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Com derrota ampla, Crivella deixará governo sem 'cuidar das pessoas'

O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos) - Gabriela Biló/Estadão Conteúdo
O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos) Imagem: Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade e Igor Mello

Do UOL, em Brasília e no Rio

30/11/2020 03h00

Em quatro anos como prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos) —derrotado ontem por Eduardo Paes (DEM)— acumulou uma série de desgastes políticos, com dois pedidos de impeachment submetidos a plenário e rejeitados pela Câmara Municipal, e contestações quanto à atuação do poder municipal e execução de políticas públicas em áreas como saúde e educação.

Crivella foi duramente criticado por erros no processo de restruturação do programa Clínicas da Família, que tem foco na atenção primária. Com a derrota, o republicano —que obteve a menor votação da história da capital em um 2º turno— ficará sem cargo público pela primeira vez em 18 anos.

Até então, o pior desempenho de um candidato no 2º turno na cidade havia sido de Sérgio Cabral, que teve a preferência de 1.055.993 eleitores em 1996, quando foi derrotado por Luiz Paulo Conde à Prefeitura do Rio. Crivella recebeu ontem 913.700 votos —rejeição alta e abstenção recorde ajudam a explicar o desempenho.

Problemas na área da saúde, expostos em reportagens e relatórios de instituições como a Defensoria Pública, tornaram-se o ponto de maior desgaste da gestão Crivella —eleito em 2016 com a promessa de "cuidar das pessoas".

O slogan chegou a sair da campanha eleitoral para se tornar um bordão oficial junto ao brasão da prefeitura, porém a Justiça vetou o intento ao decidir que isso desrespeitava o princípio da impessoalidade.

Saúde, o teto de vidro da gestão

Diferentemente do que havia prometido em 2016, Crivella promoveu cortes nas equipes envolvidas com as estratégias de saúde da família e remanejou unidades —isto é, houve moradores que deixaram de ter assistência perto de casa.

O prefeito se justificou com acusações contra o antecessor Eduardo Paes, a quem culpou por supostamente ter acelerado a implementação de Clínicas da Família de forma desordenada. Dessa forma, o poder público precisaria realizar uma restruturação.

Dados do Painel de Indicadores de Atenção Primária à Saúde, do Ministério da Saúde, mostram que o número de equipes mobilizadas com saúde da família passou de 799, em 2016, para 774, neste ano —os grupos não têm um número específico de funcionários e podem envolver vários agentes.

A estimativa de população atendida pelo conjunto de estratégias de saúde da família passou de 51,80% para 47,56%, segundo indica o painel. Já a população com acesso à atenção básica passou de 64,26% para 59,16%.

A saúde acabou sendo um dos pontos mais explorados por Paes, cuja gestão foi responsável por criar no Rio o programa das Clínicas da Família.

Crivella também descumpriu outras promessas de campanha. Uma delas foi a não-contratação de especialistas para as unidades de atenção básica —que contam apenas com médicos generalistas.

Crivella se elegeu com o discurso de que reduziria —ou até mesmo acabaria— com as filas nos hospitais e unidades de saúde.

Segundo a Agência Lupa, o tempo médio de espera nas UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e nos hospitais de emergência da cidade aumentou nos últimos quatro anos. Dados da secretaria indicam que um paciente esperava 30 minutos para ser atendido em 2017. Já em março passado, a demora chegou a 35 minutos.

Neste ano, com o governo mal avaliado, grupos de apoiadores chegaram a fazer mutirões para monitorar e intimidar o trabalho da imprensa na porta de hospitais. A ação era coordenada por meio de grupos de WhatsApp. O caso, que ficou conhecido como "Guardiões do Crivella", ainda está sob investigação.

Durante a campanha, Crivella rebateu as críticas relacionadas às políticas de saúde e enalteceu a construção de hospital de campanha destinado a pacientes com covid-19.

Situação fiscal

O mandato de Crivella, que acabará oficialmente em 31 de dezembro, também ficou marcado pelo congelamento do Tesouro no fim de 2019 —medida que suspendeu o 13º salário do funcionalismo e o pagamento de fornecedores.

O próprio Crivella admitiu em algumas oportunidades a gravidade da situação fiscal, sempre com o argumento de que teria herdado da gestão anterior um rombo nas contas públicas. Ele viajou a Brasília mais de uma vez para pedir ajuda ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e ao ministro da Economia, Paulo Guedes.

De acordo com o TCM (Tribunal de Contas do Município), o Rio fechou 2019 com um déficit recorde de R$ 4 bilhões e gastou mais do que devia com pagamento de pessoal (despesas superiores a 54% da receita).

Com os impactos econômicos causados pela pandemia do coronavírus, há expectativa de que a prefeitura acabe 2020 com um endividamento ainda maior.

Pedágio na Linha Amarela

Sem uma grande marca para apresentar como o legado de sua gestão, Crivella buscou fazer do cancelamento do contrato de concessão da Linha Amarela, importante via expressa da capital, uma das bandeiras de sua empreitada eleitoral.

À época da cisão, em 2019, o prefeito usou retroescavadeiras e mandou derrubar as cancelas que impediam a passagem de veículos sem o pagamento de pedágio —imagens exibidas nas propagandas do candidato.

Durante a campanha, Crivella visitou a Linha Amarela, distribuiu panfletos no local e prometeu cobrar uma tarifa de R$ 4,30 em apenas um dos sentidos. Antes do rompimento do acordo entre a prefeitura e a concessionária Lamsa, o valor do pedágio era de R$ 7,50 na ida e na volta.