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Bolsonaro mantém apoio a Ernesto e resiste à pressão por troca no Itamaraty

O presidente Jair Bolsonaro conversa com o chancele Ernesto Araújo, no Itamaraty - MATEUS BONOMI/AGIF/ESTADÃO CONTEÚDO
O presidente Jair Bolsonaro conversa com o chancele Ernesto Araújo, no Itamaraty Imagem: MATEUS BONOMI/AGIF/ESTADÃO CONTEÚDO

Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

12/11/2020 04h00Atualizada em 12/11/2020 11h21

Se depender do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o revés de Donald Trump nos Estados Unidos não será motivo para queda do chanceler Ernesto Araújo, de acordo com auxiliares do governo ouvidos pela reportagem.

O Executivo tem sido pressionado por membros da diplomacia brasileira e estrangeira a trocar o comando do Itamaraty. O lobby conta com o endosso de militares de alto escalão, insatisfeitos com a postura com fortes características ideológicas do ministro. O mesmo tem ocorrido com o chefe da pasta do Meio Ambiente, Ricardo Salles, principalmente nos assuntos referentes à Amazônia.

O argumento apresentado pelos diplomatas, segundo o UOL apurou, é o da eventual necessidade de um "realinhamento estratégico" junto à comunidade internacional. Isso porque a política do Itamaraty, tanto na costura de parcerias comerciais como no pareamento ideológico, muito influenciada pela admiração de Bolsonaro por Trump —derrotado nas urnas pelo democrata Joe Biden.

Além disso, a imagem do Brasil no exterior foi desgastada pela crise ambiental que o país atravessa, com as queimadas na Amazônia e no Pantanal, o desmatamento em expansão e a sucessão de polêmicas criadas nos primeiros dois anos de governo Bolsonaro (a exemplo do discurso na ONU, que teve mentiras e dados imprecisos).

Essa pressão, no entanto, tem surtido até agora efeito contrário. Desde a confirmação da derrota do republicano na disputa com Biden, Bolsonaro tem manifestado nos bastidores apoio ao trabalho do chanceler.

O presidente dá crédito a Ernesto Araújo e considera meritória a aproximação entre os governos brasileiro e norte-americano nos últimos anos.

Na visão dele, o Itamaraty "fez um golaço" ao construir uma aliança forte com Trump e, pelo menos por enquanto, o fracasso da reeleição não tiraria o que o presidente chama de "brilho" do auxiliar.

Além disso, Ernesto Araújo conta com a defesa irrestrita de olavistas —como Filipe G. Martins (assessor especial da Presidência para assuntos internacionais) e dos filhos do presidente, sobretudo o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) —a quem Bolsonaro costuma dar ouvidos quando se trata de relações com os Estados Unidos e de política externa.

Procurado pelo UOL para comentar a situação de Araújo, o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), disse que qualquer mudança na Esplanada dos Ministérios cabe somente ao presidente da República.

"Não é, Ernesto?"

Um interlocutor do presidente ouvido pela reportagem acredita que a declaração de Bolsonaro de proteger a Amazônia com pólvora indica que o movimento "anti-Araújo" não deve prosperar. Pelo menos não até que a Justiça americana comece se a posicionar a respeito das denúncias de supostas fraudes no sistema eleitoral feitas por Trump.

Em evento oficial no Palácio do Planalto, na terça, Bolsonaro afirmou que, em certas ocasiões, "apenas diplomacia não dá". "Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora", completou. Entre uma frase e outra, o presidente se dirigiu a seu chanceler.

"Não é, Ernesto?".

Embora não tenha citado nominalmente Biden, Bolsonaro se referia ao presidente eleito dos EUA, a quem chamou de "candidato", que ameaçou o Brasil de sanções econômicas caso as queimadas na Amazônia e o desmatamento se perpetuem.

Ontem, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, disse que Bolsonaro utilizou um "aforismo antigo", uma "figura de retórica", que nada teria a ver com pretensões bélicas. "Ele se referiu a um aforismo antigo que tem aí que, quando acaba a diplomacia, é com os canhões. É isso que ele se referiu."

Recepção a subsecretário de Trump no Itamaraty

Outro sinal de que Bolsonaro resiste a trocar Ernesto Araújo e até mesmo Ricardo Salles, além de seguir firme no alinhamento com Trump, foi a recepção nesta terça (10), no Itamaraty, ao subsecretário de Estado dos EUA para Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente, Keith Krach.

No dia anterior, o norte-americano jantou com o ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, para discutir segurança cibernética e a implementação da rede 5G.

Como resultado dos encontros, o Ministério das Relações Exteriores anunciou o apoio do Brasil aos princípios da iniciativa Clean Network. A proposta feita pelos EUA busca limitar a influência política e comercial chinesa em redes de telecomunicações. Os leilões das radiofrequências a serem utilizadas na implementação do 5G no Brasil estão previstos para o primeiro semestre de 2021.

Mudar é necessário, diz professor

Professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília), Juliano Cortinhas disse ao UOL entender que o Brasil não tem outra alternativa a não ser mudar a sua forma de se relacionar com a comunidade internacional.

Para ele, a troca no comando do Itamaraty seria fundamental para o processo de reposicionamento. "O Brasil não tem uma política externa baseada em aliança e laços com o país Estados Unidos. O Brasil se associou ao Trump, ao conservadorismo populista que o Trump tinha, é uma questão pessoal, e não de diplomacia", afirmou.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.