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CPI: Especialistas exaltam máscara e criticam cloroquina e vacinação lenta

Thaís Augusto, Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em São Paulo e em Brasília*

11/06/2021 04h00Atualizada em 11/06/2021 17h57

Convidados à CPI da Covid hoje na condição de especialistas, a microbiologista Natalia Pasternak e o médico sanitarista Claudio Maierovitch exaltaram a continuidade do uso de máscaras e fizeram críticas à condução da pandemia no Brasil por parte do Ministério da Saúde.

Durante os questionamentos de senadores, a dupla explicou cientificamente a ineficácia da cloroquina, que foi comparada à "pílula do câncer", apontaram "negacionismo" de autoridades e disseram considerar que o ritmo da vacinação contra a covid-19 no país é lento.

O tema mais comum aos dois depoentes foi o polêmico debate sobre o incentivo do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao uso de cloroquina e hidroxicloroquina, remédios que não servem para a covid-19, de acordo com as evidências científicas até o momento.

Além dos medicamentos feitos com cloroquina, o governo já investiu em pesquisas quanto ao uso de nitazoxanida —substância que também se revelou ineficaz e foi abandonada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Outros fármacos como ivermectina e azitromicina também fazem parte do chamado "kit covid".

"Esses medicamentos não servem para covid-19 de acordo com as evidências científicas coletadas até agora", declarou Natalia Pasternak.

No caso da cloroquina, infelizmente, ela nunca teve plausibilidade biológica para funcionar. O caminho pela qual ela bloqueia a entrada do vírus na célula só funciona em vitro, em tubo de ensaio porque nas células do trato respiratório o caminho é outro."
Natalia Pasternak, microbiologista

Ela ainda disse que a cloroquina só não foi testada em emas "porque as emas fugiram", em referência indireta ao episódio em que Bolsonaro mostrou uma caixa do remédio para os animais no Palácio da Alvorada, que se afastaram dele.

11.jun.2021 - A cientista Natalia Pasternak hoje CPI da Covid, nesta sexta-feira (11) - WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO - WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
11.jun.2021 - A cientista Natalia Pasternak hoje CPI da Covid, nesta sexta-feira (11)
Imagem: WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Maierovitch lembrou que já houve no Brasil clamor popular para o uso de uma substância sem eficácia comprovada para o combate ao câncer. Um projeto de lei, do então deputado federal Jair Bolsonaro —ele esteve no Congresso por quase 30 anos antes de se eleger presidente—, foi aprovado para obrigar o governo a fornecer a fosfoetanolamina sintética, ou pílula do câncer.

"Vivemos no Brasil há poucos anos uma memória triste. Foi crescendo um clamor difuso na sociedade nessa fase que vivemos com grande circulação de informações e fake news, inclusive nas redes sociais, e acabou sendo aprovado um projeto de lei do então deputado Jair Bolsonaro", afirmou ele.

"A fosfoetanolamina para câncer não era sequer um medicamento, era uma substância produzida em laboratório da USP São Carlos. Depois, se provou não ser um medicamento e a lei foi derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que achou que não cabia lei para medicamento sem comprovação científica de sua utilidade", completou o ex-chefe da Anvisa.

Natalia concluiu seu raciocínio quanto à ineficácia da cloroquina e afirmou que insistir na ideia de que o medicamento estaria em condições de ser usado como política pública de enfrentamento à covid-19 é um "negacionismo".

Isso é negacionismo, senhores. Isso não é falta de informação. Negar a ciência e usar esse negacionismo em políticas públicas não é falta de informação, é uma mentira e, no caso triste do Brasil, é uma mentira orquestrada, orquestrada pelo governo federal e pelo Ministério da Saúde."
Natalia Pasternak, microbiologista

"E essa mentira mata, porque ela leva pessoas a comportamentos irracionais, que não são baseados em ciência. Isso não é só para a cloroquina. A cloroquina aqui é apenas um exemplo. Isso serve para o uso de máscaras, isso serve para o distanciamento social, isso serve para a compra de vacinas que não foi feita em tempo para proteger a nossa população. Esse negacionismo da ciência perpetuado pelo próprio governo mata."

Natalia tem pós-doutorado em microbiologia pela USP (Universidade de São Paulo) e é presidente do Instituto Questão de Ciência, voltado à defesa do uso de evidência científica nas políticas públicas.

Maierovitch, além de ter comandado a Anvisa, é médico sanitarista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e também já atuou como diretor de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.

Máscara continua a ser essencial, diz cientista

Tanto Natalia quanto Maierovitch se declaram abertamente críticos ao governo e são a favor de ações de enfrentamento da pandemia com base em evidências científicas, como o uso de máscaras, imunização em massa e o distanciamento social.

O depoimento da dupla ocorreu um dia depois de o presidente Bolsonaro, que frequentemente promove aglomerações, afirmar que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, prepara um parecer para desobrigar o uso de máscara por quem já foi vacinado contra a covid ou quem já se infectou com o coronavírus, contrariando as recomendações de autoridades sanitárias.

Queiroga, porém, disse ser preciso que a vacinação avance para que o plano seja colocado em prática. Ele não deixou claro em que pé está o parecer. Parlamentares de oposição viram a declaração de Bolsonaro como cortina de fumaça e nova defesa da "imunidade de rebanho".

Pasternak afirmou hoje que o uso de máscara é essencial se o número de casos de covid-19 e mortes em decorrência da doença estiver em alta.

Segundo a especialista, a população só deverá deixar as medidas preventivas, como o uso de máscara e o respeito ao distanciamento social, quando uma grande porção da população estiver vacinada e a curva de casos e mortes apontar que agir assim é seguro.

Esse momento [de abandonar as medidas preventivas] ainda não chegou. E, quando você tem o chefe da nação fingindo que esse momento chegou, isso confunde a população. Nós não precisamos de uma população confusa. Nós precisamos de uma população esclarecida."
Natalia Pasternak

Ritmo de vacinação lento

Para Maierovitch, o ritmo de vacinação no Brasil tem sido extremamente lento, em especial na comparação com outros países que buscaram acelerar o processo de aquisição de imunizantes, no ano passado.

O médico sanitarista disse considerar que o PNI (Plano Nacional de Imunização), elaborado pelo Ministério da Saúde, é "pífio". "O plano de imunização que tivemos é um plano pífio, que não entra nos detalhes necessários para um plano de imunização que deve existir no país".

"Não tivemos critério homogêneos definidos para o Brasil inteiro de forma que ficou a cargo de cada estado e município definir seus critérios. Pode parecer democrático, mas frente a uma epidemia dessa natureza e escassez de recursos que temos, deixa de ser democrático para produzir iniquidades."

11.jun.2021 - O médico sanitarista Claudio Maierovitch durante fala na CPI da Covid nesta sexta-feira (11) - GABRIELA BILÓ/ESTADÃO CONTEÚDO - GABRIELA BILÓ/ESTADÃO CONTEÚDO
11.jun.2021 - O médico sanitarista Claudio Maierovitch durante fala na CPI da Covid nesta sexta-feira (11)
Imagem: GABRIELA BILÓ/ESTADÃO CONTEÚDO

Maierovitch também criticou a falta de um plano para aquisição de imunobiológicos.

"Assistimos estarrecidos um desestímulo oficial a que um grande laboratório nacional assumisse a produção de vacinas", disse o depoente, em referência ao Instituto Butantan, que produz a CoronaVac no Brasil. "Certamente o cenário seria diferente se houvesse uma busca por imunizantes e acordo para a produção nacional".

O ex-presidente da Anvisa relembrou a vacina da Janssen, de dose única, fabricada pela empresa Johnson & Johnson. "Foram realizados estudos clínicos no Brasil sem que houvesse negociação ou contrapartida na forma de priorização de vacinas para o Brasil", disse.

"Infelizmente [as ações de estados e municípios] esbarram na resistência do governo federal. Acho que tem havido sabotagem sistemática a todas as iniciativas que visam a redução da circulação do vírus e transmissão da doença", disse

Em sua avaliação, o governo federal tem tratado a população brasileira incorretamente como "rebanho" ao propor a imunidade coletiva.

Médico vê "sabotagem sistemática"

Disse ainda haver uma "sabotagem sistemática" contra ações regionais que tentam conter a disseminação da covid-19.

"Infelizmente [as ações de estados e municípios] esbarram na resistência do governo federal. Acho que tem havido sabotagem sistemática a todas as iniciativas que visam a redução da circulação do vírus e transmissão da doença", declarou.

O governo entrou com diversas ações no STF contra medidas de restrição à circulação de pessoas adotadas por estados, sem sucesso.

*Colaborou Gabriel Toueg

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.