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Guardiões: Crivella indicou suspeito para pastores furarem fila de cirurgia

O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos) - Maurício Almeida/AM Press & Images/Estadão Conteúdo
O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos) Imagem: Maurício Almeida/AM Press & Images/Estadão Conteúdo

Igor Mello e Gabriel Sabóia

Do UOL, no Rio

02/09/2020 04h00

Suspeito de ser o articulador do grupo "Guardiões de Crivella" —no qual funcionários da Prefeitura do Rio eram orientados a impedir o trabalho de jornalistas em unidades de saúde—, Marcos Paulo de Oliveira Luciano foi indicado pelo próprio prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) para auxiliar pastores evangélicos a furarem a fila de cirurgias da rede municipal em 2018.

De acordo com a TV Globo, Marquinhos do Crivella, como é conhecido o assessor, controlava a escala de funcionários comissionados da prefeitura que atrapalharam a atuação da imprensa nos últimos meses. Marcos Luciano estava presente em uma reunião com lideranças evangélicas convocada por Crivella em julho de 2018 no Palácio da Cidade, residência oficial do prefeito do Rio.

Na ocasião, Crivella —que é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus— indicou o aliado como um dos interlocutores para que os pastores obtivessem vantagens junto à prefeitura, como a marcação de procedimentos em unidades de saúde para fiéis sem passar pela fila do Sisreg (Sistema de Regulação) e a resolução de problemas de templos com o pagamento de IPTU.

Na reunião com os religiosos, Crivella também indicou como interlocutora a funcionária da Comlurb (companhia de limpeza urbana do Rio) Márcia Nunes —a frase "Fala com a Márcia" viralizou nas redes sociais.

"A maioria são mulheres que estouram uma variz na perna e abre uma ferida que não fecha. E a senhora apenas troca o curativo. Hoje existe uma maneira, injeta na veia dela uma espuma medicinal e fecha a ferida, uma benção. Também por favor falem com a Márcia. E tem a vasectomia para os homens, estamos zerando a fila", disse o prefeito conforme consta em gravação divulgada pelo jornal O Globo à época.

É muito importante os irmãos ficarem com o telefone da Márcia ou do Marquinhos porque às vezes ocorre um imprevisto. Se houver caso de emergência, liga. Liga para a Márcia e ela liga para mim, para o Marquinhos. É importante você ter um canal para poder socorrer num momento de emergência

Marcelo Crivella, em reunião com lideranças religiosas em 2018

Quem compõe o grupo 'Guardiões de Crivella'

Segundo a TV Globo, esse e dois outros grupos em aplicativos de mensagens eram usados para articular uma escala informal de servidores em unidades de saúde.

Normalmente alocados em duplas, eles tinham a orientação de impedir reportagens críticas sobre a saúde do município, atacando equipes de reportagem e intimidando cidadãos que se dispusessem a dar entrevistas sobre problemas no atendimento.

O UOL apurou que Crivella chegou a adicionar pessoalmente participantes ao grupo. Dele faziam parte membros do primeiro e segundo escalões da prefeitura do Rio, além de aliados políticos de primeira hora do prefeito.

Estão lá os secretários Beatriz Busch (Saúde) e Adolfo Konder (Cultura), além de Marcelo Marques (Procuradoria Geral do Município).

Também estão dirigentes de órgãos públicos municipais e ocupantes de altos cargos na administração direta: Paulo Mangueira (diretor-presidente da Comlurb), Paulo Amêndola (presidente do Instituto Pereira Passos), Airton Aguiar (presidente da CET-Rio), Flávio Graça (superintendente na Vigilância Sanitária do município), e Douglas Manassés (coordenador de Cuidado e Prevenção às Drogas na Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos).

Apoio a Crivella em outras atitudes polêmicas

Esse não é o primeiro ato de apoio a Crivella em que Marcos Luciano ganha notoriedade. Em novembro passado, ele esteve com o prefeito em uma manifestação contra a Concessionária Lamsa —que administra a Linha Amarela.

Ao lado de outras figuras do primeiro escalão da prefeitura, o grupo liderado por Crivella conseguiu forçar a abertura da cancelas da via antes da chegada da Polícia Militar.

Na ocasião, o governo municipal lutava contra a cobrança de pedágio na Linha Amarela e chegou a destruir as cabines de cobrança de pedágio. A questão foi judicializada.

Também no ano passado, o assessor do prefeito participou de um vídeo no qual Crivella culpava empresas de mídia pela crise na saúde. Ao lado de funcionários municipais, o prefeito afirmou que seguia trabalhando e chamou profissionais da imprensa de "canalhas".

Braço direito de Crivella desde os anos 90

A proximidade de Marcos Luciano com Crivella vem de longa data, antes mesmo de o prefeito se lançar na política. Na biografia que informou à Câmara dos Vereadores do Rio para receber uma homenagem em novembro de 2016, Marquinhos entrou na Igreja Universal com apenas 14 anos.

Aos 22, ainda no fim dos anos 1990, foi convidado por Crivella para acompanhá-lo como missionário na África. Marcos Luciano permaneceu no exterior a serviço da Igreja Universal por seis anos, voltando ao Brasil em 2002.

Ele também trabalhou com Crivella na Fazenda Nova Canaã, em Irecê, no interior baiano. A iniciativa de caridade ligada à Universal foi a principal bandeira de Crivella em sua primeira campanha eleitoral, quando foi eleito senador. Marquinhos também ocupou posto de destaque na campanha.

Marcos Luciano atuou ainda na coordenação das campanhas de Crivella à Prefeitura do Rio (em 2004 e 2008), ao governo do estado (em 2006) e para reeleição ao Senado, em 2010.

O que diz a Prefeitura do Rio

O UOL pediu posicionamento dos integrantes do grupo por meio da assessoria de imprensa da Prefeitura do Rio.

Em nota, a administração municipal se disse vítima de uma "manipulação" e criticou a TV Globo pela reportagem.

De acordo com o governo Crivella, "funcionários da Prefeitura ficaram nas portas dos hospitais para esclarecer a população e rebater mentiras que são repetidas no noticiário".

A reportagem do UOL não localizou a defesa de Marcos Luciano. Na tarde de hoje, o assessor foi alvo de busca e apreensão e prestou depoimento à Polícia Civil.