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Se aderir de vez a Bolsonaro, centrão tem força para segurar impeachment

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Palácio do Planalto, sede do Executivo, em Brasília - Reuters
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Palácio do Planalto, sede do Executivo, em Brasília Imagem: Reuters

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

07/05/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Bolsonaro se elegeu com discurso contrário ao toma lá dá cá, mas agora busca apoio de partidos no Congresso
  • Para barrar pedido de impeachment, presidente precisa ter no mínimo 172 votos na Câmara e 54 votos no Senado
  • Estimativa é que as legendas que compõem o chamado centrão consigam agregar cerca de 220 dos 513 deputados
  • Para cientistas políticos, falta coesão ao bloco político para o qual corre Bolsonaro, mas sobra apetite por cargos-chave
  • Sem orientação ideológica clara e alvos de investigações, parlamentares do centrão também procuram se blindar

Se aderir de vez ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o centrão tem força para segurar um impeachment no Congresso Nacional, segundo cientistas políticos ouvidos pelo UOL e levantamento com base na composição partidária do Parlamento.

Bolsonaro se elegeu com discurso de que não praticaria o toma lá dá cá — ou seja, de que não aceitaria indicação política para cargos nos primeiros escalões do governo em troca de apoio no Congresso. Porém, nas últimas semanas, o presidente tem se aproximado do centrão, bloco informal de partidos sem orientação ideológica clara, na tentativa de formar uma base aliada — o que nunca conseguiu em quase um ano e meio de mandato.

Legendas como Republicanos, PL, Progressistas, PSD, Solidariedade e PTB, por exemplo, estreitaram as conversas com o Palácio do Planalto. Juntas, as seis siglas têm bancada de 173 deputados federais e 34 senadores.

Para barrar um impeachment na Câmara, por onde o pedido passa primeiro e pode já ser arquivado, o presidente precisa ter 172 votos contrários ao processo. No Senado, para segurar o pedido, são necessários 54 votos contrários.

Até o momento, a Câmara dos Deputados recebeu 33 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, dos quais 30 estão "em análise". Os principais motivos alegados são crime de responsabilidade e falta de decoro no cargo, inclusive por meio das redes sociais, terreno da base bolsonarista.

Ontem, Fernando Marcondes de Araújo Leão foi nomeado diretor-geral do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) numa articulação do centrão. Na mira do grupo estão diretorias de bancos públicos e de estatais, secretarias de ministérios, fundações e outras estruturas estratégicas.

Bolsonaro também convidou lideranças do MDB e do DEM para audiências no Planalto, embora rechacem a ideia de integrarem o bloco e tenham mais divergências internas quanto a apoiar o mandatário. Mesmo assim, o DEM conta com dois ministros na Esplanada enquanto o MDB tem dois senadores como líderes do governo.

Partidos menores como Pros e Avante estão ainda no radar do Planalto e é preciso levar em consideração o apoio de parlamentares em outros partidos, como PSC, Patriota e Podemos. A estimativa é que o centrão consiga agregar cerca de 220 dos 513 deputados federais.

À reportagem um deputado do centrão alertou que o presidente da República precisa manter três pilares para não sofrer impeachment: ir bem na economia, ter o apoio das ruas e manter diálogo com o Congresso. "Foi o que a Dilma [Rousseff, ex-presidente pelo PT] perdeu aos poucos", disse.

Interesse em reeleição e blindagem

O cientista político da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Sérgio Praça afirma que o perfil geral do centrão é de políticos que querem postos-chave com recursos maleáveis a serem aplicados nas bases eleitorais e, dessa forma, conseguir aumentar as chances de reeleição.

Não vejo coesão em temas culturais, de costume. Todos têm sede de poder: Bolsonaro, PT, PSDB. O que diferencia o centrão é que [os partidos] formam um grupo não muito coeso, mas que efetivamente consegue negociar cargos
Sérgio Praça, cientista político da FGV

Assim como Praça, o professor do Instituto de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília) David Fleischer acredita que o centrão tem condições de impedir um eventual impeachment de Bolsonaro com a condição de que haja uma distribuição densa de cargos na administração pública e blindagens.

Bolsonaro com o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), em encontro no Planalto no final de abril - Reprodução - Reprodução
Bolsonaro com o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), em encontro no Planalto no final de abril
Imagem: Reprodução

Ele lembra que muitos integrantes do centrão têm problemas com a Justiça, como os líderes do PP, deputado Arthur Lira (AL) e senador Ciro Nogueira (PI), implicados na Lava Jato.

Outros saíram do Parlamento, mas continuam influenciando as decisões políticas, como o líder informal do PL, ex-deputado Valdemar Costa Neto, e o presidente nacional do PTB, ex-deputado Roberto Jefferson. Ambos foram condenados e presos no escândalo do mensalão.

O centrão está muito interessado em evitar investigações em cima de alguns de seus membros. Querem saber de toma lá dá cá. Vão apoiar [Bolsonaro], mas tem de ter contrapartida
David Fleischer, cientista político da UnB

Fleischer considera que, mesmo que a Câmara inicie a análise de um processo de impeachment de Bolsonaro, o inquérito aberto pelo STF (Supremo Tribunal Federal) pode ter consequências mais imediatas.

'Desafeto' Maia pede calma

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), hoje considerado um desafeto por Bolsonaro, é o responsável por dar andamento ou não aos pedidos de impeachment - Cleia Viana/Câmara dos Deputados - Cleia Viana/Câmara dos Deputados
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), hoje considerado um desafeto por Bolsonaro, é o responsável por dar andamento ou não aos pedidos de impeachment
Imagem: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

A denúncia mais recente foi protocolada na Câmara em 29 de abril por parlamentares da oposição. O grupo afirma que Bolsonaro cometeu tentativa de interferência indevida na Polícia Federal e obstrução de Justiça, entre outros crimes. A justificativa tem como referência falas do ex-ministro da Justiça Sergio Moro ao pedir demissão.

Se alguma for aceita pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), passa a tramitar no Congresso. Se aprovada pela Câmara e pelo Senado, culmina na destituição de Bolsonaro.

Maia nunca teve um bom relacionamento com o presidente por considerar suas falas estouradas prejudiciais à estabilidade democrática e acreditar que ele é conivente com ataques em redes sociais.

Ele é considerado hoje um desafeto por Bolsonaro e, por isso, tem mantido contato com o Planalto por meio dos ministros generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil), além do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

No entanto, quando questionado sobre os pedidos de impeachment em sua mesa, costuma afirmar que o papel do Congresso é de ter paciência e não criar mais crises, especialmente em meio à pandemia do coronavírus.

Um fator que dificulta a abertura de um impeachment é o trabalho remoto do Congresso enquanto durar a crise de saúde. O rito de um impeachment exige comissões especiais, nas quais os debates de temas delicados se tornam inviáveis por meio do sistema virtual aplicado atualmente ao plenário, na avaliação de parlamentares ouvidos pela reportagem. A maioria das comissões está suspensa.

Fora os pedidos de impeachment, o Congresso tem sete pedidos de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) formulados para apurar possíveis crimes cometidos por Bolsonaro. Nenhum conta ainda com as assinaturas necessárias para tramitar, pois o centrão tem ajudado a barrá-las, apurou o UOL.

Para serem criadas, as CPIs precisam ter o apoio de pelo menos um terço das Casas, 171 deputados ou 27 senadores.

Temer 'político profissional' e Bolsonaro 'instável'

O antecessor de Bolsonaro na Presidência, Michel Temer (MDB), conseguiu barrar duas denúncias da PGR (Procuradoria-Geral da República) no Congresso também por meio de negociações com o centrão. Uma terceira denúncia foi apresentada, mas não chegou a ser apreciada por falta de tempo hábil antes do encerramento do mandato.

Antecessor de Bolsonaro no Planalto, Michel Temer (MDB) momentos antes de passar a faixa presidencial em 1º de janeiro de 2019 - Ueslei Marcelino/Reuters - Ueslei Marcelino/Reuters
Antecessor de Bolsonaro no Planalto, Michel Temer (MDB) momentos antes de passar a faixa presidencial em 1º de janeiro de 2019
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

David Fleischer afirma que o centrão hoje é menor do que na época de Temer, mas, de todo modo, o ex-presidente é muito mais experiente em manejar bancadas.

"Michel Temer era o que você pode chamar de político profissional. Já tinha sido presidente da Câmara e deputado federal várias vezes. E não era dado a rompantes, como o Bolsonaro, não precisava da claque. Isso beneficiava ele", falou.

Sérgio Praça avalia que o atual sistema político brasileiro conta com partidos cada vez mais fragmentados, cargos em menor quantidade e vigilância maior perante nomeações. Quanto a Temer, diz que a única similaridade dele com Bolsonaro é que foram deputados.

"De resto, tudo é diferente. Temer foi um deputado com muito poder e prestígio. Bolsonaro tinha uma base eleitoral fiel, que o elegia constantemente, elegeu os filhos, mas nunca foi deputado com experiência em negociações e poder dentro da Câmara", disse.

O cientista político reforça que Temer se posicionou como negociador confiável que cumpria as promessas, ao contrário de Bolsonaro, em sua visão.

"Mesmo que prometa agora e chegue a nomear, é uma Presidência tão instável que nada impede de demitir na semana seguinte. Os aliados sabem disso, então o preço é mais caro", afirmou.