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Moro sai e acusa Bolsonaro de interferência política e ignorar carta branca

Guilherme Mazieiro

Do UOL, em Brasília

24/04/2020 11h43Atualizada em 24/04/2020 16h21

O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, declarou hoje que deixa o cargo após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ter exonerado o diretor-geral da PF (Polícia Federal) Maurício Leite Valeixo. O anúncio foi feito no final da manhã na sede da pasta, em Brasília.

Moro saiu atirando contra Bolsonaro. O ex-juiz declarou que o mandatário trocou o comando da PF para ter acesso a investigações e relatórios da entidade, o que é proibido pela legislação.

Em um pronunciamento forte (leia a íntegra), Moro procurou se distanciar de Bolsonaro e marcar posição. Disse que a mudança como foi feita é uma interferência política do presidente na PF e que o mandatário teme inquéritos que estão sendo avaliados pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

O ex-juiz federal era o principal nome do governo Bolsonaro. Tinha popularidade, segundo o Datafolha, mais alta que a do presidente. As taxas giram acima dos 50% de aprovação, enquanto a do presidente patina abaixo dos 40%.

A saída de Moro já provoca rachas em bancadas fiéis ao bolsonarismo, como a da segurança pública (também conhecida como "da bala"). As acusações feitas pelo ministro podem encaminhar processos no Congresso e no STF —como as sobre interferência política na PF e uma possível falsidade ideológica por constar o nome do ex-ministro na exoneração de Valeixo, que Moro nega ter assinado.


Leia os principais momentos do pronunciamento do Moro:

Falta de explicação para saída de Valeixo

Ontem, conversei com o presidente e houve essa insistência [sobre a troca no comando da PF]. Falei que seria uma interferência política e ele disse que seria mesmo"

Moro citou diálogo com o presidente Jair Bolsonaro que precedeu a exoneração:

"Presidente, eu não tenho nenhum problema em troca do diretor, mas eu preciso de uma causa, um erro grave"

Interferência política

O presidente me disse mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse colher relatórios de inteligência, seja diretor, seja superintendente. E realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação"

Moro comparou a atitude de Bolsonaro com a de governos petistas, como de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Roussef:

Imaginem se durante a própria Lava Jato, ministro, diretor-geral, presidente, a então presidente Dilma, o ex-presidente, ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento?"

Foi garantida a autonomia da Polícia Federal durante esses trabalhos de investigação. É certo que o governo na época [do PT] tinha inúmeros defeitos, aqueles crimes gigantescos de corrupção"

Sem assinar, nome de Moro apareceu em exoneração

Eu não assinei esse decreto e em nenhum momento o diretor da PF apresentou um pedido oficial de exoneração"

Segundo Moro, foi Bolsonaro quem demitiu Valeixo. O mesmo já havia acontecido com o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, que foi demitido, mas Bolsonaro anunciou como uma exoneração de comum acordo.

Carta branca não cumprida

Foi me prometido na ocasião [do convite para o ministério] carta branca para nomear todos os assessores, inclusive nos órgãos judiciais, como a Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal"

Na época do convite, Bolsonaro disse ter concordado 100% com os pedidos de Moro. "Concordei com 100% do que ele propôs. Ele queria uma liberdade total para combater a corrupção e o crime organizado, e um ministério com poderes para tal", disse o presidente na ocasião.

Não tenho como persistir com o compromisso que assumi, sem que tenha condições de trabalho, sem que tenha condições de preservar a autonomia da Polícia Federal para realizar seus trabalhos ou sendo forçado a realizar uma concordância com a interferência política na PF cujos resultados são imprevisíveis"

Para o agora ex-ministro, ao trocar o comando da PF contra a sua vontade e sem um motivo justificável, o presidente forçou sua saída.

Bolsonaro me quer fora do governo"

Preservar biografia de combate à corrupção

Tenho que preservar minha biografia, mas acima de tudo tenho que preservar o compromisso com o presidente de que seríamos firmes no combate à corrupção, a autonomia da PF contra interferências políticas"

Bolsonaro com medo do STF

A saída ocorre em meio a investigações contra filhos de Bolsonaro, incluindo o inquérito das fake news no STF.

O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal e que a troca também seria oportuna, na Polícia Federal, por esse motivo. Também não é uma razão que justifique a substituição. Isso é algo que gera uma grande preocupação"

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.