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Alvo de CPI, site de fake news com 903 anunciantes perde apoio com campanha

21.ma.2020 - Site de fake news que apoia governo Bolsonaro perdeu anunciantes após campanha online - Reprodução
21.ma.2020 - Site de fake news que apoia governo Bolsonaro perdeu anunciantes após campanha online Imagem: Reprodução

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

21/05/2020 19h37

Em atividade há três dias no Twitter e com quase 140 mil seguidores, a conta "Sleeping Giants Brasil" conseguiu retirar dezenas de grandes anunciantes de um site alvo de processos judiciais por publicação de notícias falsas e da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) criada no Congresso para investigar o assunto.

O "Jornal da Cidade Online", alvo da campanha na rede social, contou com 903 anunciantes em pouco mais de um ano por meio da plataforma de mídia programática do Google, revela relatório publicitário obtido pelo UOL.

O serviço de mídia programática proporciona aos anunciantes a compra de espaços publicitários de acordo com dados de públicos-alvo. As páginas e sites que recebem os anúncios automáticos são pagos por visualizações e cliques na propaganda exibida.

O serviço é oferecido por plataformas como Facebook e Google, dono do Adsense. Com a ajuda de filtros de público-alvo, as empresas ou suas agências podem evitar que seus anúncios sejam veiculados em determinadas páginas, entre outras restrições.

Estas empresas fizeram juntas 1.987 anúncios diferentes no site no mesmo período. O maior anunciante foi o Banco do Brasil, com 28 peças publicitárias diferentes veiculadas na página.

O banco público está entre as empresas que anunciaram a retirada de anúncios da página, mas houve reação no governo federal e na família do presidente Jair Bolsonaro (leia mais abaixo).

Os anúncios de cancelamento da publicidade digital aconteceram após uma campanha feita pela nova conta no Twitter contra o site viralizar e ganhar o apoio de famosos, como o apresentador Luciano Huck e o youtuber Felipe Neto. Além do site, as empresas retiram sua publicidade do canal mantido pelo Jornal da Cidade no YouTube e outras plataformas.

Antes de ser alvo da campanha online, um requerimento assinado pelo senador Jean Paulo Prates e pela deputada federal Natália Bonavides, ambos do PT-RN, já pedia que o Google seja obrigado a fornecer todos os dados como valores, anunciantes e outros detalhes da operação de publicidade do site. O pedido ainda não foi votado na CPMI.

O "Jornal da Cidade Online" já foi condenado e é alvo de ações na Justiça por publicação de notícias falsas ou distorcidas e ataques a pessoas (leia mais abaixo). Procurados pela reportagem, por meio de e-mail, os responsáveis pelo site não responderam até a publicação desta reportagem.

Movimento nasceu nos EUA

O movimento "Sleeping Giants" nasceu nos EUA em 2016, criado por um publicitário chamado Matt Rivitz. De acordo com declarações na imprensa norte-americana, ele não se conforma com o fato de que, com as plataformas automatizadas de anúncio, muitas vezes os anunciantes não sabiam que estavam financiando estes conteúdos.

Seu nome tornou-se conhecido apenas após ser exposto por um dos sites dos quais conseguiu minar a renda publicitária.

O movimento no Brasil, criado por pessoas anônimas até o momento, conta com o aval da "matriz" note-americana, conforme mostra a postagem abaixo, feita pela conta verificada do "Sleeping Giants" dos EUA.

"Visamos impedir que sites preconceituosos ou de fake news monetizem através da publicidade", diz a descrição da conta no Twitter. "Muitas empresas não sabem que isso acontece, é hora de informá-las."

Apesar disso, não explicou se vai focar sua campanha apenas em sites de fake news de direita e extrema-direita ou vai estender a iniciativa para endereços que adotam a mesma prática, só que em oposição ao governo Bolsonaro, como já cobram algum apoiadores dele na internet.

"O movimento vai sempre manter o foco em um site por tempo determinado, até realmente desmonetiza-lo - pois de início ao retirar um anúncio o adsense apenas vai substituí-lo por outro", diz em uma postagem, sobre a iniciativa de até agora concentrar a campanha no "Jornal da Cidade Online".

CPMI das Fake News investiga site

O site escolhido pelo "Sleeping Giants Brasil" para ser alvo da campanha já estava na mira da CPMI das Fake News do Congresso desde pelo menos o início do ano.

Integrantes que participam das investigações da comissão acreditam que o "Jornal da Cidade Online" e seu dono, o jornalista e advogado José Pinheiro Tolentino Filho, fazem parte de uma espécie de milícia digital montada para apoiar o presidente e seu governo e espalhar fake news e ataques a adversários.

"Como resultado do processo investigativo, verificamos indícios da prática de condutas ilegais do sr. José Pinheiro Tolentino Filho por meio de seu projeto de comunicação Jornal da Cidade Online. Razão pela qual se faz necessário o aprofundamento das investigações sobre a prática desse agende, bem como identificação de possíveis cumplices e coautores de atos ora investigados", afirma o requerimento apresentado na CPMI que ainda não foi aprovado.

"Testemunhas e colaboradores que prestaram depoimento na CPMI citaram o Jornal da Cidade Online como autor das práticas aqui investigadas", afirma o documento.

Condenações e processos

Na Justiça, o Jornal da Cidade Online e seu dono são alvo de processos e condenações pela publicação de notícias distorcidas e falsas, com ataques a desembargadores do Rio de Janeiro, em 2018.

Dois magistrados processaram o site, e as indenizações por danos morais foram fixadas em R$ 150 mil e R$ 120 mil.

Mais recentemente, no início de maio, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, ganhou uma ação por danos morais contra o site com indenização no valor de outros R$ 150 mil, também por conta da publicação de uma notícia falsa.

Bolsonaristas reagem

Nas redes sociais, apoiadores do presidente Bolsonaro reagiram à campanha contra o "Jornal da Cidade Online", e chegaram a incluir uma hashtag contra uma das primeiras marcas que deixou de apoiar o site, a Dell, nos principais tópicos do Twitter na quarta-feira (20).

O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) reclamou da iniciativa nas suas redes sociais.

Em resposta a uma reclamação de um blogueiro bolsonarista sobre o cancelamento do patrocínio do Banco do Brasil ao site, também nas redes sociais, o secretário de Comunicação da Presidência da República, Fábio Wajngarten, afirmou que estudava um jeito de contornar o cancelamento da verba publicitária do Bando do Brasil injetada no site.

Questionado pelo UOL, por meio da assessoria de imprensa, o Planalto não explicou o que o secretário iria fazer sobre o assunto.

"O Jornal da Cidade Online faz um trabalho seríssimo. As máscaras estão caindo. A censura ideológica usa vários disfarces, e os mais comuns hoje são as agências de checagem e o jornalismo dito progressista", afirmou.

Sangria não para

Ao longo desta quinta, diversos anunciantes publicaram em suas redes sociais que retiraram seus anúncios da programação do site. A reportagem contou pelo menos 20 grandes marcas, conhecidas do grande público que anunciaram o cancelamento do patrocínio.

Todas as marcas e empresas citadas foram procuradas pela reportagem.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Dell afirma que "reforça que não tem qualquer orientação ideológica e/ou partidária. Prezamos pela pluralidade de ideias, pela diversidade e pela liberdade de imprensa."

"Utilizamos tecnologias de segmentação e veiculamos campanhas por intermédio da compra indireta do inventário de mídia de grandes parceiros de tecnologia", afirma o Telecine, também por meio de nota da assessoria de imprensa. "As restrições que incluímos diminuem drasticamente a probabilidade de termos nossas ações veiculadas em sites voltados a disseminação de fake news, difamação e linguagem grosseira, conteúdos sensacionalistas e chocantes, propagação de mensagens de ódio. Paralelamente, nossos times estão sempre atentos para atuar de forma imediata, caso seja identificada a veiculação em canais pontuais em desacordo com as nossas diretrizes."

O History Channel, por sua vez, confirma a retirada dos anúncios da página para não ter sua marca vinculada ao veículo em questão.