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Incompleta, Comissão de Ética da Presidência puxa freio e pune só 1 em 2019

O presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência, Paulo Henrique Lucon - Divulgação/Presidência da República
O presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência, Paulo Henrique Lucon Imagem: Divulgação/Presidência da República

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

22/01/2020 04h00Atualizada em 24/01/2020 11h55

Resumo da notícia

  • Única sanção aplicada foi uma advertência em julho contra a então presidente do Iphan, Kátia Bogéa
  • Restante de denúncias e questionamentos sobre condutas possivelmente inadequadas foi arquivado ou rejeitado
  • Presidente Bolsonaro não faz indicação de conselheiro e vaga está em aberto desde setembro
  • Denúncias contra ministros de Bolsonaro foram arquivadas

A Comissão de Ética Pública da Presidência da República arquivou ou rejeitou 71 processos em 2019. Apenas uma ação resultou em sanção ética, segundo levantamento do UOL com base em atas de reuniões do ano passado. A reportagem desconsiderou a análise de quarentenas e consultas de possíveis conflitos de interesse. A ata da reunião de dezembro ainda não foi divulgada.

A única sanção aplicada foi uma advertência em julho contra a então presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) Kátia Bogéa, exonerada em dezembro após o ex-secretário da Cultura Roberto Alvim, exonerado na semana passada, assumir o posto e promover substituições em cargos do setor. A advertência é considerada internamente como uma sanção branda.

O restante de denúncias e questionamentos sobre condutas possivelmente inadequadas no serviço público federal foi arquivado ou rejeitado. Foram arquivadas, inclusive, denúncias de que agendas de autoridades públicas não estavam sendo disponibilizadas conforme orientação da própria Comissão de Ética.

A comissão foi criada em 1999 na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) com o objetivo de apurar denúncias de condutas inadequadas e violações éticas de funcionários da administração pública e auxiliá-los previamente em casos de conflito de interesse.

Bolsonaro, Moro e Guedes - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro com os ministro Sergio Moro e Paulo Guedes
Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Sob Bolsonaro, denúncias contra ministros são arquivadas

Ao longo do ano passado, a comissão arquivou ou rejeitou todas as denúncias oferecidas contra ministros e outros integrantes do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Duas denúncias por conduta antiética contra o ministro da Justiça, Sergio Moro, foram arquivadas por falta de indícios, na avaliação do colegiado. Uma em agosto e outra em dezembro. Em junho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, teve denúncia rejeitada. Em outubro, foi a vez do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

O ex-ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez e o porta-voz da Presidência da República, Otávio do Rêgo Barros, também tiveram processos contra eles tornados inócuos em abril.

O teor de processos em andamento é sigiloso por lei. Os que se encontram com trânsito em julgado podem ser lidos em detalhes somente com pedido via Lei de Acesso à Informação.

Segundo um relato à reportagem, no início de 2019, o atual presidente da Comissão de Ética, Paulo Henrique Lucon, teria recebido recomendações de integrantes da Secretaria-Geral da Presidência quando comandada pelo general Floriano Peixoto, hoje presidente dos Correios, para evitar confrontar autoridades.

Paulo Lucon assumiu o cargo em 12 de março de 2019, tendo atuado como conselheiro da comissão desde março de 2018. O mandato como presidente da comissão é de um ano.

Procurada pelo UOL, a Secretaria-Geral da Presidência não se manifestou até a publicação deste texto.

Questionada pela reportagem, a Comissão de Ética afirmou que em 2018 e 2019 foram aplicadas sete sanções éticas. No entanto, 2018 não foi o foco abordado pelo UOL pelo fato de não ter abrangido o atual governo nem a atual composição do comitê. Ainda assim, as principais ações referentes à atuação da comissão no período do governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) estão mais abaixo no texto desde sua primeira publicação.

A comissão informou ter julgado 582 processos em 2019, sendo a maioria análises de quarentena - se uma pessoa pode se desligar do governo e já entrar no mercado de trabalho ou é impedida durante seis meses de trabalhar no setor privado continuando a receber salário - e de conflito de interesses. O comitê ainda informou ter indeferido 185 de 271 pedidos de quarentena, "o que caracteriza uma negativa de pretensões descabidas contra o Estado brasileiro".

Em relação aos julgamentos de processos, disse que todos são considerados de acordo com as provas apresentadas e as decisões são fundamentadas. De acordo com o comitê, seus membros estão "empenhados em manter a qualidade das análises e deliberações, bem como fortalecer todo o sistema de gestão da ética".

Bolsonaro não faz indicação pendente

Outro ex-conselheiro da comissão, José Saraiva, terminou o mandato em 5 de setembro de 2019 e, desde então, a vaga ocupada por ele está em aberto. A responsabilidade por indicar um substituto é do presidente Jair Bolsonaro. Como a escolha ainda não foi feita, a comissão atualmente funciona com 6 dos 7 membros.

O único conselheiro escolhido por Bolsonaro até o momento é Milton Ribeiro — pastor presbiteriano com formação em direito e educação. Ele tomou posse em 21 de maio no lugar de Luiz Navarro na comissão, cujo mandato também havia encerrado.

Questionada pelo UOL sobre a demora de o presidente indicar um substituto para Saraiva, a Presidência informou que não vai comentar o assunto.

Comissão tem poder limitado

O colegiado é vinculado à Presidência da República — localizando-se em um dos anexos do Palácio do Planalto —, mas não tem o poder de apurar a conduta do presidente da República. Também não pode punir com efeitos práticos ministros e servidores, mesmo os não concursados.

A comissão pode, no máximo, recomendar exonerações ou aplicar sanções administrativas, como censura ética. Na prática, é apenas um alerta no currículo do servidor.

Os sete conselheiros são nomeados pelo presidente da República e não recebem remuneração pelo trabalho, porque as atividades são consideradas "prestação de relevante serviço público". O mandato dos integrantes do órgão é de três anos com possibilidade de uma recondução pelo mesmo período.

Além de Paulo Henrique Lucon, compõem hoje o colegiado Erick Biill Vidigal, André Ramos Tavares, Ruy Martins Altenfelder da Silva, Gustavo do Vale Rocha e Milton Ribeiro.

Os processos na comissão podem ser abertos a pedido de um dos conselheiros, parlamentares, partidos políticos ou de servidores públicos. Pelo menos uma reunião é agendada todo mês. A primeira deste ano está marcada para 28 de janeiro.

Ministros já pediram demissão após punição

Desde que foi criada em 1999 até 2016, a comissão havia aplicado penalidades a cinco ministros, inclusive sugerindo a exoneração do ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) por denúncia de irregularidades em convênios da pasta com ONGs (Organizações Não Governamentais). Ele acabou pedindo demissão dias depois.

Carlos Lupi - Sérgio Lima/Folhapress - Sérgio Lima/Folhapress
Carlos Lupi, ex-ministro do Trabalho na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT)
Imagem: Sérgio Lima/Folhapress

No governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), entre o fim de 2016 e 2018, a comissão chegou a investigar a conduta de pelo menos 22 ministros à época. Embora nem todos tenham sido punidos, vários receberam repreensões.

O ex-ministro da Saúde Ricardo Barros (PP) foi advertido por aproveitar agendas de governo para fazer campanha eleitoral, além de promessas consideradas indevidas a prefeitos no Paraná em 2016. O ex-ministro da Indústria e Comércio Marcos Pereira (PRB) sofreu censura ética a partir de conteúdo de delações da JBS, como o empresário Joesley Batista.

O ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima (MDB) pediu demissão após ser punido com censura ética em investigação que averiguava se houve conflito de interesse em pedido feito por ele ao Ministério da Cultura para liberação de obras de um edifício em Salvador onde ele possuía imóvel.

Um de seus sucessores na Secretaria de Governo, o ex-ministro Carlos Marun (MDB) recebeu uma advertência da comissão ao declarar que governadores que quisessem empréstimos de bancos públicos deveriam ajudar a Planalto a aprovar a reforma da Previdência Social.

Todos negaram ter cometido irregularidades.