov.2015/Folhapress - Mauro Pimentel-11.nov.2015/Folhapress
Economista Armínio Fraga foi o padrinho do encontro entre Hartung e Huck
Imagem: Mauro Pimentel-11.nov.2015/Folhapress

Choque liberal

Para Fraga, Hartung tem uma "atuação baseada em princípios, em transparência, em coragem de enfrentar as questões mais difíceis". "São [medidas] politicamente antipáticas no curto prazo, mas depois mais adiante fica claro que elas produzem resultado para a população."

O ex-governador se define como um social-democrata partidário de um choque liberal na economia e no Estado brasileiro.

Ele é defensor, por exemplo, da reforma das carreiras do funcionalismo público. "A questão central é dar produtividade ao setor público, é fazer com que o setor público tenha melhor capacidade de entrega", declara.

"Precisamos avançar na reforma do RH do setor público, modernizar as carreiras. A forma de a gente criar uma valorização real do servidor público, que trabalha, que rala, é você ter um tipo de carreira que valorize o mérito e não o automatismo de promoção e progressão."

5.out.2014 - O candidato ao governo do Epírito Santo pelo PMDB, Paulo Hartung, vota na Escola Municipal Álvaro de Castro Mattos, no Jardim da Penha, em Vitória, capital do Estado. O peemedebista, que já ocupou o comando do governo estadual duas vezes, superou o atual governador, Renato Casagrande (PSB) e foi eleito neste domingo  - Bruno Herculano/Agência Estado - Bruno Herculano/Agência Estado
5.out.2014 - O então candidato ao governo do ES pelo PMDB, Paulo Hartung, vota em escola municipal
Imagem: Bruno Herculano/Agência Estado
Virada de página e alto índice de aprovação

Em 2003, Hartung assumiu o governo de um estado em crise financeira e de credibilidade.

O Espírito Santo vinha de um período marcado pela força do crime organizado, inclusive na política. Mesmo seus críticos atuais reconhecem que as duas primeiras gestões do ex-governador representaram uma "virada de página" no estado.

"O primeiro mandato do Paulo foi duríssimo. Realmente houve um esforço muito grande de equilíbrio fiscal, de mudanças estruturais profundas. O secretário da Fazenda daquela época, José Teófilo de Oliveira, fez um trabalho extraordinário", afirma Luiz Paulo Vellozo Lucas, ex-prefeito de Vitória e ex-aliado do mestre de Huck.

Em 2010, no último ano de seu segundo mandato, Hartung ostentava um índice de 81% de aprovação entre os moradores do Espírito Santo. O apoio maciço também se refletiu na eleição para governador. Renato Casagrande (PSB), seu candidato, foi eleito com 82% dos votos válidos.

Crise e greve da PM

Em 2014, Hartung decidiu concorrer com o sucessor e venceu. No começo daquele ano, um estudo de três técnicos publicado no jornal "A Gazeta", de Vitória, havia alertado sobre o crescimento das despesas do governo capixaba na gestão Casagrande.

Hartung assumiu em 2015 priorizando o ajuste fiscal, ou seja, o controle das finanças.

O momento mais grave foi a greve dos policiais militares em fevereiro 2017. Um cenário de guerra, com mais de 200 mortos, tomou conta do estado no período da paralisação. Os PMs reivindicavam melhores salários e condições de trabalho. O episódio coincidiu com a internação de Hartung em São Paulo para o tratamento de um câncer.

Quando saí do centro cirúrgico, recebi a notícia de que estava começando o movimento grevista da Polícia Militar. Voltei para o estado, liderei o processo do final do movimento. Punimos os responsáveis pela greve e mudamos a legislação de promoção da polícia, valorizando o mérito.

Paulo Hartung e Luciano Huck - Divulgação - Divulgação
Hartung diz que é cedo para se falar nas eleições de 2022
Imagem: Divulgação

Crítica e defesa do ajuste fiscal

Rodrigo Medeiros, professor do IFES (Instituto Federal do Espírito Santo) e um dos autores do estudo de 2014, avalia que o ex-governador exagerou na dose dos cortes, o que teria prejudicado serviços públicos e os indicadores sociais do estado.

"Não havia nenhum sinal de que o governo ia estourar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Estava tudo dentro dos parâmetros da legalidade. A diferença do remédio para o veneno é a dose. A dose [do corte] foi muito pesada. A queda do investimento público estadual de 2014 para 2015 foi da ordem de 73%. Isso não se recupera durante esse terceiro mandato do Hartung. Tivemos mais de R$ 1,3 bilhão em obras paradas", comenta. "O governo ficou muito preso no ajuste fiscal. Isso virou uma música de uma nota só."

"Ele poderia ter gasto um pouco mais de energia para pactuar melhor a travessia da crise [econômica do país], tanto da época mais dramática, que foi no início, em 2015 e 2016, quanto na época que sobrou dinheiro, que foi no final do mandato dele", analisa Vellozo Lucas.

"A gente pode fazer um debate vazio sobre os temas ou podemos procurar números. No período do ajuste fiscal mais duro e rigoroso, o estado teve avanço na educação. O Espírito Santo saiu da 11ª posição no Ideb e foi para o primeiro lugar. Virou o estado com a menor mortalidade infantil do Brasil. Foi para a segunda a expectativa de vida do Brasil", argumenta Hartung.

Protagonismo

Apesar de reconhecerem os méritos de Hartung, seus críticos entendem que ele tenta monopolizar os créditos pela evolução do Espírito Santo. "Todos esses indicadores [de educação e saúde] são de médio prazo. O cara não estala o dedo e a educação melhora em quatro anos. Tem esforços que vêm sendo feitos há 20 anos", contrapõe Medeiros.

Para Medeiros e Vellozo Lucas, o ex-governador precisa dividir os méritos de conquistas como a nota A de estado bom pagador dada pelo Tesouro Nacional. Pelos critérios atuais, o estado obteve a classificação em 2014, antes, portanto, do terceiro mandato.

"Pertencemos a uma geração que renovou a política capixaba nos últimos 25, 30 anos. O resultado global é muito positivo para o estado. Certamente o Paulo Hartung é uma das figuras mais importantes da história, talvez a mais importante dessa geração, mas não é o único".

Lama rio Doce Espírito Santo - Gabriel Lordello/Mosaico Imagem - Gabriel Lordello/Mosaico Imagem
Espírito Santo foi afetado pela lama de Mariana (MG) e pela paralisação de atividades de mineração
Imagem: Gabriel Lordello/Mosaico Imagem

Vitórias e trocas de partidos

Nascido na pequena cidade capixaba de Guaçuí, perto das divisas com Minas Gerais e Rio de Janeiro, Hartung começou a se envolver com política quando estudava economia na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) no fim dos anos 70.

Ligado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro) na época da clandestinidade da legenda durante a ditadura, presidiu o DCE (Diretório Central dos Estudantes) da universidade. Filiou-se ao MDB e foi eleito deputado estadual em 1982.

Em 1988, ajudou a fundar o PSDB, partido pelo qual foi eleito deputado federal em 1990, prefeito de Vitória em 1992 e senador em 1998. Pasou ainda por PPS, PSB e regressou ao MDB.

Algumas mudanças de partido tiveram relação com as circunstâncias da política local. Para o cientista político Fernando Pignaton, seu ex-colega de movimento estudantil, elas tiveram certa coerência porque ficaram restritas a legendas de centro e centro-esquerda. Mas na prática, prossegue o analista, Hartung também se aliou com o PT à esquerda e com conservadores à direita.

"Maquiavelismo"

Se alçar voos na política nacional, a questão para o futuro, diz o analista, é ver se o ex-governador se consolidará com um liberal mais duro, priorizando as contas públicas, ou se será mais atento às questões sociais.

Pignaton, também comenta que, no Espírito Santo, Hartung ganhou fama de que "dependendo da conveniência política abandona todos os aliados".

"No estado ele isolou pessoas dessa mesma posição política, uma personalismo moderno, com certos traços de realismo maquiavélico de obstruir quem pode te ameaçar dentro do campo político. Essa dificuldade de uma convivência orgânica em uma instituição partidária levou à dificuldade de gerar novas lideranças de sua matriz conceitual e ideológica".