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'A China precisa da gente', diz Bolsonaro sobre negociação por vacinas

Gilvan Marques e Letícia Lázaro

Do UOL, em São Paulo

21/01/2021 18h48Atualizada em 21/01/2021 22h10

Após atraso na importação de insumos e vacinas contra a covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) rechaçou a ideia de ter minado relacionamentos do Brasil com outros países e elogiou a diplomacia que seu governo mantém com a China e a Índia.

"O pessoal fala 'o Brasil precisa da China', mas a China também precisa da gente. Ou você acha que a China está comprando soja para jogar fora? Compra produto do campo para jogar fora? Compra porque precisa. La está chegando na casa de 1 bilhão e 400 milhões de habitantes e é uma população que cada vez mais se torna urbana. Agora, a relação entre países... Qualquer país do mundo, existe interesse. Não existe amor. Qualquer país no mundo tem interesse, fazer negócio. E a China tem interesse no Brasil", declarou Bolsonaro, durante live realizada hoje nas redes sociais.

"A questão da China, mesma coisa. Os números não mentem. Os números da nossa balança comercial —que nós vendemos— de 2019 foi maior que 2018. A de 2020 foi melhor que 2019. Alguns querem que eu fale 'conversei com o Xi Jinping', mas eu não sou esse cara de falar e correr para imprensa, não vou, muita coisa é reservada. Muita coisa essa semana foi tratada de forma reservada, como recebemos o embaixador da Índia", acrescentou.

O presidente também comentou sobre a negociação com a Índia para a importação de 2 milhões de doses da vacina AstraZeneca/Universidade de Oxford e apontou problemas "burocráticos", e não "políticos", para explicar o atraso na liberação das vacinas.

"O interesse que o mundo tem no Brasil, e nós temos na Índia. Um excelente relacionamento. O [jornalista William] Bonner vem mentir no Jornal Nacional, com aquela cara de pastel, dizendo que eu minei esse relacionamento", afirmou Bolsonaro, durante live realizada nas redes sociais. "O problema, como o próprio embaixador disse, é burocrático, não é nada politico. (...) A nossa política externa é excepcional", acrescentou.

"Brasil de castigo"

Segundo publicou hoje o blog da Carla Araújo, a avaliação feita por empresários acostumados à rotina de negociação com os asiáticos é de que a China colocou o Brasil "de castigo", ou no "canto do pensamento", ao atrasar a entrega dos IFAs (Ingrediente Farmacêutico ativo) que serão usados para a fabricação tanto da CoronaVac/Butantan como da Oxford/AstraZeneca. A ideia seria sensibilizar o governo brasileiro de que declarações extremistas e agressivas contra os chineses podem ter consequências graves para as duas economias.

A expectativa do empresariado brasileiro é que, assim como o presidente Jair Bolsonaro está tendo que ajustar o discurso em relação às vacinas, o mesmo terá que acontecer na postura do 5G.

Na avaliação do diplomata Marcos Caramuru de Paiva, que esteve à frente da Embaixada do Brasil na China de 2016 a 2018 e é sócio e gestor da KEMU Consultoria, a situação atual mostra a importância de uma postura mais madura por parte do Brasil.

"Todo esse episódio mostra que temos que buscar sempre um diálogo sério e amadurecido com os países e seus representantes", afirmou à coluna. Questionado se essa mudança de postura também deve acontecer em relação ao 5G, Caramuru disse: "Espero que sim". Desde o ano passado, Caramuru atua como embaixador da plataforma de atração de investimentos de Xangai, na China, a InvestShanghai.

Integrantes do governo do presidente Jair Bolsonaro, como o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, são autores de ataques recorrentes ao governo da China. Filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que também é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, chegou a dizer que a "ditadura chinesa" é responsável pela pandemia e indicou o Partido Comunista da China como "inimigo da liberdade".

Como resposta aos ataques, a Embaixada da China no Brasil protestou em novembro ao Itamaraty e acusou Eduardo Bolsonaro de realizar declarações "infames" e de colocar em risco a relação entre os dois países.

Atraso na importação de vacinas

Iniciada na segunda-feira, a vacinação contra a covid-19 no Brasil pode ser interrompida em pouco tempo por dificuldades na importação de imunizantes prontos e de matéria-prima para a produção. O programa começou com 6 milhões de doses da Coronavac, importadas da China, cujo uso emergencial foi autorizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Outras 2 milhões de doses prontas da vacina Oxford/AstraZeneca, também tiveram o uso aprovado. Produzidas pelo laboratório Serum, da Índia, essas doses devem chegar somente amanhã, depois de alguns dias de atraso. O governo brasileiro chegou a preparar um avião na semana passada para buscar o imunizante, mas o país asiático negou a liberação imediata.

O Instituto Butantan ainda aguarda a chegada do chamado insumo farmacêutico ativo, o princípio ativo da vacina, que também vem da China, para poder fabricar mais doses da CoronaVac.

Já a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) também aguarda o envio pela China de insumos para produzir as primeiras doses da vacina Oxford/AstraZeneca no Brasil. No entanto, o atraso na entrega deve adiar de fevereiro para março o início da fabricação.