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Barra Torres nega que falas de Bolsonaro afetem chegada de insumos da China

Rayanne Albuquerque, Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

11/05/2021 11h19Atualizada em 11/05/2021 15h29

O diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres, declarou hoje, em depoimento à CPI da Covid, que não existe "informação de nexo causal" entre as teorias do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre haver uma "guerra química".

Segundo o dirigente, não há problemas com os medicamentos, insumos ou vacinas de origem chinesa.

A resposta foi dada depois de um questionamento do relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), que citou declarações de Bolsonaro sobre a China. De acordo com Barra Torres, a única dificuldade que o Brasil enfrentou com o país oriental foi a demora da entrega do IFA (Insumo Farmacêutico Ativo).

No mundo, hoje em dia há dois países que detém a primazia de insumos, um deles é a Índia e o outro, a China. Esses países acabam influenciando em um percentual com certeza maior que 50% da produção de medicamentos no mundo. De fato, durante a pandemia observamos essas dificuldades, momentos em que o IFA demora um pouco mais a chegar
Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa

Momentos após jurar dizer a verdade diante da comissão, Barra Torres prestou "profundo reconhecimento" aos servidores concursados da Anvisa no "trabalho incansável" de estender resoluções para o atual cenário do país.

O diretor da Anvisa disse ainda que a agência é sempre pautada na "transparência e na publicidade dos seus atos".

Barra Torres também buscou minimizar a repercussão da negativa da Anvisa ao pedido do Ministério da Saúde para importar doses da Covaxin, vacina contra Covid-19 do laboratório indiano Bharat Biotech. Na visão dele, isso não significaria que a o imunizante seja de má qualidade, mas que há pendências a serem resolvidas.

Barra Torres afirmou que seu empenho é para que as pessoas "briguem para se vacinar" e convencer a maior parcela possível a buscar a vacinação "a todo custo".

Ele disse não acreditar que uma eventual obrigatoriedade tenha efeitos práticos, pois "sempre vai haver algum escapismo para isso", mas acreditar no convencimento por meio de campanhas de informação, por exemplo.

Indignação ao ouvir proposta para mudar bula da cloroquina

Barra Torres confirmou que houve uma reunião no Palácio do Planalto, no ano passado, em que foi discutida uma mudança na bula da cloroquina para que seu uso no tratamento da covid-19 passasse a constar no papel.

A discussão havia sido mencionada pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que citou ter visto inclusive um papel "não timbrado" que propunha essa mudança. O medicamento não tem eficácia comprovada para combater a doença.

Assim como Mandetta havia falado à CPI, Barra Torres afirmou ter rechaçado a ideia.

O dirigente da Anvisa explicou que bulas de medicamentos só podem ser modificadas a pedido das empresas detentoras do registro e, mesmo assim, depois de cumprir várias etapas de análises e apresentar um "pesado dossiê". A alteração seria de competência do órgão regulador do país no qual o medicamento foi registrado.

Barra Torres afirmou não saber quem foi o autor da ideia, mas disse que a médica imunologista Nise Yamaguchi parecia "mobilizada". A médica é defensora do uso da cloroquina contra o novo coronavírus e tem atuado desde o início da pandemia como uma espécie de conselheira informal ao Palácio do Planalto.

Segundo Barra Torres, ao ouvir comentário de Yamaguchi sobre o documento, ele reagiu de forma "até um pouco deseducada e deselegante".

"Quando houve uma proposta de uma pessoa física fazer isso, isso me causou uma reação um pouco mais brusca. Eu disse: 'Olha, isso não tem cabimento, isso não pode'", declarou, enfatizando ter ficado indignado com a sugestão. A reunião teria sido encerrada logo depois.

Até o presente momento, no mundo todo, os estudos apontam a não eficácia comprovada [da cloroquina] em estudos ortodoxamente regulados, ou seja, placebos controlados, duplo-cego e randomizados. Então, até o momento, as informações vão contra a possibilidade do uso na covid-19
Antonio Barra Torres, diretor-presidente da Anvisa

Ele negou que a Anvisa tenha aprovado um protocolo de uso da cloroquina para tratamento de pacientes com covid-19, especialmente off label, termo em inglês relativo à prescrição médica de um remédio para uso diferente do que indica a bula.

Contra a indicação de "tratamento precoce"

Barra Torres ainda se colocou contra a indicação de "tratamento precoce", amplamente defendido por Jair Bolsonaro (sem partido) e, por meses, pelo Ministério da Saúde. Ele disse procurar se "manter completamente fora" de qualquer conversa sobre o tema com o presidente da República.

O chefe da Anvisa defendeu a testagem e o diagnóstico precoce, junto ao tratamento de sintomas sentidos pelo paciente, sem incluir a cloroquina.

Senadores do PT querem reconvocar Queiroga

No início da sessão, o senador Humberto Costa (PT-PE) anunciou ter apresentado um requerimento de reconvocação do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que falou à CPI na última quinta-feira (6). A iniciativa conta com o apoio do senador Rogério Carvalho (PT-SE).

Ele avaliou que o ministro foi "lacônico" em diversos pontos e o depoimento, até "contraditório", como quanto à promoção do uso da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19.

O governista Marcos Rogério (DEM-RO) se colocou contra a possibilidade e avaliou parecer haver um "movimento muito claro", por parte da oposição, de focar a investigação no governo federal, além de tentar "blindar" prefeitos e governadores.

Não há previsão de o requerimento ser votado. O pedido precisa ser aprovado para que Queiroga seja chamado a prestar novos esclarecimentos.

Barra Torres é parabenizado por presidente da CPI

As falas de Barra Torres sobre a necessidade de isolamento social, sempre que possível, o estímulo à vacinação e contra aglomerações foram elogiadas por senadores tidos como independentes, como o próprio presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).

"Parabéns porque vossa excelência aqui, hoje, passa para o Brasil o que a ciência pensa. Está certo? Isso é importante, independente da formação ou não. O senhor tem uma formação militar de hierarquia, de disciplina, mas, acima de tudo - foi o que eu disse para o ministro Queiroga aqui -, o cargo passa, mas a sua profissão vai continuar", disse Aziz.

*Com a colaboração de Ana Carla Bermúdez

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.