Topo

Kim nega traição do MBL e diz que Bolsonaro usa Estado para proteger filho

Guilherme Mazieiro e Danielle Brant

Do UOL e da Folha, em Brasília

05/01/2020 02h00Atualizada em 06/01/2020 18h30

Resumo da notícia

  • É absolutamente inaceitável Bolsonaro tentar hegemonia na direita, afirma deputado
  • Parlamentar do DEM diz que jamais apoiaria Rodrigo Maia para presidente da República
  • Para congressista, ninguém vai colocar dinheiro num país em que o presidente ameaça ruptura institucional

Líder do MBL (Movimento Brasil Livre) e um dos deputados mais novos da Câmara, Kim Kataguiri (DEM-SP), 23, mantém um posicionamento crítico ao governo Jair Bolsonaro (sem partido), a quem acusa de usar a estrutura do Estado para proteger o filho Flávio Bolsonaro (sem partido), investigado pelo Ministério Público.

Kataguiri, que apoiou Bolsonaro no segundo turno, nega que as críticas que faz ao presidente sejam "traição". Ele justificou que a escolha foi pelo voto útil, contra Fernando Haddad (PT).

Com o planejamento de lançar o MBL como partido para as eleições majoritárias de 2022, o parlamentar, que foi um dos nomes a puxar protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), tenta criar um discurso para seu eleitorado em que ele se afaste tanto de Bolsonaro como do centrão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Em entrevista ao UOL e à Folha, em Brasília, o deputado também condenou declarações que flertam com o AI-5 feitas por pessoas próximas do presidente.

"Ninguém vai querer ficar colocando dinheiro num país em que o presidente da República ou seus aliados ficam ameaçando ruptura institucional", disse Kataguiri.

Leia a entrevista a seguir, realizada no dia 10 de dezembro. A íntegra da conversa também está disponível em podcast e no Youtube.

UOL/Folha - O governo tem demonstrado temor de que aconteçam no Brasil protesto como os que têm ocorrido em países vizinhos. Membros do governo e Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, citaram o AI-5. Como o sr. vê essas declarações?

Kim Kataguiri - Eu vejo com extrema preocupação. Não acho que seja comum você normalizar uma coisa como o fechamento do Congresso Nacional, como censura à imprensa. Acho que deve ser repudiado, principalmente no momento que ele constrói mais de uma direita republicana, de uma direita democrática. Depois que a imagem da direita foi destruída pela ditadura.

É ruim para democracia, o debate público e a retomada do crescimento econômico. Ninguém vai querer ficar colocando dinheiro num país em que o presidente da República ou seus aliados ficam ameaçando ruptura institucional, tanto que a perspectiva de crescimento do PIB [Produtor Interno Bruto] no início do ano de 2019 era de 3% e a expectativa, agora, é de 1%.

O MBL apoiou Bolsonaro no começo de 2019 e agora é tachado de traidor por aliados do governo. Como o movimento lida com isso?

Bolsonaro não foi nosso candidato no primeiro turno. A gente decidiu apoiá-lo na última semana [das eleições] porque ficava claro que o segundo turno seria entre ele e Haddad, o que deixou bastante claro que seria o voto útil. Então, não há, em nenhum momento, traição do nosso lado.

Denunciamos no governo aquilo que foi promessa de campanha. A gente não está vendo essa agenda de privatizações. A gente não está vendo a reforma trabalhista mais profunda.

Em relação ao combate à corrupção, a gente vê o presidente da República utilizando o Estado de maneira patrimonialista, para proteger o próprio filho [Flávio Bolsonaro] de investigações

Outro ponto que, para mim, é absolutamente inaceitável é essa tentativa de ter hegemonia na direita. Qualquer um que se coloque como alternativa, qualquer um que faça qualquer crítica ao governo dentro do campo da direita é demonizado pelo Palácio do Planalto e pela rede de militância digital que o governo tem.

Ataques nas redes

O sr. tem domínio em redes sociais. Assim como o governo do presidente Bolsonaro, Carlos Bolsonaro. O que o senhor entende desses ataques? Eles são estratégicos? O governo faz isso para atacar inimigos e buscar essa hegemonia na direita?

A radicalização do governo e os ataques digitais são coordenados. Evidentemente, existe sim, uma rede, principalmente articulada por Carlos Bolsonaro [filho do presidente e vereador pelo PSC no Rio], principal responsável pelas redes sociais, inclusive do próprio presidente da República. E, além disso, há uma radicalização do discurso para continuar essa polarização com o PT, entre Bolsonaro e o PT, para no final das contas fazer com que Bolsonaro, em 2022, vá para o segundo turno.

E como se combate isso?

Não tem receita de bolo para combater isso. O MBL paga o preço por fazer um mea culpa e diminuir a polarização. Perde seguidor. Perde, alcance, engajamento, financiamento. Mas é um modo de tentar buscar o diálogo. Buscar hegemonia dentro do seu campo político é fazer o que a gente sempre criticou no petismo. Que é o [ex-presidente] Lula sufocando a Marina [Silva], o Ciro [Gomes], sufocando outras lideranças na esquerda em nome do projeto totalitário de poder. E a gente não quer a mesma coisa do nosso lado.

Como que é legislar sob esse tipo de pressão?

Mantendo uma independência. A gente mantém a nossa postura coerente. Eu acho que o congresso do Movimento Brasil Livre, em 2019, lotado como foi, mostra que existe espaço para essa direita independente, que não depende do governo, de dinheiro público, do presidente da República, que não é personalista, que tem ideias próprias.

A existência do MBL, do Partido Novo, da própria Janaína [Paschoal], que foi a parlamentar mais votada, mostra que existe espaço para direita independente.

Lula

Como foi a relação do sr. com a oposição em 2019? O ex-presidente Lula saiu da prisão, o sr. sentaria para conversar com ele?
Foi uma relação de diálogo [com a oposição], colocando sempre de maneira incisiva minhas discordâncias. Não mudei um milímetro nesse sentido. Dialogar não significa concordar, não significa deixar de criticar.
Agora, para mim, no mea culpa do MBL, o principal erro foi a gente ter misturado quem era de esquerda com quem era de esquerda e tinha cometido crime, quem era ladrão, bandido. Ter demonizado da mesma maneira foi o maior erro.

Justamente por acreditar que foi o maior erro do MBL, não vou misturar a esquerda com quem eu dialogo, que não cometeu crime, com o Lula, que é um radical, antidemocrático, que polariza o discurso prejudicando as instituições. E que é criminoso, que cometeu crime, sim.

Centrão e eleições

Seria mais natural o sr. ir para um partido mais de direita? O DEM é o partido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é o líder do centrão. Dá para ter independência?

Dá para ter. Tanto que, contra o centrão, eu fui autor da emenda na LDO que barrou o aumento do fundo eleitoral [verba pública para custear eleições] e agora o próprio centrão com o apoio do presidente Rodrigo Maia, pauta de novo aumento do Fundo Eleitoral, com o meu protesto com o meu voto contrário.

Acho que, se chegar a um ponto de ruptura de discordância, em que o partido discorda tanto da minha atuação, que fica insuportavelmente eu estar no partido, se repetiria o episódio com Arthur [do Val, o Mamãe Falei, expulso do DEM], deputado estadual crítico ao governo [João] Doria e com o vice-governador, Rodrigo Garcia. Eu não acredito que vai chegar nesse ponto.

Rodrigo Maia se fez refém pelos votos que ele tem no centrão

Hoje, o sr. apoiaria algum candidato à Presidência?

Não.

Nem do próprio Rodrigo Maia?

E jamais apoiaria Rodrigo Maia para Presidência da República. Não está de acordo com a minha visão de mundo alguém que pauta aumento de fundo eleitoral, alguém pauta mudança no uso do Fundo partidário para você utilizar a pagamento de multa. Esse alinhamento com o centrão não faria o menor sentido com a minha bandeira, não faria sentido com o que defendo. Acho que é legítimo se ele quiser disputar a Presidência da República, mas eu discordo da visão de mundo dele, assim como da de outros que não vou apoiar.

Após a entrevista, o deputado Kim Kataguiri disse à reportagem que, ao criticar o fundo eleitoral, não se referia a Rodrigo Maia, e sim ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), responsável por comandar a pauta do Congresso e a votação da Lei Orçamentária, na qual se analisa o financiamento das eleições.

Que outros erros o sr. considera que Maia tenha cometido como presidente da Câmara?

Apoiar o fundo eleitoral, o fundo partidário verba pública para manutenção de estruturas partidárias]. Em relação também ao pacote anticrime, poderia ter pautado e construído maioria antes. Poderia ser mais ousado em reformas econômicas.

Poderia ter uma agenda própria e ter conduzido com mais firmeza debaixo do braço, a reforma tributária. Assim como ele pegou a reforma Previdenciária. A gente não veio mesmo afinco do presidente da Câmara trabalhando numa pauta anticorrupção, anticrime, de segurança pública.

Apesar do discurso, de ter uma agenda social do presidente da Câmara, a gente não vê nenhum programa social estruturante.

A gente não vê, por exemplo, uma porta de saída do Bolsa Família. A Câmara, apesar do protagonismo que tem hoje, poderia ter mais se o presidente focasse mais uma agenda positiva e menos numa agenda, da qual ele se fez refém pelos votos que ele tem no centrão.

Eleição em São Paulo

O MBL não será um partido até 2020. O MBL tem candidato para a Prefeitura de São Paulo?

Queremos lançar o Arthur do Val, o Mamãe Falei, nosso deputado estadual para a Prefeitura de São Paulo. Não tem partido político ainda [o parlamentar foi expulso do DEM]. A gente conversa com diversos deles para tentar ter um ou quiçá formar uma coligação.

Qual o cenário o sr. vê?

[O prefeito] Bruno Covas (PSDB) deve sair com a maior coligação. Deve ter o ex-governador Márcio França (PSB) que saiu fortalecido das eleições e era um nome praticamente desconhecido até então. Você deve ter o Andrea Matarazzo (PSD), candidato do [Gilberto] Kassab. Também tem o Felipe Sabará, como candidato do Novo. Acho que vai ser a eleição municipal com maior impacto de rede social, mas ainda com impacto menor do que em 2018, quando tinha um sentimento de mudança muito maior na população.

E acho que parte da população votou na mudança pela mudança sem se aprofundar no que o candidato defendia.

Assista a íntegra da entrevista: