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Como surgiu grupo de rubro-negros que fez ato contra bolsonaristas no Rio

31.mai.2020 - Rubro-negros realizaram manifestação contra Bolsonaro em Copacabana - Reprodução/Twitter
31.mai.2020 - Rubro-negros realizaram manifestação contra Bolsonaro em Copacabana Imagem: Reprodução/Twitter

Caio Blois

Do UOL, no Rio

02/06/2020 14h22

Com o apoio de torcedores rivais, um grupo de maioria rubro-negra protestou contra o governo Jair Bolsonaro em Copacabana no último domingo (31).

Sem ligação com torcida organizada ou movimento popular específico, mais de 30 torcedores se juntaram, confeccionaram uma faixa em alusão ao Flamengo e foram às ruas em resposta ao que consideram "políticas fascistas" no país. Diferente de outras manifestações favoráveis ao presidente, o ato acabou coibido pela Polícia Militar.

O grupo foi criado em um aplicativo de troca de mensagens por rubro-negros de diversos setores da arquibancada, contando com o apoio de outros torcedores críticos ao governo e ao presidente da atual diretoria do clube, Rodolfo Landim —ele é a favor do retorno do futebol durante a pandemia e se encontrou com Bolsonaro no dia 19 de maio.

Alguns integrantes do grupo sequer vão aos jogos no Maracanã e dão continuidade às bandeiras levantadas pelo movimento Não vai ter Copa, de 2013, contrários à elitização dos estádios e ao preço dos ingressos, que consideram abusivos. O ticket médio para a disputa da Libertadores, vencida pelo Fla em 2019, por exemplo, era de R$ 67.

A proposta dos torcedores era responder a uma manifestação bolsonarista. Quando se confirmou o ato pró-governo do domingo —que já havia sido cancelado duas vezes—, eles convocaram em cima da hora torcedores de times rivais. Movimentos de tricolores e vascaínos estiveram lado a lado com o grupo.

"Pedimos que todos fossem de preto para mostrar a união na contraposição ao que prega o Bolsonaro. Acima de tudo é um governo incompetente, independente da ideologia. Estamos na maior pandemia do século e nem ministro da Saúde temos. Estamos representando milhões de pessoas que estão revoltadas e se sentindo desamparadas, mas corretamente evitam as ruas por conta do isolamento social", relatou ao UOL um dos manifestantes.

Apesar de o momento pedir isolamento social, conforme recomendam autoridades de saúde, os torcedores entenderam que era hora de agir. "Foi um levante que exigiu essa decisão. O momento de luta urge. É infelizmente mais importante do que a pandemia", disse o torcedor, que preferiu não se identificar.

Para organizadores, o ato de domingo num contexto ideal, não existiria. Mas, conforme citou um deles, a mobilização se fez necessária após o ato "a la Ku Klux Klan" ocorrido na porta do STF (Supremo Tribunal Federal), na noite de sábado (30).

"É uma coisa muito absurda. Estamos em pandemia, mas temos o problema da endemia da supressão dos direitos civis. Termos que ir em grupos pequenos defender questões que todos deveriam entender facilmente. Isso mostra que a gente tem uma doença seríssima na sociedade que é a não-compreensão do processo civilizatório. Não é possível que a gente precise gritar que a democracia é um bem comum a todos", afirmou um dos líderes.

A reportagem do UOL teve dificuldade de falar com integrantes do grupo, que estão sob ameaças como a do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), conhecido por quebrar uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio em 2018. Em vídeo, Silveira afirmou torcer para que um dos opositores tome um tiro "no meio da caixa do peito".

Ato no Rio teve brigas, bombas e detidos

Curiosamente, a primeira confusão no ato em Copacabana aconteceu em uma discussão entre moradores idosos, que se conhecem, mas divergem politicamente. Mais inflamado, o bolsonarista —vestindo a camisa da seleção brasileira— jogou uma lata na direção do outro homem, iniciando uma briga.

Foi o suficiente para a Polícia Militar atirar duas bombas de efeito moral, dissipando a manifestação.

"O Daniel Silveira mandou a PM pegar nossa faixa para queimar. Corremos com a faixa e a polícia jogou duas bombas de gás. Roubaram uma faixa de mão de uma menina e tentaram agredir um coletivo de vascaínas que estavam lá. Quando ele [o manifestante que tomou a faixa] fugiu, foi amparado pela polícia. Esse é o tamanho do absurdo: a polícia protegeu uma pessoa que roubou e tentou agredir mulheres de maneira flagrante", conta outro manifestante, que também preferiu não se identificar.

Agressões foram registradas em ambos os lados. Dois homens foram detidos. A polícia chegou a algemar alguns manifestantes que contudo não foram conduzidos à delegacia porque os agentes não souberam justificar o motivo das detenções —um advogado acompanhava o ato e outros manifestantes gravaram em vídeo o momento dessas abordagens.

Procurada, a Polícia Militar afirmou, por meio de nota, que "policiais do 19º BPM (Copacabana) acompanharam uma aglomeração de pessoas que aconteceu na orla de Copacabana, zona sul do Rio. Durante o ato, houve uma confusão entre participantes de dois grupos e os agentes fizeram uso progressivo da força desde a verbalização até o uso de armamento de menor potencial ofensivo. Um policial militar ficou ferido no rosto, após um manifestante jogar uma garrafa contra a equipe. Ele foi encaminhado para o UPA de Copacabana. Duas pessoas foram conduzidas para a 12ª DP, onde a ocorrência foi registrada."

Assim como em São Paulo, onde integrantes de torcidas organizadas superaram a rivalidade em nome da discordância ao governo Bolsonaro, a proposta do grupo no Rio é repetir os atos com mais gente, incluindo ainda mais torcedores de outros clubes. "Não temos receio [das ameaças]. Os atos vão se repetir", defendeu um dos manifestantes.