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Suspeita de dinheiro vivo a Witzel coincide com pagamentos de escritórios

O governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC) - PILAR OLIVARES
O governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC) Imagem: PILAR OLIVARES

Igor Mello e Eduardo Militão

Do UOL, no Rio e em Brasília

01/10/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Empresário afirma que pagou R$ 980 mil a Witzel em 2018
  • Governador nega e diz que sua renda foi declarada à Receita
  • Declaração de IR indica valor semelhante pago por advogados a Witzel
  • PGR verifica se governador lavou suposta propina com escritórios
  • Escritórios de advocacia negam relação com dinheiro relatado por empresário

A quantidade de dinheiro vivo que, segundo o empresário Edson Torres, foi entregue ao governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC), pouco antes do início da campanha eleitoral de 2018 coincide com pagamentos que escritórios de advocacia fizeram ao político e à primeira-dama naquele ano, de acordo com registros da Receita Federal.

Torres diz ter dado a Witzel R$ 980 mil nos quatro primeiros meses de 2018. No mesmo ano, Witzel e a esposa informaram à Receita terem recebido de dois escritórios R$ 982 mil —ele declarou R$ 912 mil entre julho e dezembro, e ela, R$ 70 mil no decorrer do ano. A PGR (Procuradoria-Geral da República) não quis comentar o assunto, mas o UOL apurou que uma das linhas de investigação considera a hipótese de que o governador "esquentou" por meio dos escritórios de advocacia o suposto dinheiro vivo recebido por Torres.

O UOL consultou dois especialistas em investigação de crimes financeiros —um policial federal e um procurador que já atuaram na Lava Jato. A coincidência de datas e valores chamou a atenção deles, que avaliaram que o caso merece apuração acurada.

O advogado de Witzel, Roberto Podval, negou que o governador afastado tenha usado os pagamentos dos escritórios para lavar os recursos que Edson Torres diz ter entregado ao então juiz federal. "O governador nega peremptoriamente ter recebido esses valores de Edson Torres", diz.

Os escritórios de advocacia também negaram a suspeita.

O advogado Fábio Medina afirmou que os R$ 500 mil pagos a Witzel por seu escritório foram fruto de um acordo feito com o governador afastado em razão de rescisão contratual após a vitória nas urnas em 2018. Medina diz que não houve prestação de serviço por parte do ex-juiz federal.

"Ele se elegeu governador e nós fizemos uma boa rescisão para ele, até para ele ter tranquilidade pra trabalhar como governador. O que que tem de mal nisso? Nada." "Edson Torres não menciona nosso escritório e constitui calúnia qualquer relação ou inferência nesse sentido", disse Medina.

"Eu repudio essa tese veementemente", afirmou Rodrigo Horta, defensor de Lucas Tristão, dono de um dos escritórios, ex-secretário e braço direito de Witzel, preso no final de agosto.

Empresário apresentou comprovante de saque

Acusado de integrar uma organização criminosa com Witzel, Edson Torres prestou dois depoimentos ao MPF, nos dias 3 e 8 de setembro, após deixar a prisão e trocar de advogado. Ele controla empresas que fecharam contratos com o governo do Rio durante a gestão Witzel.

Neles, o dono de empresas de vigilância e limpeza afirma ter dado R$ 980 mil ao governador afastado em dinheiro vivo "por cerca de quatro meses" até Witzel deixar a magistratura para disputar as eleições de 2018. As parcelas eram de "aproximadamente" R$ 150 mil cada.

Torres apresentou ao MPF ao menos um comprovante de saque em agência bancária para comprovar a existência da soma de valores. O documento seria referente à última entrega, feita segundo ele na presença de Witzel.

Os depoimentos foram prestados na condição de investigado comum, sem acordo de delação premiada. Não se sabe se Torres apresentou outras provas do que disse.

Sócio de escritório de advocacia recebeu parcela, diz empresário

O empresário afirmou que uma das entregas de dinheiro foi feita a Lucas Tristão, dono do escritório que, em 2018, pagou valores ao governador afastado e à primeira-dama.

Sem especificar valores exatos, Torres contou que houve cinco entregas de dinheiro, três feitas por ele mesmo. Duas prestações foram levadas a uma sala de um prédio na avenida Rio Branco, centro do Rio, para o presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo. Em uma dessas ocasiões, ele diz que Witzel estava presente. Uma prestação foi entregue ao advogado Tristão, de acordo com o depoimento.

"Outra parcela foi entregue pelo depoente também no mesmo local ao Lucas Tristão, dia em que o depoente o conheceu pessoalmente", diz um trecho da investigação do MPF.

Segundo Torres, Everaldo disse a ele que era preciso dar um "conforto" a Witzel porque ele largaria a magistratura e poderia perder as eleições.

Valores foram recebidos em 6 meses, declarou Witzel

Nas declarações de Imposto de Renda de Witzel e de sua mulher Helena, eles afirmam que receberam R$ 982 mil de dois escritórios de advocacia —o Medina Osório Advocacia e o Tristão do Carmo e Jenier Advogados Associados. O valor declarado é semelhante aos R$ 980 mil informados em depoimento por Torres.

Segundo relatório da Coordenação Pesquisa e Investigação da 7ª Região da Receita Federal, Witzel obteve rendimentos dos escritórios Medina e Tristão em um período de seis meses.

Foram R$ 500 mil pagos pelo primeiro escritório, a título de lucros e dividendos, entre outubro e dezembro de 2018. E mais R$ 412 mil, pagos pelo Tristão e Jenier Advogados entre julho e outubro daquele ano. Os períodos coincidem com a campanha eleitoral em que Witzel saiu vencedor.

Já Helena Witzel recebeu mais R$ 70 mil do escritório de Tristão no mesmo ano.

Na primeira denúncia, a PGR afirma que o escritório de Helena foi usado para receber R$ 500 mil que seriam propina disfarçada de honorários pagos pelos empresários Gothardo Lopes Neto e Mário Peixoto. O escritório de Helena só foi ativado depois da posse de Witzel e um mês antes de fechar contratos suspeitos.

As declarações de Imposto de Renda que ajudaram a embasar o relatório da Receita foram retificadas em fevereiro. Witzel e Helena corrigiram o valor recebido do escritório de Tristão. Witzel elevou o valor, que antes estava em R$ 284 mil. A primeira declaração de Helena informava somente R$ 47 mil em recebimentos.

Após a entrega de R$ 980 mil, Torres diz que foram pagos mais R$ 1,8 milhão, também arrecadados por ele e Victor Barroso, um empresário que, segundo o MPF, atua como operador financeiro de Everaldo.

Numa dessas novas entregas de dinheiro, Torres diz ter voltado a encontrar Tristão. "Entre o primeiro e segundo turno das eleições, o declarante foi à sede do PSC na rua Senador Dantas para entregar uma parte de dinheiro e encontrou com Lucas Tristão no corredor", contou.

Pagamentos "não batem com história", diz defesa de Witzel

Roberto Podval, defensor de Witzel, avaliou que os pagamentos dos escritórios de advocacia "não batem com a história contada" por Edson Torres. Segundo Podval, Torres não provou o recebimento de dinheiro por Witzel, e não há nada que vincule os valores recebidos pelo governador e a primeira-dama ao suposto esquema criminoso.

"Se o pagamento foi através do escritório de advocacia, ele [Torres] teria um depósito onde teria pago um escritório, em valores próximos aos citados no depoimento, sem justificativa. Até aqui o que eu tenho são os escritórios de advocacia dizendo que não é verdade que Witzel recebeu sem prestar serviços."

O que dizem os escritórios de advocacia

O advogado de Lucas Tristão disse "repudiar" a hipótese de que seu cliente tenha ajudado Witzel a lavar o dinheiro relatado por Torres. "Se houver denúncia nesse sentido, vamos nos defender."

Rodrigo Horta reclamou que não obteve cópias do depoimento de Torres. "Repudio todo tipo de vazamento seletivo", reclamou.

Procurado em duas ocasiões pela reportagem, o advogado Fábio Medina Osório —um dos donos do Medina Osório Advogados— negou qualquer relação de seu escritório com os pagamentos citados por Edson Torres.

Ele salientou que a empresa não é investigada, não foi alvo de buscas e apreensão e não foi citada no depoimento do empresário.

Medina diz que, em abril de 2018, fez um contrato de três anos com Witzel por R$ 30 mil por mês. Ao final, o ex-juiz ganharia mais R$ 100 mil. Mas nada disso foi pago. Segundo o sócio do escritório, Witzel não prestou serviços durante a campanha eleitoral e tampouco trouxe clientes no período de seis meses até vencer as eleições.

"Ele não pôde realizar esse contrato por conta da eleição que ele teve como governador", disse Medina. "Ele queria até trazer algum cliente, mas nós não permitimos nesse período."

Após a vitória nas urnas, houve um acordo entre Witzel e o escritório de Medina, que ficou responsável por lhe pagar R$ 500 mil como rescisão do contrato.

O advogado disse que o contrato não tinha cláusula rescisão. "Foi um acordo razoável entre as partes", contou Medina. "Nada mais razoável porque ele largou a magistratura. Tinha expectativa de ganho no setor privado. Depois, ele largou o setor privado e foi para o governo do estado."

Medina destacou que Witzel "não prestou serviços". "Ele recebeu como decorrência da rescisão contratual." A reportagem pediu uma cópia do contrato, mas Medina disse que já encaminhou o documento à PGR.

O advogado contou que prepara uma ação civil contra a União pedindo uma indenização "milionária" pela forma como o pagamento de R$ 500 mil foi divulgado pelo MPF. "A operação com Wilson Witzel foi legítima e foi divulgada precipitadamente por órgãos de controle como indevida na investigação."

Medina Osório ameaçou processar "civil e criminalmente" o UOL, caso a reportagem fosse publicada.

Defesa de Edson Torres silencia

O defensor de Helena Witzel, José Carlos Tórtima, também foi procurado, mas não retornou. Sem conseguir contato telefônico, a reportagem enviou a ele por escrito, via WhatsApp, questionamentos acerca dos pagamentos a Helena. Ele visualizou a mensagem, mas ainda não respondeu.

A defesa de Edson Torres disse que, em respeito ao sigilo do processo, não poderia comentar o caso ou responder se o empresário negocia uma colaboração premiada.

O empresário Mário Peixoto tem rejeitado suspeitas de envolvimento em negócios escusos. "Mário Peixoto não tem qualquer tipo de vínculo societário com as empresas que contrataram o escritório de advocacia da primeira-dama Helena Witzel", afirmou o advogado Alexandre Lopes.

A defesa de Gothardo Lopes não retornou os contatos da reportagem.