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Crise entre PGR e Lava Jato pode determinar fim da força-tarefa

O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato no PR Imagem: Alice Vergueiro/Folhapress

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

03/07/2020 17h00

O conflito entre a PGR (Procuradoria-Geral da República) e Lava Jato envolveu até agora troca de acusações e uma investigação da Corregedoria do MPF (Ministério Público Federal). A crise deflagrada por uma visita da subprocuradora Lindôra Araújo à Lava Jato do Paraná, na semana passada, também reflete uma disputa sobre o futuro da força-tarefa, que pode ser encerrada no mês que vem.

Em agosto, o procurador-geral Augusto Aras decidirá se prorroga ou se deixa que a Lava Jato do Paraná seja desfeita. Hoje, ao anunciar denúncia à Justiça contra o ex-governador de São Paulo e senador José Serra (PSDB), a Lava Jato paulista mencionou a crise indiretamente, indicando a preocupação dos procuradores que compõem o grupo. "Em um momento de incertezas, a força-tarefa Lava Jato de São Paulo reafirma seu compromisso com um trabalho técnico, isento e sereno", diz em trecho do comunicado à imprensa.

A decisão de Aras sobre o destino da Lava Jato, que acontecerá após saída do ex-juiz Sergio Moro do governo e de desgaste provocado por vazamentos de conversas de procuradores, precisará ser avalizada pelo Conselho Superior do MPF, do qual o procurador-geral é presidente. Criada em 2014, a Lava Jato paranaense teve sua existência prorrogada por cinco vezes.

Fontes ligadas à Lava Jato do PR dizem acreditar que Aras não tem intenção de manter a Lava Jato. Por isso, ele se empenha em encontrar falhas na atuação da força-tarefa e tem trabalhado pela criação de um órgão central de combate à corrupção do MPF em Brasília.

Já integrantes da PGR veem a Lava Jato criando "falsas polêmicas" para se dizer perseguida. Desta forma, pressiona Aras publicamente para que ele prorrogue a força-tarefa mais uma vez —sob essa ótica, caso o procurador-geral a reduzir ou deixar acabar, ficaria conhecido como um "inimigo do combate à corrupção".

Para a PGR, a pressão da Lava Jato paranaense para ganhar sobrevida também tem a ver com Sergio Moro, que foi responsável pela operação na 1ª instância da Justiça Federal. Fora do governo Jair Bolsonaro, Moro perderia ainda mais capital político se a Lava Jato de Curitiba fosse encerrada.

"Todo ano, na época da expiração da portaria da Lava Jato, aparecem essas notícias. Mas há muita política nesse tipo de discurso também", disse uma fonte da PGR. "Este ano, eles [a Lava Jato] criaram essa acusação sobre a visita da Lindôra."

Reunião de trabalho ou inspeção surpresa?

A visita ocorreu entre terça (23) e quinta-feira (25) da semana passada. Segundo a Lava Jato, Lindôra Araújo, coordenadora da Lava Jato na PGR, esteve nos escritórios da força-tarefa no PR para uma reunião marcada na véspera. Ela teria pedido acesso a documentos sigilosos, motivando uma queixa da Lava Jato paranaense à Corregedoria do MPF.

A PGR rebate: diz que a visita de Lindôra foi agendada com um mês de antecedência, que a subprocuradora foi a Curitiba para uma reunião de trabalho normal e não pediu acesso a nenhum documento cujo acesso não tenha sido autorizado pela Justiça.

Após a queixa da Lava Jato à Corregedoria ser revelada pelo jornal O Globo, a PGR declarou, por meio de nota, ter estranhado "a reação dos procuradores e a divulgação dos temas, internos e sigilosos, para a imprensa".

Na última segunda-feira (29), Moro usou seu perfil no Twitter para dizer que o país vive uma "fase anti-Lava Jato".

Forças-tarefas em debate

Fato é que, após a divulgação de notícias sobre a polêmica reunião, membros do MPF e entidades ligadas à instituição passaram a se posicionar sobre os benefícios e malefícios da existência de forças-tarefa dedicadas a investigações específicas.

O coordenador da Lava Jato no Paraná, procurador da República Deltan Dallagnol, defendeu esse tipo de grupo de investigação em um tuíte na terça (30).

No mesmo dia, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) emitiu um nota pública elogiando os trabalhos das forças-tarefas. "Este modelo exitoso de atuação [das força-tarefa] tem servido para otimizar não apenas o enfrentamento da corrupção e da criminalidade, se estendendo para áreas como a defesa do meio ambiente e dos direitos indígenas."

No dia seguinte, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, criticou o modelo de trabalho das forças-tarefas ao se posicionar sobre o grupo de trabalho da Operação Greenfield. "Casos milionários, com réus notabilizados, ampla cobertura midiática e procuradores oficiando sob concessão de beneplácito do Procurador-Geral da República são ontologicamente incompatíveis com o perfil constitucional do Ministério Público e institucionalmente desagregadores e disruptivos", afirmou.

Medeiros é um dos principais auxiliares de Aras na cúpula da PGR. Para ele, há uma "esgotamento" das forças-tarefas. Isso levou à criação de uma proposta de substituí-las por um órgão nacional de investigações, a Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado).

O que é a Unac (unidade de combate à corrupção)?

A criação da Unac foi proposta por dois subprocuradores-gerais ao Conselho Superior do MPF em abril. A ideia ainda não foi apreciada, mas contaria com o apoio de Aras. Pela proposta, forças-tarefas como a Lava Jato e a Greenfield seriam unificadas. Trabalhariam em conjunto, em Brasília, sob coordenação de um nomeado pela PGR.

Todas as informações já obtidas pela Lava Jato, por exemplo, estariam disponíveis a membros da Unac, caso ela venha a ser criada. A transferência desses dados a Brasília foi justamente um dos motivos do embate entre a Lava Jato e a PGR na semana passada.

Quem é contra a Unac diz que ela pode se tornar uma grande central de informações sigilosas, dando a quem a controla muito poder. "Seria uma espécie de Big Brother", disse o procurador aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima, ex-membro da Lava Jato, em alusão ao personagem fictício criado pelo escritor George Orwell.

Já os favoráveis falam de mais agilidade para intercâmbio de informações e redução de custos de manutenção de forças-tarefas.

A PGR e a Lava Jato de Curitiba foram procuradas pelo UOL para tratar do futuro da força-tarefa. Eles não quiseram se posicionar sobre o assunto.

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