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Cogitar novo AI-5 'ofende democracia' e 'afronta' Constituição, diz Fachin

O ministro Edson Fachin durante sessão plenária no Supremo Tribunal Federal - Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo
O ministro Edson Fachin durante sessão plenária no Supremo Tribunal Federal Imagem: Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

27/11/2019 20h56Atualizada em 27/11/2019 21h04

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin afirmou que "ofende a democracia" a hipótese levantada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e pelo ministro da Economia Paulo Guedes sobre a possível edição de um novo AI-5 no país em caso de radicalização de protestos de rua.

"Sustentar, ainda que em tese, a adoção de atos de exceção de qualquer forma ou natureza não corresponde ao que a Constituição brasileira de 1988 construiu; ao contrário, ofende à democracia, aos direitos e às garantias individuais", disse o ministro.

Atos de exceção são incompatíveis com a vida democrática, com o respeito às instituições e aos Poderes da República, e representam agressão desmedida à liberdade e aos termos da Constituição

Edson Fachin, ministro do STF

A declaração foi enviada à reportagem do UOL por meio de nota divulgada pelo ministro. Fachin é o relator dos processos da Operação Lava Jato no Supremo.

Na última segunda-feira (25), Em uma entrevista coletiva, em Washington, o ministro da Economia disse que os discursos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que saiu da prisão no último dia 8, levam ao acirramento das ações do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

"É irresponsável chamar alguém para rua agora para fazer quebradeira. Para dizer que tem que tomar o poder. Se você acredita numa democracia, quem acredita numa democracia espera vencer e ser eleito. Não chama ninguém para quebrar nada na rua. Ou democracia é só quando o seu lado ganha?", questionou Guedes.

Decretado em 1968, durante a ditadura militar, o AI-5 fechou o Congresso, cassou mandatos, suspendeu o direito a habeas corpus para crimes políticos, entre outras medidas que suspenderam garantias constitucionais. O ato é considerado o início do período de maior repressão da ditadura.

Hoje Lula criticou a fala de Guedes e afirmou que a democracia não é um "pacto de submissão". O petista também negou ter incentivado protestos violentos.

A possibilidade de edição de um novo ato como o AI-5 para reprimir protestos já havia sido aventada pelo deputadoEduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente. Em 31 de outubro, ele disse que essa seria uma possibilidade "se a esquerda radicalizar".

Após a repercussão negativa de sua fala, Eduardo declarou que havia sido mal compreendido e que tinha "imunidade parlamentar" para manifestar suas opiniões.

A hipótese sobre um novo AI-5 também foi rebatida pelo presidente do STF, Dias Toffoli, que disse que a medida seria "incompatível com a democracia".

Para Fachin, cabe aos ministros do Supremo, como protetores das regras da Constituição, rejeitar qualquer tipo de "afronta à ordem jurídica".

Veja a íntegra da manifestação de Fachin:

"Vem a público outra declaração que remete a instrumentos de notório feitio autoritário.

Solicitado a me pronunciar sobre a alusão anterior, entendo que, diante da reiterada menção ao AI-5, cumpre-me o imperativo de manifestação à luz do comando normativo do art. 102 da Constituição da República, que atribui ao STF (e por isso mesmo, a todos e a cada um de seus integrantes) "a guarda da Constituição". E assim o faço, nos termos que seguem:

A Constituição da República brasileira é a antítese do autoritarismo. Abre a Constituição o artigo 1º que expressamente reconhece que a República se constitui em Estado Democrático. O Estado de Direito democrático e suas normas jurídicas inseridas na Constituição de 1988 colhem sua melhor síntese no discurso que o então Presidente da Assembleia Constituinte proferiu por ocasião da cerimônia de promulgação do texto. Disse Ulysses Guimarães: '(...) discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. (...).'

Sustentar, ainda que em tese, a adoção de atos de exceção de qualquer forma ou natureza não corresponde ao que a Constituição brasileira de 1988 construiu; ao contrário, ofende à democracia, aos direitos e às garantias individuais. Atos de exceção são incompatíveis com a vida democrática, com o respeito às instituições e aos Poderes da República, e representam agressão desmedida à liberdade e aos termos da Constituição.

Juiz constitucional integrante de tribunal guardião da Constituição rechaça e sempre repele toda e qualquer espécie (direta ou indireta) de afronta à ordem jurídica democrática.

Brasília, 27 de novembro de 2019.
Ministro Luiz Edson Fachin"