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Como combater a mentira na CPI da Covid? Colunistas do UOL opinam

19.mai.2021 - Ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello durante o depoimento à CPI da Covid, no Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
19.mai.2021 - Ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello durante o depoimento à CPI da Covid, no Senado Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Do UOL, em São Paulo

19/05/2021 18h55

O depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello hoje à CPI da Covid foi cheio de mentiras e contradições.

O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), disse inclusive que vai juntar essas mentiras no documento final. "Nós mandaremos [o documento] para o Ministério Público para processar essas pessoas e, se for o caso, condenar", afirmou o senador. A colunista Carla Araújo chamou de afronta o general falar em missão cumprida.

Na semana passada, Fábio Wajngarten, ex-chefe da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República), já havia recebido uma ameaça de prisão durante a Comissão Parlamentar de Inquérito pelo mesmo motivo.

Colunistas do UOL opinam sobre como não desmoralizar os trabalhos da CPI quando os investigados mentem e como combater essas atitudes.

Uma das ideias propostas por Leonardo Sakamoto, Olga Curado, Diogo Schelp e Thaís Oyama é ter uma agência de checagem de informações, como sugeriu Renan ao final da sessão, medida elogiada por Cristina Tardáguila.

"A CPI precisa de estrutura técnica para lidar com mentiras e negacionismo de depoentes. A abordagem política nas perguntas gera confronto de versões. Isso que nem sempre facilita a percepção de que um depoente está mentindo. Vira debate e fica na esfera da disputa política e ideológica. Portanto, utilizar agência de checagem parece ser um caminho necessário para que a CPI não fique no disse-me-disse", afirma Olga Curado.

Mentir, negar o óbvio e fazer malabarismo verbal para encobrir fatos correspondem a tratar a população, não apenas os senadores e senadoras, como idiotas.
Olga Curado, colunista do UOL

Oyama concorda: "Senadores têm, em média, 20 assessores por gabinete. No ano passado, os contribuintes pagaram em torno de R$ 350 mil pela folha de pagamento de cada gabinete. Se cada senador cedesse um assessor capacitado para checar a veracidade do que dizem os depoentes, as contradições, imprecisões e mentiras seriam reveladas praticamente em tempo real".

A partir daí, bastaria fazer cumprir a lei. Depoente que prestou juramento e é pego na mentira vai para a cadeia.
Thaís Oyama, colunista do UOL

Para Schelp, "muitas das mentiras contadas pelos depoentes na CPI passam quase despercebidas". "Numa forma de evitar que isso faça da comissão uma batalha de narrativas, seria útil ter uma equipe de assessores parlamentares que se dedicasse a fazer uma checagem em tempo real do que é dito pelas testemunhas com base em declarações públicas, postagens em redes sociais e documentos."

Ao final do depoimento, o relator poderia ler a lista de mentiras e contradições diante do depoente e, se for o caso, dar o encaminhamento legal pertinente.
Diogo Schelp, colunista do UOL

Para Tales Faria, o principal fator para desmoralizar CPIs é "ampliar seu foco para atingir um leque muito amplo de políticos. Aí eles acabam entrando em acordo e transformam a CPI em pizza".

É a estratégia dos senadores governistas no caso da CPI da Covid, pedida pela oposição para investigar a má gestão da pandemia pelo governo federal: juntaram um requerimento pedindo a investigação de todos os governos estaduais e municipais. Com isso, pode-se espalhar temor por todos os lados e acabar forçando um acordo ara melar o jogo.
Tales Faria, colunista do UOL

"A outra estratégia está sendo a de tentar desmoralizar o comando da CPI, especialmente o relator, Renan Calheiros (MDB-AL). De fato se ele se deixar cair na armadilha, poderá levar junto a CPI para o fundo do poço. Mas Renan é uma velha raposa da política. Tem experiência suficiente para se esquivar de armações", opina.

"O general Eduardo 'Rolando Lero' Pazuello disse que não deixaria pergunta sem resposta na CPI da Pandemia. Para tanto, adotou duas estratégias: mentir e enrolar. Para proteger Bolsonaro e a si mesmo, contou um rosário de mentiras que podem desmoralizar a investigação. A declaração do presidente Omar Aziz (PSD-AM) no depoimento de Fabio Wajngarten, de que não quer prender ninguém, pode ter sido encarado como um salvo-conduto", afirma Sakamoto.

Não acho que a melhor saída seja o encarceramento de depoentes, mas alguma sanção precisa ocorrer.
Leonardo Sakamoto, colunista do UOL

Para Josias de Souza, "os depoentes que se dispõem a blindar Bolsonaro operam num mundo com duas verdades: a que convém ao governo e a verdadeira". "Não é concebível que os integrantes da CPI, sobretudo a cúpula da comissão, não consiga se equipar para desmontar as lorotas."

Quando a inverdade é apanhada na hora, vira uma mentira deslavada. Um dia depois, submetida à fricção das redes sociais, talvez seja considerada apenas uma outra faceta da verdade. Uma semana mais tarde, já ninguém mais distinguirá a olho nu a falsidade da realidade. Permitir que os mentirosos prevaleçam num depoimento é um flerte com a desmoralização.
Josias de Souza, colunista do UOL

Alencar ressaltou uma "estratégia Chacrinha", que dizia "eu vim para confundir e não para explicar".

"Quando o relator da CPI lembrou que Bolsonaro o desautorizara publicamente a comprar a CoronaVac, inclusive com postagem na internet, Pazuello disse que mensagem em rede social não era ordem para ele e ponto. Segundo Pazuello, não vale o que Bolsonaro escreve nas redes sociais, só o que diz diretamente aos ministros.

Uma coisa é se calar para não se incriminar, um direito constitucional. Outra coisa é dar falso testemunho. Mentir na cara dura e não acontecer nada é muito ruim para a CPI.
Kennedy Alencar, colunista do UOL

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.