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Apontado como neonazista, pai da governadora interina de SC nega holocausto

Professor e escritor de artigos, José Altair Reinehr é apontado como difusor de ideias nazistas. Na foto, ele visita a casa onde Hitler nasceu. UOL entrou em contato, mas não obteve resposta - Reprodução
Professor e escritor de artigos, José Altair Reinehr é apontado como difusor de ideias nazistas. Na foto, ele visita a casa onde Hitler nasceu. UOL entrou em contato, mas não obteve resposta Imagem: Reprodução

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

30/10/2020 04h03

A governadora interina de Santa Catarina, Daniela Reinehr (sem partido), tornou-se alvo de críticas de entidades judaicas após não condenar o nazismo em sua primeira entrevista coletiva no cargo. Reinehr foi questionada sobre o tema pois seu pai, José Altair Reinehr, já defendeu Adolf Hitler e relativizou o holocausto em artigos publicados em jornais catarinenses.

O UOL entrou em contato com José Altair via redes sociais para que ele se pronunciasse. Ele não respondeu. A assessoria de imprensa de Daniela informou que não poderia levar questionamentos do UOL ao pai da governadora, que nesta quinta-feira disse ser contra o nazismo.

Fato é que Reinehr-pai é professor aposentado da rede estadual de ensino catarinense. Professor Altair trabalhou por anos na Escola de Educação Básica Nossa Senhora da Salete, na cidade de Maravilha, oeste de Santa Catarina. É em Maravilha, aliás, que Altair vive até hoje.

"Ele é uma pessoa muito bem-vista: de caráter, um bom professor, um homem muito culto", descreveu Carla Eliandra Decker, 41, ex-aluna de Altair.

Carla é hoje secretária da Escola Nossa Senhora da Salete. Disse desconhecer queixas de alunos contra Altair e sua simpatia pelo nazismo, ideologia que ela condena, mas não completamente.

"[O nazismo] causou mal a pessoas. Não é correto", afirmou. "Mas também tem certas coisas que não eram de todo ruim, né?"

"O homem não era fraco, não. Fala seis ou sete idiomas"

"Tudo depende do ponto de vista", complementou Odair Batistello, 44, diretor do Nossa Senhora da Salete ao ser perguntado sobre o nazismo. "Na época, os nazistas diziam que estavam fazendo o certo. Mas acabaram fazendo mal a quem não tinha nada a ver. É relativo."

Batistello também foi aluno de Altair na adolescência. Teve aulas de inglês com o ex-professor. Disse que ele era "enérgico" e "linha dura". Ressaltou que já "ouviu histórias" sobre sua simpatia com o nazismo.

"Tem muito diz-que-me-diz. Mas se tivesse algo concreto, estaria nos arquivos da escola. Não está", afirmou o diretor. "Agora, o homem não era fraco, não. Fala seis ou sete idiomas. Viajava muito com excursões da comunidade alemã. Era de primeira linha."

O UOL questionou a Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina sobre eventuais queixas ou processos contra José Altair Reinehr. Não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Professor disse que holocausto é "lenda"

Em 2005, Altair publicou um outro artigo em um jornal catarinense, o "A Notícia", de Joinville. Nele, o professor chamava o holocausto de lenda e negava o número de judeus mortos pelo nazismo.

A publicação foi repudiada no site da Coordenação para Combate ao Antissemitismo (CFCA, na sigla em inglês), organização que acompanha manifestações de cunho nazista em diversos países. A CFCA declarou em seu site que Altair era conhecido por ser antissemita e negacionista do holocausto.

Professor Altair também já foi membro do CNPH (Centro Nacional de Pesquisas Históricas). Odilon Caldeira Neto, professor da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e pesquisador do neofascismo e extrema direita, disse que o centro esteve ativo nas décadas de 1980 e 1990 e que buscava dar um aspecto de legitimidade historiográfica ao negacionismo.

Caldeira Neto disse que o CNPH era liderado por Siegfried Ellwanger Castan, fundador da Editora Revisão, do Rio Grande do Sul. A editora, por sua vez, publicou uma série de livros negando o holocausto.

Castan, que morreu em 2010, foi condenado em 1996 por racismo pela Justiça do Rio Grande do Sul justamente por conta dos livros publicados pela Editora Revisão. Ele chegou a recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal), mas a pena foi confirmada em 2003.

Altair Reinehr foi testemunha de defesa de Castan no julgamento em Porto Alegre. Quando foi questionado sobre os livros editados pelo colega, informou que tinha lido todos e que nunca vislumbrou qualquer resquício de racismo nas obras, nem na conduta de Castan.

Visita à casa de Hitler

Professor Altair também foi reconhecido em outras cidades do oeste de Santa Catarina. Ele chegou a ser uma espécie de articulista esporádico do "Jornal Imagem", sediado em São Miguel do Oeste e distribuído em 15 municípios da região.

Foi no Imagem que, em 2011, Altair publicou um relato de uma viagem à Europa, que incluiu uma visita à cidade natal de Hitler, Braunau am Inn, na Áustria. No texto, ele diz que o líder nazista foi incompreendido, realizou feitos inéditos governando a Alemanha e chegou a ser o estadista mais amado e popular do mundo.

"Hoje —oficialmente— é o estadista mais odiado, notadamente na Alemanha, onde é proibido 'falar bem de Hitler', publicamente. Nem é permitido lembrar obras reconhecidamente positivas", escreveu.

O texto foi ilustrado com uma foto de Altair em frente a casa em que Hitler nasceu. Nesta semana, a foto de Altair acabou ilustrando dezenas de reportagens sobre ele. O site do "Jornal Imagem" acabou saindo do ar tamanha a quantidade de acessos simultâneos. Na tarde de quinta-feira, ele já havia voltado à normalidade.