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Falar em 'gripezinha' isola Bolsonaro de líderes mundiais de ambos os lados

Bolsonaro faz pronunciamento sobre coronavírus - Fotos: Charly Triballeau/Reuters; ANI
Bolsonaro faz pronunciamento sobre coronavírus Imagem: Fotos: Charly Triballeau/Reuters; ANI

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

25/03/2020 18h59

Resumo da notícia

  • Mesmo governos alinhados com o presidente brasileiro adotam tom diferente sobre pandemia
  • Bolsonaro é o único chefe de estado a questionar o fechamento de escolas
  • Nem Donald Trump, principal referência internacional de Bolsonaro, está tão alinhado a seu discurso

Com expressões como "gripezinha" e "resfriadinho", o discurso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a pandemia do novo coronavírus é indicativo de seu isolamento internacional se comparado ao tom utilizado por outros chefes de estado — mesmo entre os governos com ele ideologicamente alinhados.

"Você pode pegar exemplo de líderes populistas nacionalistas no mundo. Eles têm tratado [a pandemia] com seriedade. É só ver o [Rodrigo] Duterte, das Filipinas, muito alinhado a Bolsonaro, do mesmo estilo. O país já está em quarentena há bastante tempo", avalia Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado).

Para enfrentar a pandemia, Duterte isolou a ilha de Luzon, com mais de 50 milhões de habitantes, e declarou estado de calamidade há dez dias. Como resposta econômica, anunciou um pacote fiscal de 27,1 bilhões de pesos filipinos (US$ 527 milhões) para tentar amenizar a crise.

Respostas semelhantes têm sido tomadas ao redor do mundo tanto por governos alinhados às propostas de Bolsonaro — caso de Duterte e do húngaro Viktor Orbán, por exemplo —, quanto por aqueles que se opõem a elas — como o argentino Alberto Fernández ou o francês Emmanuel Macron.

A Hungria está em estado de emergência nacional desde o dia 11 de março, com todas as universidades fechadas e restrições a voos internacionais. A Índia, com 1,3 bilhão de pessoas, também impôs quarentena de 21 dias na última terça.

"[O primeiro-ministro Narendra] Modi também tem discurso nacionalista hindu, já foi elogiado por Bolsonaro, que até o visitou. Mas ele fechou tudo, entendeu que era necessário", afirma Poggio.

Só Bolsonaro questiona fechamento de escolas

No pronunciamento, Bolsonaro também questionou o fechamento de escolas, já que o grupo de risco é de pessoas acima de 60 anos. Neste ponto, ele diverge até do Japão, que, apesar de não impor quarentena, adotou férias escolares duas semanas antes do previsto e não retomou as aulas até então.

Mesmo o nacionalista Boris Johnson, primeiro-ministro britânico que chegou a questionar o fechamento de escolas, já voltou atrás. Na última segunda (23), o Reino Unido anunciou quarentena de três semanas.

Posicionamento semelhante foi adotado pelo liberal Emmanuel Macron, que determinou quarentena sob pena de multa na França para quem saísse na rua, e pelo argentino Alberto Férnandez, de centro-esquerda, que também adotou fechamento total do país na semana passada.

"O mundo inteiro está na mesma linha: restringir interação e limitar o contato, alguns de forma muito mais drásticas e outros menos, mas todos estão adotando. Ponto. Essa é a forma de diminuir a velocidade da disseminação", afirma o infectologista Mateus Westin, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Nem Trump salva

Nem o presidente norte-americano Donald Trump, principal referência internacional de Bolsonaro, que também falou em fim do isolamento social, está tão alinhado assim ao discurso brasileiro.

Na última terça, Trump afirmou que os americanos "querem voltar ao trabalho", visto que diversos estados do país já vêm adotando política de quarentena há algumas semanas. Para Poggio, apesar da preocupação com a economia, há uma "diferença de estilo significativa" entre ele e Bolsonaro.

"Trump tem demonstrado preocupação com a economia sem, porém, dizer que é uma 'gripezinha'. Há pessoas comparando os dois, mas não é exatamente a mesma coisa. Há congruência econômica, mas a diferença se dá em como [a doença] está sendo tratada. Trump a leva com seriedade", afirma Poggio.

Para ele, não há exagero em falar em isolamento do presidente brasileiro. "É como fora [do Brasil] as pessoas têm visto. A imprensa americana tem criticado duramente esse comportamento [de Bolsonaro]", completa o professor.

Também o isola nacionalmente

O discurso também deixa o presidente em uma posição isolada dentro do seu próprio país. Dessa vez, a fala de Bolsonaro foi criticada por políticos e parlamentares de todos os espectros políticos.

A deputada Joice Hosselmann (PSL-SP), apoiadora de Bolsonaro, afirmou em seu Twitter que o presidente foi "irresponsável, inconsequente e insensível" em seu pronunciamento. "O Brasil precisa de um líder com sanidade mental", criticou.

O liberal João Amoêdo, ex-candidato à presidência pelo partido Novo, declarou que o pronunciamento de Bolsonaro é "inaceitável". "Ele deveria vir a publico amanhã, apresentar um plano, mostrar a gravidade da situação, demonstrar equilíbrio e bom senso. Ou renunciar ao cargo", declarou o empresário.

Se entre os nomes considerados aliados do governo federal o tom foi inflamado, não era de se esperar que diminuísse entre opositores e críticos. Em vídeo, o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) afirmou que o presidente "demonstra desprezo profundo pela vida das pessoas". Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) declarou que ele "entrega o povo ao caos".

O pronunciamento também foi atacado por governadores de lados opostos: do goiano Ronaldo Caiado (DEM) ao maranhense Flavio Dino (PCdoB).

"As decisões do presidente da República, no que diz respeito à saúde pública, não alcançarão Goiás!", declarou Caiado em seu Twitter. "Isso não faz parte da postura de um governante. Tem uma frase do ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama que faz muito sentido neste momento: Na política e na vida, a ignorância não é uma virtude!"

"Pronunciamento de hoje mostra que há poucas esperanças de que Bolsonaro possa exercer com responsabilidade e eficiência a Presidência da República", declarou Dino.

O tucano João Doria (PSDB) também não mediu palavras. "Presidente, no nosso Estado temos 40 mortos por COVID-19 dos 46 em todo o Brasil. São pessoas que tinham RG, CPF, e familiares que continuarão sentindo sua falta. Não são mortos de mentirinha, presidente. E essa não é apenas uma 'gripezinha'", declarou o governador paulista.