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Alvo de Bolsonaro e popular, Mandetta coloca Brasil na corrida por insumos

Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante entrevista coletiva no Planalto - UESLEI MARCELINO
Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante entrevista coletiva no Planalto Imagem: UESLEI MARCELINO

Do UOL, em São Paulo

04/04/2020 01h30

Resumo da notícia

  • Ministro nega saída e se refere a missão como médico que não abandona paciente
  • Pasta voltou a notificar dificuldade em adquirir equipamentos médicos para combater pandemia
  • Sem se referir ao país, Mandetta criticou postura agressiva dos EUA na compra de insumos
  • Ministério da Saúde tem o dobro de aprovação de Bolsonaro na pesquisa Datafolha
  • Também popular, João Doria negocia diretamente com a China compras para São Paulo

Nesta semana, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não mediu palavras para expressar publicamente sua preocupação com a iminente falta de insumos e equipamentos na rede pública de saúde para o combate da epidemia de covid-19. Ontem, em coletiva de imprensa, reafirmou que "o momento continua difícil em termos de abastecimento de sopradores" e citou o caso das 600 unidades compradas na China para o Nordeste que ficaram retidas no aeroporto de Miami (EUA).

Há cerca de 15 dias, ele já havia alertado que o sistema entraria em colapso neste mês por conta do avanço do novo coronavírus. Entre os motivos do atual desabastecimento está o fato de a China, responsável por 90% da produção mundial, ter permanecido fechada entre fevereiro e março. Mas não só: o que Mandetta não citou, ao menos não diretamente, é a forma agressiva com a qual os Estados Unidos têm agido na compra de insumos.

"Estamos vendo retenção sobre produções globais de máscaras. Quase que uma coisa assim: 'isso era global, agora é só para atender o meu país'. Nós estamos dialogando com os países no sentido de ter um mínimo de racionalidade nesse momento, para podermos achar um ponto de equilíbrio", afirmou, sem citar a nação de Donald Trump.

A situação de possível falta de equipamentos é grave, e os hospitais têm medo de um "apagão" de equipamentos em breve. Segundo o vice-presidente da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), Henrique Neves, "vários hospitais já receberam comunicações de seus fornecedores chineses de que seus pedidos, se não foram cancelados, foram postergados".

A orientação do ministro é que as pessoas se mantenham em isolamento, a exemplo do que tem dito incessantemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) e os principais especialistas do mundo na área. O problema de Mandetta é que a recomendação encontra fortíssima resistência em seu superior, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Todos os dias, ele dá declarações públicas minimizando a epidemia, muitas vezes à custa de dados científicos e dos fatos. Pela segunda vez só nesta semana, Bolsonaro se valeu de fatos mentirosos: um dia depois de publicar um vídeo falso sobre desabastecimento de comida em Minas Gerais, usou dados equivocados para criticar o isolamento social. Inspirado em uma fake news que circulou nas redes, ele citou um hospital no Rio de Janeiro que estaria com muitos leitos disponíveis, mas foi desmentido pela secretaria municipal de Saúde do Rio.

Bolsonaro em baixa, Mandetta em alta

Mais da metade (51%) dos brasileiros concordam que, no combate ao novo coronavírus, Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda, segundo o Datafolha. Contrariado e cada vez mais isolado, ele reage atacando justamente o ministro que é visto pela população como o principal nome na condução da crise.

A pasta de Mandetta tem 76% de apoio popular, também segundo o Datafolha. Quase o dobro da aprovação de Bolsonaro, que, com 39%, é alvo de panelaços quase diários nas principais cidades do país. Nessa disputa, o presidente também não tem o apoio de generais e dos presidentes da Câmara (Rodrigo Maia) e do Senado (Davi Alcolumbre).

Com a popularidade em alta e elogiado até pela oposição, Mandetta tem evitado responder aos ataques que vêm do chefe. Ontem, disse que não é "dono da verdade" e rechaçou a possibilidade de deixar o cargo, comparando sua missão à de um médico que não abandona o paciente.

"Da minha parte é tranquilo. Eu não sou o dono da verdade, estou simplesmente vendo um paciente e dizendo que esse é o melhor caminho. Mas é normal também o médico falar que o caso é de cirurgia, e o paciente querer ouvir uma segunda opinião", afirmou, antes de orientar que as pessoas "atendam as recomendações dos governadores".

Com a frase, pode ter se envolvido em outra disputa com Bolsonaro, que tem relação de antagonismo crescente com os comandantes dos estados — em especial, João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ). Sobre o primeiro, a pesquisa Datafolha revelou que 57% dos entrevistados acham que o governador paulista está correto ao dizer para que a população não escute o presidente.

Na tentativa de contornar os embates com o governo federal e devido aos problemas de suprimentos, o estado mais rico e detentor do maior número de casos no país está negociando diretamente com a China a compra de kits para testagens, equipamentos de proteção individual (EPIs) e respiradores.