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Bolsonaro cometeu crime ao falar em "cara de homossexual"? Advogados opinam

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

20/12/2019 16h53Atualizada em 20/12/2019 17h05

Resumo da notícia

  • Incomodado com pergunta sobre Flávio Bolsonaro, seu filho, Bolsonaro disse que um jornalista tinha "cara de homossexual"
  • Para dois advogados ouvidos pelo UOL, declaração pode ser enquadrada nos crimes de injúria ou de homofobia
  • Segundo outros dois advogados, a fala não foi um crime, apesar de ofensiva e desrespeitosa
  • Repórter perguntou ao presidente o que ele faria se o filho tivesse "cometido um deslize"
  • Flávio é suspeito de lavar dinheiro num esquema de "rachadinha" de salários de assessores

Advogados criminalistas ouvidos pelo UOL nesta sexta-feira (20) tiveram opiniões divergentes sobre a existência de um eventual crime na fala do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que mais cedo hoje afirmou que um jornalista tinha "cara de homossexual". Para dois deles, a declaração de Bolsonaro pode ser vista como injúria ou homofobia; para outros dois, apesar do tom ofensivo, não houve crime.

Bolsonaro usou a expressão depois que um jornalista perguntou o que ele faria caso o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho dele, tivesse "cometido um deslize". Flávio é suspeito de desviar e lavar dinheiro da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), num esquema de "rachadinha" de salários de assessores com ajuda do ex-policial Fabrício Queiroz, amigo do presidente.

"Você tem uma cara de homossexual terrível, mas nem por isso eu te acuso de ser homossexual", respondeu o presidente.

Injúria e homofobia

Gustavo Badaró, advogado e professor de processo penal da USP (Universidade de São Paulo), disse que discorda da recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que usa as leis sobre racismo para punir atos de homofobia, mas afirmou que a declaração de Bolsonaro poderia ser enquadrada neste entendimento.

"Acusar significa imputar a alguém um fato criminoso. Portanto, ele está tratando a homossexualidade como se fosse um desvio, como se fosse algo negativo, uma condição marginal de quem tem essa orientação sexual", disse. "A partir da premissa do Supremo, acho que essa fala poderia ser enquadrada não como um crime contra a honra, mas um crime de racismo por homofobia."

Apesar de não ter dúvidas de que Bolsonaro "falou isso com tom ofensivo, até pelo que ele tem de percepção sobre o que seja a homossexualidade", Badaró disse não ver um crime contra a honra.

"Para admitir isso, você tem que considerar que chamar alguém de homossexual é um fato desabonador. Não acho que seja correto, ainda mais hoje, considerar que ser homossexual ou heterossexual é qualidade ou defeito."

Um outro advogado ouvido pela reportagem, que pediu para não ter o nome divulgado por motivos profissionais, afirmou que a frase dirigida ao jornalista pode caracterizar o crime de injúria se houver dolo (intenção) de ofender.

"Lógico que ele vai alegar que ser homossexual não tem nada de errado, que não é crime, mas é nítida a intenção de ofender a pessoa que fez a pergunta", disse.

Segundo este advogado, não há uma regra precisa na lei para a definição do dolo, o que acaba dependendo das circunstâncias. "No caso concreto, o presidente quis rebater uma pergunta incômoda com algo que, para ele, é ofensivo (ser homossexual)", disse.

O advogado explicou que, para ele, a declaração não representaria um crime de homofobia porque não houve discriminação contra uma pessoa homossexual. "Seria diferente se o jornalista fosse homossexual e sofresse algum tipo de discriminação", disse.

Desrespeito nem sempre é crime

Para o advogado Daniel Bialski, especializado em direito penal, os crimes contra a honra, como injúria e difamação, necessariamente exigem dolo e dependem do "estado de ânimo" da pessoa.

"A partir do momento em que alguém é provocado, o que a pessoa responde, ainda que seja interpretado como ofensivo, passa a ser uma coisa que é chamada de retorsão imediata. E esta retorsão imediata não tipifica crime contra a honra. Ela pode ser desagradável, desrespeitosa em termos morais, mas não criminais."

A retorsão imediata está no artigo 140 do Código Penal. O parágrafo 1º do artigo diz que o juiz pode deixar de aplicar a pena por injúria "no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria." Segundo o dicionário Michaelis, retorsão (ou retorção) é a "resposta que alguém dá aos argumentos com que outra pessoa quis rebater suas assertivas, servindo-se desses mesmos argumentos."

Para Bialski, o contexto também é importante para definir se há ou não crime contra a honra. A menção ao filho em um contexto possivelmente sem relação com a entrevista envolve a emoção do interlocutor e descaracterizaria o dolo necessário para o crime. "Se a pessoa foi emocionalmente provocada, a provocação elide [elimina] o dolo para se dizer que de fato aconteceu um crime", disse.

De acordo com o advogado Daniel Gerber, também não há crime, apesar do tom ofensivo usado pelo presidente.

"Claro que existe uma ofensa, um discurso de ódio, como se diz na doutrina [jurídica], mas para mim não existe o crime com este tipo de afirmação. Assim como, por exemplo, não existe o crime do presidente da OAB [Felipe Santa Cruz] com o ministro [da Justiça] Sergio Moro, quando disse que ele parecia um chefe de quadrilha", disse. "Muito embora se tratem de discursos contundentes, de baixo grau civilizatório, não configuram a lesão penal."