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Bharat Biotech confirma ligação com empresa de Singapura e nega malfeitos

16.jan.2021 - Ministro da Saúde da Índia, Harsh Vardhan, segurando um frasco com a Covaxin, vacina contra a covid-19 produzida pelo laboratório Bharat Biotech - Adnan Abidi/Reuters
16.jan.2021 - Ministro da Saúde da Índia, Harsh Vardhan, segurando um frasco com a Covaxin, vacina contra a covid-19 produzida pelo laboratório Bharat Biotech Imagem: Adnan Abidi/Reuters

Amanda Rossi

Do UOL, em São Paulo

28/06/2021 14h43

A Bharat Biotech, laboratório indiano que produz a Covaxin, confirmou que tem ligação com a empresa de Singapura citada na CPI da Covid no Senado, a Madison Biotech. Segundo comunicado enviado ao UOL, a Madison Biotech é "uma empresa do grupo Bharat Biotech". O laboratório indiano também negou "qualquer ilegalidade no fornecimento da Covaxin". Singapura é conhecida por ser um paraíso fiscal.

A relação entre a Bharat Biotech e a Madison Biotech foi revelada pelo UOL na sexta-feira (25). Documentos do órgão que regula atividades empresariais em Singapura, acessados pela reportagem, mostram que um dos diretores da Madison Biotech é Krishna Ella, fundador e presidente da Bharat Biotech. Outro diretor é Raches Ella, também da Bharat Biotech, que liderou o estudo clínico da Covaxin.

"Ao longo dos últimos 25 anos, o Dr. Krishna Ella fundou ou adquiriu mais de uma dúzia de empresas. Isso inclui a Madison Biotech, uma empresa do grupo Bharat Biotech que ele [Krishna Ella] fundou em 2020 para vendas globais e marketing de vacinas e pesquisa e desenvolvimento. Mais de 3.000 pessoas são empregadas por essas organizações", diz nota da empresa, enviada ao UOL após a publicação da reportagem,

"A Bharat Biotech e todas as empresas do grupo seguem os mais altos padrões de conformidade e são regidas por um código muito rigoroso de práticas éticas e governança corporativa", continua a nota.

Usar paraísos fiscais não é ilegal, mas "pode favorecer mecanismos de abuso fiscal e de corrupção", explicou Grazielle David, doutouranda em economia na Unicamp (Universidade de Campinas) e coordenadora de política e campanha na organização Global Alliance for Tax Justice. David defendeu ainda que o uso de paraíso fiscal para vender a Covaxin fosse investigado tanto no Brasil quanto na Índia.

24.06.2021 -- Informações dos diretores da Madison Biotech, em documento acessado pelo UOL - Reprodução - Reprodução
24.06.2021 -- Informações dos diretores da Madison Biotech, em documento acessado pelo UOL
Imagem: Reprodução

Caso único de intermediação

A venda da Covaxin no Brasil não foi feita diretamente pela Bharat Biotech, nem pela Madison Biotech. Em 12 de janeiro, o laboratório indiano fez uma parceria com a brasileira Precisa Medicamentos, cujos sócios são investigados por outro contrato com o Ministério da Saúde.

Pouco mais de 40 dias depois, em 25 de fevereiro, a Precisa Medicamentos já tinha assinado contrato com o governo brasileiro para a venda de 20 milhões de doses da Covaxin, por R$ 1,6 bilhão. Naquela altura, a Covaxin ainda não tinha aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O preço de cada dose, de US$ 15, é o maior contratado pelo Brasil.

Não está claro por que a empresa brasileira intermediou a venda. O Paraguai, que também comprou a Covaxin, fez o contrato diretamente com a Madison Biotech. O acordo foi assinado em abril. Parte das vacinas já foi entregue.

No caso do Brasil, as doses da Covaxin deveriam ter chegado antes de maio, o que não aconteceu. Por isso, o pagamento não chegou a ser efetuado. Mas um funcionário do Ministério da Saúde relatou ter sofrido pressão para assinar uma espécie de nota fiscal, chamada internacionalmente de "invoice", que autorizaria o pagamento da primeira parcela da compra da vacina.

O documento estava no nome da Madison Biotech, o que levantou suspeitas, já que a empresa não consta no contrato com o governo brasileiro. "Porque, se você tem um contrato assinado com um fornecedor, quem tem que te fornecer é aquele fornecedor, não uma empresa terceira que você desconhece, que não assinou", declarou Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde, em entrevista para O Globo na semana passada.

Miranda teria comunicado seu irmão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), sobre "inconsistências" nos documentos da Covaxin. O deputado Luis Miranda, por sua vez, diz que pediu uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para tratar do assunto.

A reunião teria ocorrido em março. Segundo os irmãos Miranda, Bolsonaro foi informado sobre as suspeitas no contrato de compra da Covaxin e vinculou o caso ao líder do governo na Câmara, deputado federal Ricardo Barros (Progressistas-PR). De acordo com o deputado Miranda, Bolsonaro disse que "isso deve ser coisa, mais uma desse cara".

A Precisa Medicamentos pertence à Global Gestão em Saúde e ao empresário Francisco Emerson Maximiano —que, por sua vez, também é sócio da Global. A Global Gestão em Saúde é investigada por um contrato firmado com o Ministério da Saúde justamente quando Ricardo Barros era o ministro (2016-2018). A compra da Covaxin foi beneficiada por uma emenda de Barros na medida provisória que liberou importação de vacinas não aprovadas pela Anvisa.