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Bolsonaro diz que fez o próprio discurso e nega ajuda do 'gabinete do ódio'

24.mar.2020 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante pronunciamento em rede nacional nesta terça-feira - Isac Nóbrega/PR
24.mar.2020 - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante pronunciamento em rede nacional nesta terça-feira Imagem: Isac Nóbrega/PR

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

25/03/2020 09h42

Um dia depois de minimizar a gravidade do coronavírus em um pronunciamento em rede nacional, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou hoje ter redigido o próprio discurso e negou participação do chamado "gabinete do ódio", grupo formado por assessores ligados a Carlos Bolsonaro, filho do mandatário e vereador pelo PSC no Rio de Janeiro.

"Eu fiz sozinho. Vocês inventaram que o gabinete do ódio fez o discurso. Eu que fiz o discurso. Eu que escrevi o discurso. Eu sou responsável pelos meus atos."

Durante o pronunciamento exibido ontem, Bolsonaro se opôs ao fechamento de escolas e do comércio, distorceu fatos acerca da pandemia do coronavírus e se manteve na contramão das orientações das principais autoridades de saúde e da OMS (Organização Mundial de Saúde). As declarações receberam uma enxurrada de críticas, como as do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e dos chefes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Questionado hoje sobre a repercussão negativa do discurso, Bolsonaro se mostrou indiferente. "Ser criticado por quem? Por quem nunca fez nada pelo Brasil? Estou muito feliz com as críticas."

O presidente também declarou que pretende alterar o tipo de quarentena que tem sido recomendada para impedir que o coronavírus se espalhe ainda mais pelo país. Segundo ele, a ideia é incentivar um "isolamento vertical", e não o "horizontal", como estaria ocorrendo.

O mandatário quer que a medida seja adotada a idosos e pessoas do grupo de risco, e que parte dessa responsabilidade cabe aos filhos. Ao mesmo tempo, na entrevista concedida na saída do Palácio do Alvorada, o presidente criticou o Congresso, voltou a atacar os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e disse que até mesmo a "normalidade democrática" estaria sob ameaça.

Bolsonaro não explicou detalhes sobre como seria o isolamento parcial, porém, na prática, isso significaria restringir a medida preventiva a idosos e pessoas de risco.

A ideia do "isolamento vertical" surgiu, de acordo com o presidente, depois que ele viu um "vídeo do Japão". "Tem o isolamento horizontal, que estão fazendo aqui, e tem o vertical. É o vertical. Peguei um vídeo agora do Japão, todo mundo na normalidade."

"Você tem que pegar o idoso e isolá-lo, com hotéis ou em casa. Pô, cada filho cuida de seu pai, do seu avô, poxa. Não quer que eu contrate uma pessoa para cuidar de cada idoso, é impossível. Eu não sei a massa de idoso que tem no Brasil, são alguns milhões", explicou.

Ele ressaltou, no entanto, que a decisão ainda não foi tomada. Disse que conversaria hoje com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para bater o martelo. "Vou conversar com ele e tomar uma decisão. Não escreva que já decidi, não. Vou conversar com o Mandetta sobre essa orientação."

"Normalidade democrática" ameaçada

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) endossou que a sua tese de que o isolamento social, medida adotada para impedir que o novo coronavírus se espalhe ainda mais pelo país, está "arrebentando com o Brasil".

Na visão do mandatário, as ações contra a pandemia nos estados e municípios levariam a um cenário de caos, onde até mesmo a "normalidade democrática" estaria sob ameaça.

"O que precisa ser feito? Botar esse povo para trabalhar. Preservar os idosos. Preservar aqueles que têm problema de saúde. Mais nada além disso. Caso contrário, o que aconteceu no Chile vai ser fichinha perto do que aconteceu no Brasil. Todos nós pagaremos um preço que levará anos para ser pago."

"Se é que o Brasil não possa ainda sair da normalidade democrática que vocês tanto defendem. Ninguém sabe o que pode acontecer no Brasil", alegou.

Para basear suas declarações, Bolsonaro lembrou a situação vivida pelo Chile em outubro do ano passado, quando uma onda de protestos no país vizinho provocou uma grave crise social.

Em um período de duas semanas, pelo menos 20 chilenos morreram em confrontos entre a população e agentes de segurança. Caminhoneiros bloquearam estradas, manifestantes tentaram invadir o Congresso, e os jornais noticiaram denúncias de tortura e atos violentos por parte da polícia.

"Se a economia colapsar, não vai ter dinheiro para pagar servidor público. O caos está aí. Na nossa cara. O caos está aí. E detalhe: se tivermos problemas, e poderemos ter dos mais variados possíveis no Brasil, como saques a supermercados, entre outras coisas, o vírus continuará entre nós também."

"Não vai embora o vírus. Vamos ficar com o caos e com o vírus juntos", afirmou Bolsonaro ao deixar na manhã de hoje o Palácio do Alvorada, residência oficial do presidente.