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Alexandre de Moraes suspende nomeação de Ramagem como diretor-geral da PF

Nathan Lopes e Felipe Amorim

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

29/04/2020 10h20Atualizada em 29/04/2020 15h00

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes suspendeu hoje a nomeação de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal. Ramagem foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para assumir o cargo.

A decisão de Bolsonaro de mudar o comando da PF, na semana passada, culminou com o pedido de demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Ao deixar o governo, Moro disse que o presidente queria interferir na Polícia Federal. Em sua decisão, Moraes diz que a PF não é "órgão de inteligência da Presidência da República".

Ao justificar a decisão de barrar a posse de Ramagem, ele lembra que há um inquérito em curso para investigar as acusações de Moro contra Bolsonaro. Moraes chega a mencionar a possível "irreparabilidade do dano" caso Ramagem assume a PF neste momento, durante a apuração dos fatos relatados pelo ex-ministro.

Moraes também lembra que Bolsonaro confirmou a fala de Moro sobre interferência na PF. "Essas alegações foram confirmadas, no mesmo dia [24 de abril], pelo próprio presidente da República, também em entrevista coletiva, ao afirmar que, por não possuir informações da Polícia Federal, precisaria 'todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas vinte e quatro horas'."

Aviso por WhatsApp

A posse de Ramagem estava marcada para a tarde de hoje. Em razão da urgência de sua decisão, Moraes pediu que a AGU (Advocacia Geral da União) fosse avisada "inclusive por WhatsApp". O ministro ainda pede que a PGR (Procuradoria Geral da República) manifeste-se sobre o tema. Na tarde de hoje, a AGU decidiu não recorrer da decisão de Moraes.

O ministro do STF atendeu a um pedido do PDT, que havia entrado com uma ação na Corte alegando que Bolsonaro incorreu em abuso de poder por desvio de finalidade ao indicar o delegado para a função com a intenção de "imiscuir-se na atuação da Polícia Federal".

Sem "poder ilimitado"

Para Moraes, "apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público".

O ministro diz que "o chefe do Poder Executivo deve respeito às hipóteses legais e moralmente admissíveis". "Pois, por óbvio, em um sistema republicano não existe poder absoluto ou ilimitado, porque seria a negativa do próprio Estado de Direito."

Moraes salienta que não cabe ao Poder Judiciário "moldar subjetivamente a Administração Pública". Mas ele lembra que "a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante às nomeações para cargos públicos".

Na avaliação do ministro, o STF "tem o dever de analisar se determinada nomeação, no exercício do poder discricionário do Presidente da República, está vinculada ao império constitucional".

Exemplo de Gilmar contra Lula

A posição do ministro do STF usou como uma de suas bases a decisão de seu colega de Corte, Gilmar Mendes, em março de 2016.

Naquele ano, Mendes barrou a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como ministro-chefe da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff (PT), que enfrentava seu processo de impeachment.

Povo e poder

Em seu despacho, Moraes também fez uma inferência a uma frase usada por Bolsonaro no protesto de 19 de abril em que manifestantes defenderam mecanismos da ditadura. Na ocasião, o presidente disse "agora é o povo no poder".

"A meu ver, se todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, (...), a razão de existência dos partidos políticos é a própria subsistência do Estado Democrático de Direito e da preservação dos direitos e garantias fundamentais", escreveu Moraes, citando artigo da Constituição que "consagra o pluralismo político como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil".

Novo comandante da PF é amigo de Carlos Bolsonaro

Novo diretor-geral da PF, Ramagem era diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Ramagem foi chefe da segurança de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 após o então candidato ter sofrido um atentado.

Ele se tornou uma pessoa próxima da família do presidente, especialmente do vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos). Ramagem foi fotografado em comemoração do Réveillon deste ano ao lado do vereador. Carlos, filho do presidente, é investigado pela PF por esquemas criminosos de espalhar fake news.

Irritado com os questionamentos sobre a proximidade de Ramagem com seu filho, Bolsonaro chegou a responder uma seguidora nas redes sociais que o questionou sobre o tema: "E daí? Antes de conhecer meus filhos eu conheci o Ramagem. Por isso, deve ser vetado? Devo escolher alguém amigo de quem?".

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.