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Celso de Mello tira sigilo de reunião em inquérito que investiga Bolsonaro

Do UOL, em São Paulo

22/05/2020 17h02Atualizada em 22/05/2020 22h56

O ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu hoje derrubar o sigilo da reunião ministerial do dia 22 de abril em que, segundo o ex-ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ameaçou interferir na Polícia Federal.

No despacho publicado no final desta tarde, o decano do STF determinou que seja liberada a maior parte da reunião, exceto trechos que tratam de outros dois países e não estão relacionados ao inquérito que investiga se Bolsonaro efetivamente atuou politicamente na PF.

"Determino o levantamento da nota de sigilo imposta em despacho por mim proferido no dia 08/05/2020 (Petição nº 29.860/2020), liberando integralmente, em consequência, tanto o conteúdo do vídeo da reunião ministerial de 22/04/2020, no Palácio do Planalto, quanto o teor da degravação referente a mencionado encontro de Ministros de Estado e de outras autoridades. Assinalo que o sigilo que anteriormente decretei somente subsistirá quanto às poucas passagens do vídeo e da respectiva degravação nas quais há referência a determinados Estados estrangeiros", diz o despacho do ministro.

A reunião ministerial de 22 de abril está no centro de um inquérito aberto no STF, a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), para apurar as declarações de Sergio Moro no dia em que pediu demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O ex-ministro denunciou uma suposta interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal com a exoneração do então diretor-geral Maurício Valeixo.

O vídeo é considerado como uma das principais provas para sustentar a acusação feita por Moro de que o presidente tentou interferir no comando da PF e na superintendência do órgão no Rio, fatos esses investigados no inquérito relatado pelo decano do STF.

A seguir trechos da gravação da reunião:

"Não vou esperar f... minha família"

"Eu vou interferir em todos os ministérios. Sem exceção. Eu não posso ser surpreendido com as notícias", diz Bolsonaro em certo momento da reunião.

A frase já havia sido confirmada pela própria AGU (Advocacia-Geral da União). Em outro trecho, o presidente fala sobre a dificuldade de trocar "gente da segurança nossa", sem citar a Polícia Federal, mas referindo-se a um funcionário "da estrutura" do Governo Federal.

É putaria o tempo todo para me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa, oficialmente, e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigos meus, porque não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha — que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode o chefe dele? Troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira

"Povo armado"

O presidente defende armar a população e afirmou que a população, quando armada, "jamais será escravizada".

Olha como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Por isso eu quero que o povo se arme, a garantia de que não vai aparecer um filho da p... e impor uma ditadura aqui. A bosta de um decreto, algema e bota todo mundo dentro de casa. Se ele estivesse armado, ia para rua. Se eu fosse ditador, eu armava como fizeram todos no passado. Um puta de um recado para esses bostas: estou armando o povo porque não quero uma ditadura, não da para segurar mais. Quem não aceita

"Vagabundos na cadeia"

Em outro trecho o ministro da Educação, Abraham Weintraub, diz que, por ele, colocaria "vagabundos" na cadeia e diz que começaria pelo STF.

A gente tá perdendo a luta pela liberdade. É isso que o povo tá gritando. Não tá gritando para ter mais Estado, pra ter mais projetos, pra ter mais... O povo tá gritando por liberdade, ponto. Eu acho que é isso que a gente tá perdendo. Eu acho que é isso que a gente tá perdendo, tá perdendo mesmo. O povo tá querendo ver o que me trouxe até aqui. Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF. E é isso que me choca

O ministro afirmou ainda que Brasília, capital do país, é um "cancro de corrupção e privilégio".

"Eu não quero ser escravo nesse país. E acabar com essa porcaria que é Brasília. Isso daqui é um cancro de corrupção, de privilégio. Eu não quero ser escravo de Brasília. Eu tinha uma visão negativa de Brasília e vi que muito pior do que eu imaginava."

Bolsonaro xinga Doria e Witzel

Jair Bolsonaro se referiu aos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), como "bosta" e "estrume", respectivamente, durante a reunião ministerial do dia 22 de abril. Os xingamentos apareceram no vídeo.

O que os caras querem é a nossa hemorroida! É a nossa liberdade! Isso é uma verdade. O que esses caras fizeram com o vírus, esse bosta desse governador de São Paulo, esse estrume do Rio de Janeiro, entre outros, é exatamente isso

"Aproveitaram o vírus, tá um bosta de um prefeito lá de Manaus agora, abrindo covas coletivas. Um bosta. Que quem não conhece a história dele, procura conhecer, que eu conheci dentro da Câmara, com ele do meu lado! Né?", disse Bolsonaro, que também ofendeu o prefeito da capital do Amazonas, Arthur Virgílio Neto (PSDB)."

"Posso sofrer impeachment"

Na reunião, Bolsonaro afirmou que, se for flagrado em atos de corrupção, "pode sofrer impeachment, sem problema nenhum".

Se eu errar, achar dinheiro na Suiça, dinheiro de empreiteira, porrada sem problema nenhum, vai para o impeachment, vai embora. Agora, com frescura, com babaquice, não

Bolsonaro afirmou ainda que os ministros precisam tratar "da questão política", e não apenas cuidar de assuntos de seus respectivos ministérios.

"Não é apenas cuidar do seu ministério. É tratar da questão política. A luta pelo poder continua a todo vapor. Levantar aquela bandeira do povo não custa nada. Hoje eu vi o [ex-senador] Magno Malta me defendendo. Lá atrás, Magno Malta foi contatado para ser vice. Não deu certo. Tudo bem. Agora, ele nunca me deu uma alfinetada. Está sempre me defendendo. Não quero que os ministros entrem no covil dos leões."

"Vamos ganhar dinheiro"

O ministro Paulo Guedes (Economia) defendeu o uso de recursos públicos para salvar grandes companhias e justificou que "vamos ganhar dinheiro" com a decisão.

Nós vamos botar dinheiro, e .... vai dar certo e nós vamos ganhar dinheiro. Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas

"Boiada no meio ambiente"

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendeu reformas ambientais "infralegais" enquanto a imprensa se dedica à cobertura da pandemia do novo coronavírus e dos impactos na economia.

"Nós temos a possibilidade nesse momento que a atenção da imprensa está voltada exclusiva... Quase que exclusivamente para a covid [...]. A oportunidade que nós temos, que a imprensa não está... Está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação, todas as reformas que o mundo inteiro nessas viagens que se referiu o Onyx (Lorenzoni) certamente cobrou dele", disse Salles, citando cobranças sobre outros ministros.

"Então, para isso, precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De Iphan, de Ministério da Agricultura, de Ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação regulam ... É de regulatório que nós precisamo, em todos os aspectos", acrescentou mo ministro Salles.

Damares pede prisão de governadores e de prefeitos

A ministra da Mulher, da Família, dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse que vai "pegar pesado" contra prefeitos e governadores que tomaram medidas mais rígidas de isolamento contra o coronavírus.

O nosso ministério já tomou iniciativa e nós tamos pedindo inclusive a prisão de alguns governadores

"Cambada no poder" em 64

O presidente afirmou durante que, se "essa cambada que tentou chegar no poder em 64, se tivesse chegado, a gente tava fodido". As referências são a grupos de esquerda, classificados pelo presidente de modo geral como 'comunistas', e ao golpe de Estado perpetrado pelo Exército em 1º de abril de 1964. A ditadura militar no Brasil durou até o ano de 1985.

Sistema de informação

O presidente Bolsonaro declarou que seu sistema de informações "funciona", mas que "os que temos oficialmente desinformam", sem explicar exatamente quais seriam estes sistemas oficiais. "Eu prefiro não ter informações do que ser desinformado por cima de informações que tenho", concluiu.

Pessoal da OCDE

O ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, disse durante a reunião ministerial que teve um encontro como representantes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que teriam afirmado que "já consideram o Brasil parte do grupo".

No último dia 14, chefe do grupo de trabalho antissuborno da OCDE, Drago Kos, afirmou que a saída de Sergio Moro do governo brasileiro "ainda não prejudicou" a imagem de combate à corrupção no Brasil, mas será preciso aguardar o resultado do inquérito sobre as acusações feitas pelo ex-ministro contra o presidente para avaliar a adesão do Brasil ao clube dos ricos.

Depoimentos

Os ministros generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Augusto Heleno (GSI) e Walter de Souza Braga Netto (Casa Civil) prestaram depoimento no âmbito dessa investigação. Os três foram citados por Sergio Moro como testemunhas da suposta tentativa de interferência do presidente verbalizada durante a reunião.

O general Heleno disse à Polícia Federal que sabia do impasse entre Bolsonaro e Moro em relação ao comando da PF, mas afirmou que "nunca entendeu" o motivo da insatisfação do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública.

Já o general Ramos disse aos investigadores considerar "evidente" o aborrecimento de Moro com o interesse de Bolsonaro em substituir a chefia da Polícia Federal. Ele afirmou ainda que, por iniciativa própria, tentou contornar a situação e chegou a ligar para o ex-ministro da Justiça em busca de uma solução. O telefonema teria ocorrido sem o conhecimento do presidente.

Por fim, Braga Netto afirmou que o presidente havia revelado na reunião ministerial sua intenção de trocar a "segurança do Rio de Janeiro", referindo-e à segurança pessoal dele, a cargo do Gabinete da Segurança Institucional (GSI), não tendo relação com a Polícia Federal.

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) e os delegados Carlos Henrique Oliveira de Sousa (ex-chefe da PF no Rio) e Alexandre da Silva Saraiva (cotado por Bolsonaro para chefiar a PF fluminense) também prestaram depoimento à Polícia Federal.

Zambelli afirmou que falou com o ministro apenas como "ativista", sem ser enviada pelo Planalto, e que sua frase seria apenas uma sugestão, e não um acordo.

Alexandre Ramagem, que chegou a ser nomeado por Bolsonaro para chefiar a PF após a demissão de Valeixo, mas não assumiu o cargo após ter sua nomeação suspensa pelo STF, também prestou depoimento. Ele defendeu o presidente e investiu contra Moro, dizendo que o ex-ministro criou uma "celeuma entre Poderes da União" .

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.