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Nomeação de militar para a Defesa por Temer abriu brecha para atual crise

Edson Leal Pujol e Fernando Azevedo e Silva - Valter Campanato/Agência Brasil
Edson Leal Pujol e Fernando Azevedo e Silva Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil

Guilherme Castellar

Colaboração para o UOL, do Rio

02/04/2021 04h00

A reunião em que ex-presidente militar Ernesto Geisel demitiu o então ministro do Exército, Sylvio Frota, em 1977, durou 5 minutos, segundo narra o jornalista Elio Gaspari no livro "A Ditadura Encurralada" (Intrínseca, 2014).

Mais de 40 anos depois, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) precisou de menos tempo, 3 minutos, segundo relatos, para exonerar o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, na segunda-feira (29), e disparar uma crise inédita entre o Executivo e os militares.

No dia seguinte, os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica também foram demitidos já pelo novo ministro, general Walter Braga Neto. É a primeira vez na História do Brasil que toda a cúpula militar é afastada de uma só vez.

Em comum nas duas crises no alto comando militar está o papel das Forças Armadas na democracia brasileira. Em 1977, a canetada de Geisel selou o futuro da ditadura, já que Frota representava a linha dura dos quartéis que não queria devolver o poder aos civis — abertura que Geisel ensaiava.

Hoje, a República vive um momento incomum, em que as Forças Armadas e mais de 6 mil militares passaram a ocupar cargos no governo federal pela via democrática, com a eleição do ex-capitão Bolsonaro.

Para especialistas na relação civil-militar ouvidos pelo UOL, a crise atual é consequência da politização da caserna e da militarização da política.

A começar pela ocupação por um militar de uma pasta tradicionalmente civil — o Ministério da Defesa foi criado em 1999 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e só passou a ser ocupado por oficiais no governo de Michel Temer (MDB).

"Se fosse a demissão de um ministro civil, não haveria essa solidariedade dos comandantes das Forças e nem essa discussão toda", avalia Ana Penido, pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Ao integrar o governo, os militares estão sujeitos ao estresse do jogo político. Para Adriana Marques, professora do curso de Defesa e Gestão Estratégia Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os militares foram ocupando cargos no governo com a narrativa de que eram técnicos, eficientes e incorruptíveis.

"Mas esse discurso começou a vir por terra com o advento da pandemia e com a gestão do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde", avalia Marques. "Os oficiais, que estavam lá para serem os moderadores, começam a ser questionados."

O casamento entre Bolsonaro e as Forças Armadas passou da fase de rotina para a em que um dos cônjuges começa a cobrar mudanças. Até então, era benéfico para os dois: os militares fechavam os olhos aos arroubos autoritários do presidente, enquanto tinham todas as suas demandas atendidas [orçamento, previdência etc.]."
Adriana Marques, professora da UFRJ

Com a queda de popularidade, o presidente passou a exigir, em vão, manifestações políticas mais estridentes do ministro da Defesa e do comandante do Exército, Edson Pujol. Discretos, ambos resistiram à pressão. Bolsonaro teria se irritado quando Pujol não se posicionou contra (Supremo Tribunal Federal) sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Também não teria engolido a recusa de Silva para pressionar o Congresso e aprovar um estado de defesa.

No mesmo dia da demissão do ministro, o deputado líder do PSL na Câmara dos Deputados, Major Vitor Hugo, pediu a apreciação do Projeto de Lei 1074/2021, que permitiria a decretação da Mobilização Nacional em situação de emergência de saúde pública. O pedido, que daria a Bolsonaro o comando das polícias, foi rejeitado.

Na sua nota de despedida, Silva não negou a existência da pressão autoritária por parte do governo. "Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado", escreveu. A professora da UFRJ lembra que "houve momentos em que o ministro da Defesa teve que lançar nota semanalmente dizendo que não havia risco de golpe de Estado".

No entanto, apesar do estardalhaço das demissões, as cientistas políticas ainda não enxergam na crise atual sinais de ruptura entre Forças Armadas e governo federal.

Na opinião de Marques, a dança das cadeiras para atender ao centrão também influiu na demissão de Silva. Para alocar a deputada-federal Flavia Arruda (PL-DF) na Secretaria de Governo, Bolsonaro tirou de lá o general Luiz Eduardo Ramos e mandou para a Casa Civil, onde estava o general Braga Neto — novo ministro da Defesa. "Ele não ia dispensar nem o Braga Neto nem o Ramos, que considera muito leais"

Para Penido, a troca do ministro da Defesa é mais uma faxina interna. "O presidente fez uma arrumação de casa diante de um cenário político nada positivo", avalia. Isso não quer dizer que essa crise não possa representar um ponto de inflexão futura.

Não acho que as Forças Armadas vão deixar de ser bolsonaristas. Esse casamento vai seguir forte, pelo visto. Mas se eles tiverem que escolher entre a 'família militar' e o presidente, sem dúvida vão sempre escolher a família."
Ana Penido, pesquisadora da Unesp

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