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Governo soube de escassez de respiradores um mês antes de crise em Manaus

Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

15/06/2021 04h00Atualizada em 15/06/2021 08h37

Documento enviado à CPI da Covid aponta que o Ministério da Saúde soube do crescimento brusco da demanda de respiradores no Amazonas quase um mês antes do colapso da rede hospitalar do estado, em janeiro deste ano, com a aceleração da pandemia da covid-19 no país.

Segundo apuração de membros da Comissão Parlamentar de Inquérito, no Senado Federal, há evidências de que o governo federal ignorou sucessivos alertas e demorou a entrar em ação para ajudar a enfrentar o problema. Em razão do agravamento da crise sanitária, pessoas morreram sem acesso a oxigênio e insumos hospitalares básicos.

Enviado pelo próprio Ministério da Saúde à CPI, o documento mostra que, a partir de 18 de dezembro de 2020, o estado do Amazonas solicitou 140 respiradores naquele mês. Já em janeiro de 2021, no dia 2, foram pleiteados mais 78 respiradores —totalizando uma demanda de 218 em um espaço de apenas 16 dias.

O arquivo não cita se houve respostas aos pedidos no espaço dedicado a apontar esse retorno.

Na avaliação de integrantes da CPI, isso mostra que as circunstâncias da rede hospitalar em dezembro já faziam de Manaus uma "bomba-relógio".

O UOL procurou o Ministério da Saúde na tarde desta segunda-feira (14) e aguarda retorno. Se houver resposta, ela será acrescentada neste texto.

"Diagnóstico situacional"

O Ministério da Saúde foi se debruçar melhor sobre o Amazonas em 4 de janeiro de 2021, quando uma equipe foi enviada à capital, Manaus, para fazer um "diagnóstico situacional de saúde e apoio emergencial", de acordo com outro documento enviado à comissão.

O material detalha, em ordem cronológica, as ações da pasta realizadas in loco a partir de 4 de janeiro. O expediente operacional só teve início, de fato, em 8 de janeiro, após quatro dias de "diagnóstico".

Na parte do relatório referente a 10 de janeiro consta que a "prioridade zero nos serviços no dia de hoje" já era "o suprimento de oxigênio e balas de O2 para os hospitais, SPA, UPAS do estado do Amazonas", entre outras atividades.

Em depoimento à CPI, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello afirmou ter tomado conhecimento do desabastecimento de oxigênio hospitalar somente em 10 de janeiro.

Já Mayra Pinheiro, servidora do ministério conhecida como "capitã cloroquina", disse à comissão que Pazuello teria sido informado do problema dois dias antes, em 8 de janeiro.

Em 14 de janeiro, o Ministério da Saúde recebeu solicitação de apoio para abastecimento complementar de oxigênio para distribuição nas unidades de saúde do Amazonas, segundo um dos documentos. Dez dias depois, solicitação de mais 110 respiradores e 110 monitores multiparamétricos. Outros pedidos de monitores também haviam sido feitos anteriormente.

Pazuello

A confusão criada por Pazuello em relação a essas datas e a tese, sustentada por senadores amazonenses, de que houve uma demora na resposta do ministério à crise em Manaus são elementos que complicam a situação do ex-ministro na CPI.

Membros da comissão já defenderam abertamente que ele seja responsabilizado criminalmente no relatório final, sob responsabilidade de Renan Calheiros (MDB-AL).

Na CPI, Pazuello tentou relativizar a crise em Manaus ao dizer que o oxigênio hospitalar esteve em falta por somente três dias, na avaliação de parte dos senadores. A declaração causou revolta em membros da CPI, especialmente no senador pelo Amazonas e líder do MDB no Senado, Eduardo Braga.

Um dos documentos do Ministério da Saúde enviados à CPI relata que o governo estadual do Amazonas agradeceu a cessão de 30 respiradores em 25 de outubro de 2020, dois dias depois do ato.

Um deles também cita que houve a distribuição de 78 ventiladores pulmonares com a sinalização "UTI" e de 40 ventiladores pulmonares com a sinalização "transporte", fora máscaras cirúrgicas, óculos e protetor facial. O arquivo faz menção ao dia 15 de janeiro, mas não está claro se todos esses equipamentos foram distribuídos apenas naquela data ou até aquela data.

Avisos formais

Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo mostrou que Pazuello e o Exército ignoraram alertas do governo amazonense e pedidos encaminhados ao ministério pouco antes do auge do colapso de oxigênio.

A informação é baseada em evidências coletadas pelo inquérito sigiloso da Polícia Federal que investiga se houve crime de omissão por parte de Pazuello.

De acordo com a Folha, a autoridade federal e o comando militar foram formalmente avisados sobre a "iminência de esgotamento" de oxigênio em Manaus, com pedidos de socorro não atendidos a contento.

Um dos ofícios reproduzidos no inquérito foi enviado a Pazuello em 9 de janeiro. O documento aponta a necessidade de oxigênio diante da alta da infecção pelo novo coronavírus e do aumento dos casos de internação, com "súbito aumento no consumo" do insumo.

O documento alerta ainda para a "iminência de esgotamento" e para a "necessidade de resguardar a vida dos pacientes" no estado.

Os ofícios foram enviados a Pazuello e ao comandante militar da Amazônia, general Theophilo Oliveira, que fica em Manaus. Eles são assinados pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Wilson Lima estava previsto para falar à CPI na quinta (10), mas não prestou depoimento após habeas corpus concedido pela ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal). Se comparecesse, a ministra permitiu que ele ficasse em silêncio.

Na CPI, Wilson Lima seria questionado sobre o colapso hospitalar em Manaus e cidades do interior do estado no início do ano. Após a crise, houve um aumento de 41% de mortes por covid-19 no estado.

Ele seria questionado ainda sobre as suspeitas de irregularidades ligadas à administração estadual investigadas por operações da Polícia Federal.

O UOL procurou o governo do Amazonas na tarde desta segunda e aguarda retorno. Se houver resposta, ela será acrescentada neste texto.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.