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Analistas: Bolsonaro se arma para protestos com PL que tira pena de militar

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e seu vice, Hamilton Mourão (PRTB), receberam no fim da tarde de 10 de dezembro os diplomas que atestam a vitória nas urnas e o mandato de quatro anos - Walterson Rosa/Folhapress
O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e seu vice, Hamilton Mourão (PRTB), receberam no fim da tarde de 10 de dezembro os diplomas que atestam a vitória nas urnas e o mandato de quatro anos Imagem: Walterson Rosa/Folhapress

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

25/11/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Presidente enviou ao Congresso projeto que estabelece excludente de ilicitude para operações de GLO
  • Pesquisadores apontam risco de que PL de Bolsonaro dê "licença para matar" em manifestações
  • Texto de Bolsonaro se parece ao de decreto da presidente que sucedeu Evo na Bolívia

O Projeto de Lei (PL) que abranda e até retira punições de militares e outros policiais durante operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foi apresentado pelo presidente Bolsonaro (sem partido) como uma resposta ao "ladrão de celular" e contra "quem estiver portando arma de forma ostensiva".

Mas analistas ouvidos pelo UOL cogitam outra utilidade do projeto, muito similar a um decreto da autoproclamada presidente da Bolívia, Jeanine Áñez: o de se preparar para conter, inclusive com tiros, manifestações que venham a transbordar no Brasil, a exemplo do que se tem visto no Chile, na Bolívia e agora, na Colômbia.

"Se essa lei for aprovada e ocorrer uma onda de manifestações contra o presidente, as Forças Armadas estão autorizadas a matar oponentes", diz Alberto Kopittke, diretor executivo do Instituto Cidade Segura e associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O que diz o PL de Bolsonaro

  • O projeto quer que militares e agentes de segurança envolvidos em GLO não sejam punidos se agirem em legítima defesa. Só haveria punição em "excessos" intencionais;
  • O texto diz que, durante operações de GLO, "considera-se em legítima defesa o militar ou o agente que repele injusta agressão, atual ou iminente"
  • E classifica de "injusta agressão" práticas de condutas capazes de gerar morte ou lesão corporal e atos de terrorismo nos termos da Lei nº 13.260/2016;
  • Essa lei diz que é terrorismo cometer atos "por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública".

Bolsonaro e Eduardo criticaram manifestações vizinhas

O presidente e o núcleo mais radical que o circunda já demonstraram receio com as manifestações dos países vizinhos. Em outubro, durante sua visita à China, Bolsonaro afirmou que os protestos no Chile eram "atos terroristas."

Poucos dias depois seu filho Eduardo conclamaria um "novo AI-5" (ato institucional que aprofundou a violência e a repressão durante a Ditadura Militar), se a "esquerda se radicalizar", em resposta a um questionamento sobre as manifestações no Chile.

Analistas veem resposta à possibilidade

"O projeto de Lei consolida essas duas falas. Se você pensar em instrumentos de exceção, de uso da força é uma forma de estrutura. Os atos institucionais [da ditadura] foram utilizados para dar formalidade aos atos ilegais. Ele [projeto] é uma preparação, pode ser usado para isso ou não", diz Kopittke.

O professor Rafael Alcadipani, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, discorda da aplicação da lei contra protestos.

"É um Cavalo de Troia para reprimir manifestações violentas, inclusive usando o exército como agente de intimidação da população e das polícias. É muito perigoso nesse momento esse tipo de projeto", diz.

Ementa boliviana

Para Kopittke, que teve como tema de mestrado as operações de GLO, o projeto de Bolsonaro emula um decreto assinado pela autoproclamada presidente da Bolívia, Jeanine Áñez, no último dia 17.

Ela eximiu de punições os militares que "atuem em "legítima defesa ou estado de necessidade" quando estiverem "cumprindo suas funções constitucionais."

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos classificou o decreto assinado por Añez como "grave" e afirmou que o texto "estimula a repressão". "O PL do Bolsonaro é muito parecido com o decreto, é exatamente como se estivesse se preparando para uma onda de manifestações", diz Kopittke.

Dilma usou GLO durante manifestações

Desde que foi criada nos anos 1990, operações de GLO para conter manifestações foram utilizadas pelo menos duas vezes. Em outubro de 2013, a então presidente Dilma Rousseff (PT) convocou o Exército para "contribuir com a segurança" no centro do Rio de Janeiro por conta de protestos contra o leilão do Campo de Libra (extensa área de exploração de petróleo na Bacia de Santos).

Em maio de 2017, Michel Temer (MDB) assinou um decreto dando poder às Forças Armadas para fazer a segurança na Esplanada dos Ministérios. À época, o presidente foi alvo de uma série de manifestações em Brasília, com saldo de dezenas de feridos e três ministérios incendiados.

"Me parece que é algo extremamente temerário, infelizmente o Brasil já tem índices altíssimos de letalidade policial e parece que o governo está querendo aumentar", argumenta Alcadipani.

Para Kopittke, a proposta de excludente de ilicitude em operações de GLO não tem "nenhuma necessidade", posto que no Brasil não há precedentes desde a redemocratização de manifestações como as que tomaram o Chile e a Bolívia.

"Em 2013 [Jornadas de Junho] não precisou de GLO. (...) Se nos compararmos com o Chile atual, o Brasil foi bem naquela época, não colocou as Forças Armadas na rua. Se houvesse na época alguma lei nesse sentido, 2013 teria sido uma tragédia", pontua.

O que Bolsonaro considera terrorismo

O primeiro fator considerado "injusta agressão" pelo PL, e que entraria no rol que presume a legítima defesa de agentes do Estado, é a "prática ou iminente da prática" de terrorismo. Para os pesquisadores ouvidos pelo UOL, a ideia do governo é ampliar o conceito do termo para que organizações e movimentos sociais, por exemplo, possam ser enquadrados como terroristas.

Em 2016, presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou a Lei Antiterrorismo e, por conta da pressão de setores sociais, vetou artigos que poderiam dar margem à interpretação de que manifestações e protestos possam ser considerados atos terroristas. A lei também estabeleceu que a "conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional" não pode ser considerada como terrorismo.

O presidente Jair Bolsonaro deixou claro em mais de uma oportunidade que considera o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) como grupo terrorista. Em agosto, comparou o movimento ao Hezbollah, grupo xiita libanês que atua em várias frentes. Meses antes, utilizou suas transmissões ao vivo pelas redes sociais para afirmar que pretendia tipificar as invasões do MST como "terrorismo."

"Há uma tentativa de abrir o conceito de terrorismo, nesse projeto de lei, que é extremamente preocupante. É um projeto que mira duas coisas: fortalecer grupos milicianos, policiais que agem à beira da lei, e, além disso, é um projeto que tenta já precaver caso o Brasil tenha manifestações para que haja uma repressão como nunca houve antes", diz o pesquisador da FGV.

À reportagem, Alberto Kopittke argumenta que "a citação ao terrorismo é uma vontade do governo de ampliar este conceito para atingir movimentos sociais, voltar à versão original do projeto que foi aprovado em 2016. Ja há anos existe uma tentativa de se avançar nessa concepção, de uma volta da Lei de Segurança Nacional [utilizada durante a Ditadura militar]."

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, o professor Rafael Alcadipani, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, discorda com a aplicação da lei contra protestos.O texto foi corrigido.