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Impeachment pode levar brasileiro a não respeitar mais o voto, diz Kassab

Do UOL, em São Paulo

09/06/2020 13h37Atualizada em 09/06/2020 15h55

A pressão por um eventual impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) existe, mas oferece com ela um ônus bastante específico, o de passar a mensagem de que o voto não tem valor. É o que afirmou Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, no UOL Entrevista de hoje, conduzido por Carla Araújo e Josias de Souza, colunistas do UOL.

Para Kassab, um novo impeachment, após o processo contra a presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016, poderia desgastar a democracia no Brasil — justamente em um momento no qual o país passa por tantas crises.

Sobre um possível impeachment, Kassab deixou claro: no momento, é contra.

Tenho esperança de que isso não aconteça. Daqui a pouco, o Brasil não vai mais respeitar o voto. Como brasileiro, tenho esperança e trabalho para que isso não aconteça. No que pudermos ajudar para o governo entender que é preciso mudar, conte comigo.

Entre os partidos menores, estão os do chamado centrão, que ensaiam uma aproximação com Bolsonaro. Mas Kassab alerta: em caso de um processo de impeachment, a aliança a tais partidos não é garantia de apoio.

"Todo governo tem seus limites. Ninguém segura um governo quando ele ultrapassa esses limites. Ninguém segura partido, povo nas ruas, liberdade de imprensa... Portanto, o governo, se ultrapassar os limites...", alertou, lembrando o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016, de quem foi ministro das Cidades.

Governo precisa melhorar modo de agir, diz Kassab

Mas quais são os limites em questão? "Falar que não ultrapassou parece que está perdoando. Ele [Bolsonaro] cometeu vários equívocos. É questão política que é feita dia a dia, é o sentimento de que o limite foi ultrapassado. Estamos na fase de condenar os equívocos, e estão sendo condenados, mas [também de] tentar sensibilizar o governo de que ele precisa melhorar sua maneira de agir."

"Eu tenho dito sempre que nós convivemos no Brasil com quatro grandes crises. A mais grave é a da saúde — afinal de contas, se todos nós que somos seres humanos nos preocupamos com uma vida, imagina os 40 mil mortos (da pandemia do novo coronavírus) e a triste expectativa de fechar julho com 100 mil mortos. É uma tragédia e não há nada pior que isso. Não vamos viver algo tão triste", iniciou.

"A segunda crise, consequência desta, é a economia. É mais uma crise universal, que todos os países estão passando. Alguns vão ser mais ou menos rápidos [na recuperação]", acrescentou.

"A terceira é a política, por conta das mudanças, de equívocos. E a quarta crise é uma crise por etapas. É quase uma crise por dia que o próprio presidente que provoca. Ontem, o ministro Toffoli foi muito feliz no discurso, como autoridade do STF [Supremo Tribunal Federal] e, com o devido respeito, fez colocações que, quando assisti a parte do discurso, fiz questão de assistir a tudo e foi primoroso. Eu assino embaixo todas as suas observações em relação a grande preocupação do presidente com sua postura, e o Toffoli fala com propriedade", completou.

"Governo erra na pandemia"

Kassab fez duras críticas ao presidente da República a respeito do combate à pandemia do novo coronavírus, ao afimar que Bolsonaro cometeu erros desde o primeiro momento da questão, especialmente nas trocas no Ministério da Saúde.

"Acho que o presidente da República erra na questão do sentimento que ele passa. Não acredito que ele seja assim, não é possível. Mas ele está errando na comunicação. Isso causa baixa estima do país, um país que tem esse pressentimento... Ele está errando. Onde o mundo inteiro pratica o distanciamento, não é possível que só ele esteja certo", disse o ex-prefeito de São Paulo.

"Fui contra a demissão do (ministro Luiz Henrique) Mandetta, que fazia um bom trabalho. Não é só agora que estou me manifestando — mais uma vez discordo radicalmente e acho que esse atual ministro (Eduardo Pazuello), que não conheço, pelas informações que eu tenho, tem feito um bom trabalho. O que atrapalha são posições dos outros. Não sei no domingo, se ele foi a favor da omissão de dados. Mas em relação à gestão na crise, a referência que tenho é positiva. Mas o Mandetta não deveria ter sido demitido, fazia um bom trabalho", acrescentou.

Kassab ainda deixou claro que, embora o PSD se aproxime da base de apoio de Bolsonaro, o partido tem liberdade para fazer críticas ao Governo e inclusive para apoiar eventuais adversários — como é o caso do governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Neste cenário, Kassab diz estar "100% com Doria" nas ações de combate à pandemia.

Para Kassab, "Estado mínimo não funciona" no momento

A pandemia do novo coronavírus e seus reflexos socioeconômicos mostraram a importância do Estado, na avaliação do entrevistado. Para Kassab, uma agenda liberal neste momento prejudicaria o Brasil.

"Qualquer que fosse o gestor, teria dificuldade. Em especial o ministro (da Economia, Paulo) Guedes que é liberal, e hoje, eu — que sou um pouco liberal, hoje sou menos — vejo que o discurso de Estado mínimo não funciona. Não é possível o quanto as pessoas não vejam a importância da saúde pública. Está claro que precisa investir massivamente no ensino público, está claro que estaríamos fritos se não tivéssemos o SUS, que está funcionando bem e que precisa ser melhorado", afirmou Kassab — que, apesar da crítica ao discurso liberal, faz elogias a Paulo Guedes.

"Aqueles que questionavam o SUS não questionam mais. Temos um ministro hoje que respeito e que tem feito boa gestão, mas tem que entender que suas posições tem que ser recicladas. Isso nao é estado minimo. Com essa dificuldade toda, ele (Guedes) tem acertado. O país está em pé ainda, respirando. Acho que, entre falar se aprova ou desaprova, eu aprovo", analisou.

Os elogios a Guedes, no entanto, não se repetem nos planos de privatizações de estatais. Kassab, ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações entre 2016 e 2019, reforçou a necessidade de investimentos nas empresas como a Telebras, para que elas prestem serviços, especialmente longe de grandes centros.

Kassab diz que demitiria ministros

O presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, opinou sobre o vídeo da reunião ministerial de abril, citada pelo ex-ministro Sergio Moro como prova de que Jair Bolsonaro teria interferido na Polícia Federal.

O que chocou o ex-prefeito de São Paulo não foi a maneira de Bolsonaro se expressar, mas algumas falas ofensivas de ministros do governo. Kassab disse que a atitude dele seria radical caso estivesse ocupando o cargo de presidente.

"O estilo do presidente é aquele. Não me surpreende. Me surpreende a manifestação dos ministros. Se eu fosse presidente, governador ou prefeito, e alguém se manifestasse daquele jeito, eu punha da sala para fora e estava demitido no Diário Oficial no mesmo dia", afirmou.

Kassab preferiu não considerar que houve, de fato, tentativa de interferência de Bolsonaro durante a reunião.

"Em relação à ação do presidente quanto à PF, tenho dificuldade de me manifestar, mas volto a dizer que ele foi eleito, então tenho dificuldade de entender um pouco aquelas acusações do Moro."

"PSD não é centrão"

Enquanto PSD e o governo federal indicam uma aproximação, o presidente do partido afasta o rótulo de que faz parte do chamado centrão. Kassab afirmou que a sigla é independente, com liberdade para congressistas apoiarem ou não o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

"Gostaria de registrar sempre uma confusão que alguns colegas de vocês [da imprensa] fazem em relação a PSD e centrão. O PSD sempre deixou claro que não se integra ao centrão. O PSD é um partido independente. É um partido que tem, nos seus quadros, pessoas com total liberdade para dar seu voto com suas convicções e visões de Brasil", afirmou o ex-prefeito de São Paulo (2006-2013).

"É evidente que temos parlamentares mais distantes e outros próximos de algumas posições do Governo — haja vista o discurso do (senador) Otto Alencar (PSD-BA) ontem, que é o líder do partido e fundador, e se posiciona de uma maneira muito crítica. Isso não quer dizer que todos os senadores tenham posição contrária ao governo", disse.

"O próprio Otto votou a favor do governo em algumas vezes porque era bom para o Brasil. Os parlamentares terão total liberdade para votar contra o governo quando projetos contrariarem visões. Nada impede que os parlamentares próximos do governo sugiram nomes. Posso lhe afirmar que somos independentes e que o partido não integra o centrão", acrescentou.

Indicações para cargos

Diante da independência alegada para votações, Kassab assegurou que não há ofertas de troca de cargos por apoio. E lembrou que, em São Paulo, o partido faz parte da base do governador João Doria (PSDB).

"Funasa (Fundação Nacional da Saúde). É público que foi demitido o presidente da Funasa, não quero julgar o mérito, mas foi afastado. O líder e o deputado Diego Andrade pessoalmente procuraram um ministro e sugeriu que existe um grupo de militares na saúde, que tem uma pessoa muito qualificada que eu não conheço, e que ele achava bastante adequado para comandar a Funasa. Eu acredito que, desta maneira, que eu tenha conhecimento, são essas aproximações em termos de parlamentares nossos que colocaram as relações com o governo", acrescentou.

"O que tem diferenciado o PSD são nossas ações com muita transparência e isoladamente. O partido tem convivência com pautas do centrão, do PT, evidentemente tem, e qualquer que seja essa convergência, é sempre colocado muito às claras", completou.

Brasil terá oito partidos em 2027, diz Kassab, sobre reforma política

Segundo o presidente nacional do PSD, a política do Brasil poderá, em breve, ser conduzida por um número de partidos bem menor que o atual. Para Kassab, algumas siglas menores deverão ter dificuldades para superar a cláusula de barreira (ou seja, a votação mínima) em eleições. Assim, segundo ele, a tendência é que tais partidos se unam em novas siglas ou deixem de existir.

"Teremos, no Brasil, em 2027, no máximo sete ou oito partidos. Vai haver fusão. Independente da coligação, vamos ter uns seis, sete partidos em 2022 que não vão atingir o desempenho. Ou vão ser incorporados", analisou. "O processo começa agora. Se o PSD não estiver dentro desses critérios, vai fazer uma fusão para quem tenha mais vínculos no campo ideológico; daqui para frente, o campo ideológico dará cara aos partidos."

Entre os partidos que podem participar das disputas daqui alguns anos, para Kassab, está o Aliança pelo Brasil. A agremiação idealizada pelo presidente Jair Bolsonaro e por parte de sua base de apoio ainda não saiu do papel, mas o ex-prefeito de São Paulo acredita que tenha chance de agregar outras siglas.

"(O Aliança) vai vingar. Ele é presidente da República, representa 10%, 12% do eleitorado. Ele não quis fazer o partido porque não quis participar das eleições municipais. Depois das eleições (de 2020), ele fará rapidamente e, na janela partidária, ele com certeza vai migrar para esse partido", acredita.

*Participaram dessa cobertura Bruno Madrid, Emanuel Colombari, Flávio Costa e Talyta Vespa (redação) e Diego Henrique de Carvalho (produção)