Topo

MP vê rotina 'intensa' de saques em conta de Queiroz: R$ 3 mi em 11 anos

Alex Tajra e Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

19/06/2020 13h11

O policial militar aposentado Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) preso ontem em Atibaia (SP), sacou quase R$ 3 milhões em espécie durante os 11 anos e oito meses que foram analisados pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) a partir de quebra de seu sigilo bancário. A informação consta no despacho que autorizou a prisão de Queiroz, assinada pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, no último dia 16.

O MP-RJ descreveu como "intensa" a rotina de saques nas contas de Queiroz no período em que seu sigilo foi levantado. Foram R$ 2.967.024,31 em quase 12 anos, o que resulta, em média, em um saque de cerca de R$ 697 por dia.

O período dos saques corresponde aos anos em que Flávio Bolsonaro era deputado estadual na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). Ele ocupou o cargo entre 2003 e 2018, elegendo-se senador nas últimas eleições.

O órgão afirma ainda que ao menos 11 ex-assessores, vinculados direta ou indiretamente a Flávio Bolsonaro, repassaram mais de R$ 2 milhões para a conta de Queiroz, indicando que o policial aposentado era operador de um esquema de rachadinha —quando funcionários de determinado gabinete são coagidos a devolver parte de seus salários.

Destes mais de R$ 2 milhões, "aproximadamente 26,5% foram creditados mediante transferências bancárias, 4,5% foram depositados como cheques e cerca de 69% foram depositados como dinheiro em espécie", escreve o juiz Flávio Itabaiana em sua decisão.

Os dados levantados a partir da quebra de sigilo de Queiroz remontam ao início da investigação. O embrião da apuração mostrou, com base em relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que Queiroz havia movimentado, apenas entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, R$ 1,2 milhão —valor não compatível à sua renda.

Agora, com mais detalhes das transações, os investigadores acreditam que as movimentações em espécie têm como finalidade "ocultar os rastros do dinheiro no sistema financeiro", dificultando o mapeamento das origens e dos destinos dos recursos. O MP-RJ afirma que, por conta deste mecanismo, não foi possível até o momento informar a procedência de R$ 900 mil que circularam na conta de Queiroz.

Outras duas movimentações em dinheiro vivo chamaram a atenção dos promotores e envolvem diretamente o agora senador Flávio Bolsonaro. Eles citam pagamentos, em espécie, de 53 boletos referentes a mensalidades da escola da filha de Flávio, afirmando que o dinheiro usado não era "proveniente das contas bancárias do casal". Os investigadores também apontam que a mesma prática foi adotada em relação aos planos de saúde da família de Flávio —63 boletos, totalizando mais de R$ 108 mil.

A investigação identificou que Queiroz fez os pagamentos com dinheiro vivo de ao menos dois boletos escolares das filhas do político em 1º de outubro de 2018 nos valores de R$ 3.382 e R$ 3.560, aponta a investigação.

Para o MP, Queiroz era o operador financeiro "na divisão de tarefas da organização criminosa investigada, tanto na arrecadação dos valores desviados da Alerj, quanto na transferência de parte do produto dos crimes de peculato ao patrimônio familiar do líder do grupo, o então deputado estadual Flávio Nantes Bolsonaro".

O policial aposentado teria incorrido em ao menos dois crimes: peculato (desvio de dinheiro público para proveito próprio) e organização criminosa.

Nas raras aparições que fez antes de ser detido, Queiroz argumentava que as movimentações em sua conta estavam relacionadas a pagamentos de assessores informais, que trabalhavam fora do gabinete. Ele também argumentou que prestava serviços informais, como mediação de negociação de imóveis e de veículos, e que isso justificava os altos valores que transitaram na sua conta bancária.

Ontem, o advogado Paulo Emílio Catta Preta, que defende Queiroz, afirmou que vai entrar com um pedido de habeas corpus para o policial militar aposentado. O defensor disse que Queiroz parecia não entender o motivo de sua prisão. "Doutor, qual o motivo da prisão?", questionou o ex-assessor de Flávio Bolsonaro.

A reportagem procurou hoje Catta Preta sobre as novas revelações da investigação do MP, mas ele ainda não se manifestou.

Quem é Fabrício Queiroz

Queiroz já foi policial militar e é amigo do presidente Bolsonaro desde 1984 e próximo dos filhos do capitão reformado. PM aposentado, ele trabalhou como motorista e assessor de Flávio, então deputado estadual pelo Rio.

Ele passou a ser investigado em 2018 após um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) indicar "movimentação financeira atípica" em sua conta bancária, no valor de R$ 1,2 milhão, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Queiroz foi demitido por Flávio pouco antes de o escândalo vir à tona.

O último salário de Queiroz na Alerj foi de R$ 8.517, e ele teria recebido transferências em sua conta de sete servidores que passaram pelo gabinete de Flávio. As movimentações atípicas levaram à abertura de uma investigação pelo MP-RJ.