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Bolsonarismo legitima atitudes autoritárias como as de Daniel Silveira

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em viagem com o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) - Reprodução/Facebook Daniel Silveira
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em viagem com o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) Imagem: Reprodução/Facebook Daniel Silveira

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

21/02/2021 04h00

Quando foi preso por publicar um vídeo que pedia "uma surra" nos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) ficou ainda mais revoltado. Fez novas ofensas em live no momento da prisão, foi ao IML (Instituto Médico Legal) sem máscara e ainda ofendeu a policial que pediu que ele a vestisse. Por 364 a 130 votos, a Câmara decidiu na sexta (19) manter sua prisão.

Este comportamento agressivo não é exclusivo a Silveira. Para especialistas de diferentes áreas ouvidos pelo UOL, esse tipo de posicionamento que tende ao autoritário é sintoma de uma tendência de grupos que têm como modus operandi transgredir regras que visam o bem comum e se apoiar em ações antidemocráticas para tentar atingir seus objetivos.

É um movimento antigo e global que, no Brasil, encontrou morada na figura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e no bolsonarismo para se legitimar.

Em vez das vias democráticas, o confronto

Como deputado eleito, Silveira poderia ter usado o parlamento para criticar o STF ou, como qualquer cidadão, ter recorrido ao Senado Federal para requerer um impeachment de algum ministro — desde que tivesse justificativa legal. Em vez disso, decidiu ir às redes sociais insuflar a violência contra a Corte.

Há um movimento do autoritarismo brasileiro que está muito mais explícito agora, com um apoio, por uma parcela da população, do rompimento de determinados ritos democráticos. É a parcela que defende o acirramento da violência na atividade política. O STF tem sido alvo desse grupo, do bolsonarismo, porque não tem atendido aos seus desejos. Eles avaliam que o STF só funciona quando acata a esses desejos. Ele [Silveira] é um sintoma disso, não a causa."
Cristiano Rodrigues, professor de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

"Ele [Silveira] representa o pensamento de pessoas que querem mudar as coisas na porrada, na violência", concorda o advogado eleitoral Albero Rollo, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em direito público. "Ele tem o direito de requerer que o [ministro do STF Edson] Fachin sofra impeachment pelo Senado, é o caminho normal, legal. Mas ele não quer isso, quer que o Fachin leve uma surra, como já fez em outras declarações violentas."

Daniel Silveira, quando candidato em 2018,quebrou placa com o nome da ex-vereadora assassinada Marielle Franco - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Daniel Silveira, quando candidato em 2018,quebrou placa com o nome da ex-vereadora assassinada Marielle Franco
Imagem: Reprodução/Twitter

Bolsonaro como legitimador

Segundo a antropóloga Adriana Dias, discursos autoritários não são novidade no Brasil e têm se mostrado uma tendência global, mas, aqui, houve uma "explosão de comportamento fascista" desde 2018 e a transgressão ganhou contornos institucionais graças a ações e declarações de Bolsonaro como presidente. Professora da Unicamp (Universidade de Campinas), Adriana mapeia grupos neonazistas e estuda fascismo no Brasil há quase 20 anos.

Os dados mostram que, sempre que o Bolsonaro falava, o comportamento fascista na internet crescia muito. Desde que assumiu, houve um aumento exponencial. O presidente é um legitimador [do discurso violento] porque o está institucionalizando. No sistema burocrata, precisamos de carimbo para tudo. Digamos que ele sancionou, com a sua postura presidencial, esse comportamento. As pessoas se sentem protegidas."
Adriana Dias, antropóloga da Unicamp

O sociólogo e cientista político Rodrigo Prando, professor do Mackenzie, também avalia que a "expressão na liderança política" faz com que cidadãos se sintam estimulados a transgredir as regras e usem de violência, como fizeram apoiadores do próprio Silveira nesta semana, ou questionem a democracia.

Em diversos momentos, o próprio presidente Bolsonaro criticou o STF e questionou o resultado das eleições que venceu em 2018, sem apresentar provas, colocando em xeque a licitude do pleito.

"Se você tem, na figura do presidente, um líder que participa de atos antidemocráticos, que usa das prerrogativas do cargo para se expressar sem dar o devido reconhecimento aos outros Poderes, tudo isso reflete no cidadão comum. Nas atitudes, na agressividade, no desprezo pelo uso da máscara, nas aglomerações", exemplifica Prando.

O presidente Jair Bolsonaro faz um sinal de arma com as mãos, que ele usou durante a campanha, ao desfilar em carro aberto durante a posse, em Brasília - Andressa Anholete/FramePhoto/Estadão Conteúdo - Andressa Anholete/FramePhoto/Estadão Conteúdo
O presidente Jair Bolsonaro faz um sinal de arma com as mãos ao desfilar em carro aberto durante a posse, em Brasília
Imagem: Andressa Anholete/FramePhoto/Estadão Conteúdo

"Deputado federal, e aí?"

Detido, Silveira ainda se recusou a colocar a máscara e ofendeu uma policial, como se não tivesse de aderir a regras comuns. Na sede da Polícia Federal, onde ele está preso, apoiadores tiveram comportamento semelhante, debochando do uso de protetores e atacando a imprensa. É o que o colunista do UOL e psicanalista Christian Dunker, da USP (Universidade de São Paulo), avalia como inerente a um grupo que se acha "moralmente superior".

A sociedade brasileira vive um momento de tensão, de politização da radicalização. Não é só nas redes sociais. Uma pessoa que produz provas contra si está apostando nessa face do bolsonarismo que politiza pela transgressão, pela desobediência ao comum, à polis, ao que interessa a todos. Ele está dizendo: 'Vamos formar uma corporação dos que se acham especiais, escolhidos, moralmente superiores'. Isso é muito tentador."
Christian Dunker, psicanalista da USP

"Com características narcisistas, ele se achava acima de todos, tenta reagir à prisão de forma violenta. Não é só ele. Muitas pessoas assumiram lugares de poder e reagiram [dessa forma] no seu mundo social", concorda Dias, que lembra de casos como o do desembargador que se recusou a colocar a máscara no litoral paulista, no ano passado.

No fundo, não é o deputado quem vai pagar a conta, é a pessoa desprotegida. Isso distribui país afora atos de uma humilhação social para validação do poder. Eu passo por cima das regras porque tenho os meios. Então, quem tiver os meios vai fazer isso também."
Christian Dunker, psicanalista da USP

Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei

O episódio também dá luz, argumentam os analistas, a um comportamento de dois pesos e duas medidas. Ao afrontar o STF, mas apelar à Constituição quando preso, Silveira indica que a lei "só serve quando lhe convém", dizem.

Ele não pode usar uma garantia constitucional [a imunidade parlamentar] para fazer o que bem entende. Como deputado, ele jura proteger a Constituição, defender democracia -- e a agride. Por isso, foi preso. Ele reclama que os ministro do STF são 'reis absolutos', mas justamente o que mostrou com esse comportamento é que também se acha assim. Ele não se vestiu da roupa de deputado ao gravar o vídeo, mas queria a imunidade. Logo, usa o mandato quando interessa."
Alberto Rollo, professor de Direito Eleitoral do Mackenzie

É o que Rodrigues chama de "democracia iliberal", frequentemente presente no discurso de Bolsonaro e da sua base, como a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF). "Eles ascendem à política institucional por conta dos ritos liberais representativos [eleições]. Uma vez lá, eles começam a agir contra o rito que os elegeu, dizendo, por exemplo, que a votação foi roubada. A lógica é destruir a crença das pessoas nas instituições para, quem sabe, toma-las pra si", afirma o professor da UFMG.