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Empresário confirma entrega de R$ 980 mil a Witzel e propina a secretário

O governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC) - Wilton Júnior/Estadão Conteúdo
O governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC) Imagem: Wilton Júnior/Estadão Conteúdo

Gabriel Sabóia

Do UOL, no Rio

13/01/2021 12h36

O empresário Edson Torres afirmou que pagava propina ao ex-secretário de Saúde do governo de Wilson Witzel (PSC) Edmar Santos em troca de contratos com o governo. Em depoimento hoje ao Tribunal Misto que julga o processo de impeachment contra Witzel, Torres também confirmou ter repassado R$ 980 mil a Witzel em 2018. Segundo ele, o valor foi entregue em parcelas a aliados do governador afastado —em uma das entregas, o próprio Witzel estava presente.

O valor seria uma espécie de "bônus" para assegurar a estabilidade financeira de Witzel, que largou a magistratura para se lançar na política. Edson Torres chamou hoje o valor de "caixa de subsistência". Questionado durante a oitiva, ele disse ter provas da entrega do dinheiro —extratos bancários e contas pagas referentes à campanha de Witzel.

A relação de Torres com o ex-secretário teria começado quando Edmar Santos ocupava o cargo de diretor do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Torres era proprietário da empresa de segurança Dinâmica, que prestava serviços à universidade e a outros órgãos estaduais.

Segundo o empresário, o contato com Edmar Santos se tornou mais frequente depois que este assumiu o comando da pasta da Saúde.

"A minha relação política com Edmar cresceu durante o governo de Witzel. Eu fui procurado por uma pessoa a mando dele, sobre as empresas da minha família para pagar uma comissão àqueles contratos que eu executava. Eu paguei vantagens indevidas durante a gestão do Edmar Santos", reconheceu.

Fraude movimentou R$ 50 mi na Saúde, diz empresário

No depoimento ao Tribunal Misto, Torres explicou como era feita a partilha dos valores oriundos de propina pagos à Secretaria de Saúde.

"Algumas OSs (Organizações Sociais) faziam pagamentos e quem cuidava da arrecadação dividia proporcionalmente. Entre 2019 até maio ou junho de 2020, dos 100% arrecadados, 15% ficavam comigo, 15% com o [empresário] Vitor Hugo, 30% ficavam com o secretário Edmar e 40% iam para o [Pastor] Everaldo e para a estrutura de governo."

Segundo Torres, o esquema teria movimentado entre R$ 50 milhões e R$ 55 milhões no período citado. As organizações sociais pagavam percentuais que giravam entre 3% e 6% do valor final dos contratos.

Questionado se parte da propina iria para Witzel, Torres disse não ter condições de responder.

O empresário disse que os primeiros valores pagos ao grupo políticos foram repassados no ano eleitoral, tendo começado quando Witzel ainda era juiz federal.

Conheci o Witzel quando ele era postulante a ser candidato a governador. Tivemos uma reunião sobre as necessidades de recursos para estruturar a campanha política. Participei dessa ajuda financeira para viabilizar a campanha. Fizemos um caixa de subsistência. O valor era de R$ 980 mil.

"Foram pagas várias parcelas, uma delas entregue a Lucas Tristão [ex-secretário de Desenvolvimento Econômico, conhecido como braço direito de Witzel]. O Pastor Everaldo também recebeu. Uma dessas parcelas que entreguei foi na sala em que estava presente o próprio Witzel. Estávamos na sala nós três: eu, o Everaldo e Witzel", completou o empresário.

O empresário, que era prestador de serviços ao governo, afirmou que chegava a interferir na escolha de membros de alto escalão do governo.

"Diante da minha relação de amizade com o [Pastor] Everaldo, participei de ajuda em escolhas do governo. O próprio Edmar Santos. Ele me procurou no final de outubro [de 2018], por meio de uma pessoa próxima e fizemos uma reunião. Ele queria ser diretor do Pedro Ernesto, posteriormente reitor da Uerj e deputado. Ele pediu para encaminhar um currículo ao governador, me pediu a indicação política. O governador entendeu que ele era a pessoa ideal para ser secretário, pelo bom currículo", detalhou.

Braço direito do Pastor Everaldo

Edson Torres é informalmente conhecido como o "braço direito do Pastor Everaldo", ex-presidente nacional do partido de Witzel. A relação entre eles teria começado em 1998, de acordo com o MPF.

Torres e Everaldo foram presos na Operação Tris in Idem, que apura corrupção na área da saúde do estado, em 28 de agosto do ano passado. Edson foi liberado após o fim da prisão temporária. Everaldo segue preso preventivamente.

Witzel teria sido escolhido para dar "novo rosto ao grupo político". A cooptação de Witzel para fazer parte da organização criminosa teria se iniciado em 2017. O MPF teve acesso a um registro feito na agenda de Witzel, que comprovaria o encontro dele com Edson Torres e com o Pastor Everaldo em 2017.

De acordo com o MPF, Witzel passou a encabeçar a organização criminosa depois de eleito, recebendo vantagens ilícitas e lavando dinheiro.

Outro lado

Desde o início do processo de impeachment, Witzel —que ainda não prestou depoimento ao Tribunal Misto— nega a participação em irregularidades e se diz vítima de uma perseguição política. Ele também nega o recebimento de valores e considera as afirmações "fantasiosas".

Procurada pelo UOL, a defesa de Edmar Santos disse que não se manifestará sobre as acusações de Edson Torres.

Em depoimento ao Tribunal Misto, Pastor Everaldo chorou, pediu clemência e limitou-se a dizer de forma lacônica: "Nunca recebi R$ 15 mil ou qualquer dinheiro do governador Witzel".

Lucas Tristão também negou ao Tribunal Misto a participação em fraudes contratuais durante a pandemia do coronavírus.