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PF conclui que palestras de Lula foram legais, mas vê propina em doação

Lula participa de ato no Rio de Janeiro e discurso no Circo Voador (18.dez.2019)  - REUTERS/Ian Cheibub
Lula participa de ato no Rio de Janeiro e discurso no Circo Voador (18.dez.2019) Imagem: REUTERS/Ian Cheibub

Aiuri Rebello e Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

26/12/2019 17h24

Resumo da notícia

  • PF investigou palestras contratadas por construtoras da Lava Jato e não encontrou indícios de crimes
  • Em doação de R$ 4 milhões da Odebrecht ao Instituto Lula, porém, a polícia viu pagamento de propina
  • Delações premiadas de Marcello Odebrecht e Antonio Palocci embasam a acusação
  • Petista e envolvidos negam qualquer irregularidade nas ações

A Polícia Federal concluiu que as palestras feitas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Brasil e no exterior entre 2011 e 2015 por meio da empresa Lils, aberta por ele para este fim depois que deixou a Presidência no final de 2010, foram legais e aconteceram de fato.

No mesmo relatório, porém, a PF indicia Lula e dirigentes do Instituto Lula, além de Marcelo Odebrecht e do ex-ministro Antonio Palocci, por doações no valor total de R$ 4 milhões feitas pela Odebrecht ao instituto —os valores foram considerados propina, de acordo com as conclusões do inquérito da PF. A defesa de Lula nega.

Em relatório de 130 páginas concluído na segunda-feira (23), o delegado Dante Pegoraro Lemos, da Força-Tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, analisou as palestras proferidas pelo petista no período citado acima —parte delas foi contratada por empreiteiras envolvidas no escândalo exposto pela operação.

A PF analisou 23 palestras concedidas pelo petista e contratadas pelas construtoras Odebrecht, Camargo Corrêa, UTC, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e OAS e pela Cervejaria Petrópolis, em um total de R$ 9.338.658,75.

A investigação comparou documentos apreendidos na sede do Instituto Lula, a relação de eventos e fotos divulgadas pela equipe de Lula sobre as palestras, a contabilidade das empresas envolvidas e os depoimentos de delações premiadas de executivos, dirigentes do instituto e pessoas ligadas ao caso de maneira geral. Apesar de não afastar a existência de crimes, as autoridades não encontraram ilegalidades.

"Enfim, a se considerar a missão específica das palestras proferidas pelo ex-presidente da República, não vislumbramos, isoladamente, a configuração de crime", afirma o delegado em seu relatório. "Ressalvamos, contudo, que apurações específicas podem vir a demonstrar que alguma palestra em si ou mesmo serviços adicionais realizados possam configurar a prática de conduta típica."

De acordo com declaração de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, presente no inquérito, o ex-presidente fez mais de 70 palestras, no Brasil e no exterior, no período de cinco anos. Lula cobrava US$ 200 mil por palestra. Ao todo, as falas renderam R$ 28 milhões à empresa do petista.

Delações embasam indiciamento

No mesmo inquérito, a PF investigou as doações de empreiteiras envolvidas na Lava Jato ao Instituto Lula, instituição sem fins lucrativos aberta pelo petista depois que deixou a Presidência, no fim de 2010.

Em um dos casos que envolve quatro doações no valor total de R$ 4 milhões feita pela Odebrecht, a PF viu indícios de propina. De acordo com a delação premiada de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora, o valor foi abatido de uma conta virtual de propinas do PT mantida junto à empresa que seria controlada através de uma planilha em conjunto com o ex-ministro petista Antonio Palocci. Em sua delação premiada, Palocci confirmou a versão e afirmou que avisou Lula do acerto.

O indiciamento, no entanto, não traz nesse caso nenhuma outra prova para apoiar a suspeita de crime além dos dois depoimentos.

Além de Lula, foram indiciados pela PF neste caso Okamotto, Palocci e Marcelo Odebrecht. Agora, o MPF (Ministério Público Federal) vai decidir se denuncia os acusados ou não, e a Justiça Federal, por sua vez, decidirá se eles se tornarão réus por corrupção e lavagem de dinheiro.

Atualmente, Lula é réu na primeira instância de Curitiba por outro caso que envolve o Instituto Lula, sob acusação de ter recebido propina da Odebrecht por meio da compra de terreno para a sede da entidade.

O novo indiciamento foi feito em um processo relacionado a esse caso da compra, que ainda aguarda decisão do juiz Luiz Antônio Bonat.

Defesa de Lula nega irregularidades

O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, afirmou que todas as doações recebidas foram legais, formais, documentadas e sem contrapartidas, sem relação com contas correntes informais.

"O indiciamento é parte do Lawfare promovido pela Lava Jato de Curitiba contra o ex-presidente Lula e não faz nenhum sentido: as doações ao Instituto Lula foram formais, de origem identificada e sem qualquer contrapartida. À época das doações Lula sequer era agente público, e o beneficiário foi o Instituto Lula, instituição que tem por objetivo a preservação de objetos que integram o patrimônio cultural brasileiro e que não se confunde com a pessoa física do ex-presidente", afirma o advogado em nota divulgada à imprensa.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Odebrecht afirma que a empresa é "comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente, tem colaborado com as autoridades de forma permanente e eficaz, em busca do pleno esclarecimento de fatos do passado."

Segundo o advogado de Paulo Okamotto, Fernando Augusto Fernandes, seu cliente "foi absolvido de acusação absolutamente semelhante e o delegado transparece que deseja recriar casos". "Do relatório fica claro que todas as palestras foram periciadas e existiram. As doações ao Instituto Lula foram pelas mesmas empresas que doaram a instituto de outros ex-presidentes."

A defesa de Marcelo Odebrecht não vai comentar o caso.