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Planalto corta recursos em retaliação a senadores do AM na CPI da Covid

O senador Omar Aziz durante entrevista após a instalação da CPI da Pandemia, no Senado Federal  - Marcelo Camargo/Agência Brasil
O senador Omar Aziz durante entrevista após a instalação da CPI da Pandemia, no Senado Federal Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Lucas Valença e Rosiene Carvalho

Do UOL, em Brasília, e colaboração para o UOL, em Manaus

16/06/2021 04h00

O governo federal tem cortado recursos de emendas parlamentares encaminhadas aos municípios do Amazonas ligados aos senadores amazonenses da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD), presidente do colegiado, e Eduardo Braga (MDB). Um documento obtido pelo UOL mostra que pelo menos R$ 160 milhões que beneficiariam municípios sob influência dos parlamentares deixaram de ser enviados.

Segundo os senadores, os cortes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ocorrem como retaliação à atuação deles na comissão parlamentar de inquérito, que na quinta-feira (10) quebrou os sigilos bancários de empresas e pessoas ligadas ao governo, entre eles o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

Os cortes, de acordo com os parlamentares, afetam principalmente os municípios do interior do Amazonas, mais isolados e com estrutura de saúde precária e que dependem muito dos repasses estaduais e federais. Além da segunda onda da covid-19, o estado enfrenta a maior cheia de sua história, que deixou desabrigados em várias cidades.

"Desde dezembro que o interior do estado não recebe nenhum centavo para o custeio da saúde. Se não fosse o recurso que nós passamos no ano passado, o interior estaria vivendo um caos na saúde. Mas há seis meses o orçamento está congelado, não andou", disse Braga ao UOL.

"As emendas não são dos senadores, as emendas são do estado. Naquele corte não houve critério algum. De alguns estados se cortou tudo, de outros nada. É estranho esse tipo de comportamento", disse Omar Aziz, acrescentando que "todas" as suas emendas não impositivas foram vetadas.

O UOL enviou perguntas sobre os cortes ao Palácio do Planalto na tarde de segunda-feira (14), mas não obteve respostas ao que foi questionado. Se houver resposta, ela será incluída nesta reportagem.

Vetos afetam obras

Por conta da pandemia, as emendas oficiais de parlamentares no ano passado foram suspensas, levando o governo a abrir a indicação de recursos duas vezes em 2021. Segundo o cronograma do Ministério da Economia, a primeira indicação ocorreu até abril. Já a segunda leva ainda está aberta e deverá acontecer até outubro.

Embora os vetos às emendas tenham atingido todos os estados e bancadas, um estudo sobre o orçamento de 2021 do Inop (Instituto Nacional de Orçamento Público) aponta que, no ranking por estados, o Amazonas foi o que recebeu o maior corte em termos percentuais e absolutos. Foram vetados 50% dos repasses ao estado relacionados às emendas de comissão (RP2), o que representa um total de mais de R$ 220 milhões.

Alguns destes vetos de emendas estão contidos na mensagem de nº 156 enviada por Bolsonaro ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

No documento, ao qual o UOL teve acesso, há, por exemplo, um veto no valor de R$ 140 milhões direcionado à "implantação e qualificação viária" da região metropolitana de Manaus. Esta emenda foi direcionada por Eduardo Braga após um trabalho feito pelo congressista junto ao MDB.

Outros R$ 20 milhões destinados à construção da BR-319, estrada localizada na divisa entre o Amazonas e Rondônia e que não tem asfalto em função de pendências com exigências ambientais, também foram vetados pelo Palácio do Planalto. A rodovia é defendida por ambos os integrantes da CPI.

De acordo com Braga, as emendas de comissão dele eram todas direcionadas à infraestrutura. Os vetos atingem repasses para municípios da região metropolitana de Manaus, para reparos de portos no interior que estão inoperantes há mais de sete anos, entre outros. "Eu sinceramente espero que isso tudo não passe de uma verborragia. Uma incontinência verbal. Com 40 anos de vida pública, não tenho mais que me surpreender com as coisas", disse.

O senador Omar Aziz afirmou que os vetos "não intimidam", e que, desde que aumentou o desgaste para o governo federal na CPI da Covid, o presidente Bolsonaro tem elevado as críticas a ele e a Braga.

Trocas de farpas

No dia 8 de junho, Bolsonaro teve uma reunião que durou cerca de 40 minutos com o prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), capitaneada pelo pré-candidato ao Senado e amigo do presidente Alfredo Menezes. Ao final do encontro, um vídeo dos três foi gravado e distribuído em Manaus com promessas de repasse de recursos a cidade.

"Ele (Bolsonaro) tem feito vídeos com adversários meus no estado prometendo mundos e fundos. Não sei da onde. Mas veta emendas parlamentares. Não tem problema, mas é uma forma não muito republicana como ele tem anunciado recursos para o estado", disse.

Já os senadores vêm criticando nominalmente Bolsonaro. Em entrevista ao UOL News, no começo de junho, Aziz disse que o presidente deve parar de brincar de "cercadinho". "Seu papel como chefe maior da nação era ter pego o telefone e não ficar brincando em cercadinho. Usou o Amazonas como cobaia com o TrateCov [aplicativo que recomenda o uso da cloroquina e de outros medicamentos sem eficácia contra o coronavírus]. O senhor tem que prestar atenção no que fala."

Em meio às brigas dos últimos dias, durante uma live em que criticava a CPI, Bolsonaro citou a "espinha dorsal" da economia do Amazonas, a Zona Franca de Manaus: "Senador Aziz, Eduardo Braga, imaginem o Amazonas sem a Zona Franca". A declaração foi interpretada como ameaça.

"Eu não embarco em provocação. Veja, eu só espero que o Amazonas não seja vítima. Se acontece alguma coisa na ZFM (Zona Franca de Manaus), eu não tenho indústria lá. Eu defendo a ZFM por causa do meu estado, por causa dos empregos, dos investimentos", afirmou Braga.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.