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Aras tende a negar investigação contra Bolsonaro por áudios da rachadinha

Rafael Neves

Do UOL, em Brasília

05/07/2021 16h26Atualizada em 05/07/2021 19h15

A PGR (Procuradoria-geral da República) deve se posicionar contra a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro seja investigado, enquanto estiver no cargo, pelos indícios de rachadinha em seu gabinete quando era deputado federal. Áudios revelados hoje pelo UOL apontam o envolvimento direto de Bolsonaro em um esquema de recolhimento dos salários de assessores.

Após a publicação das reportagens, o PSOL protocolou na PGR uma representação para que o presidente seja investigado. A instituição ainda não se manifestou, mas internamente a avaliação é que o procurador-geral da República, Augusto Aras, siga uma tese que já adotou em casos semelhantes: que a Constituição determina que o presidente da República não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Dessa forma, ele só poderia ser alvo de apurações a partir de 2023 ou, caso seja reeleito, de 2027.

Aras se posicionou dessa forma pelo menos duas vezes. A primeira, em agosto do ano passado, ocorreu logo após a revelação de que Fabrício Queiroz, ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), depositou R$ 89 mil em cheques para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Ao UOL, à época, Aras afirmou que Bolsonaro não poderia ser investigado por estes repasses porque "goza de imunidade constitucional durante o exercício de seu mandato".

Em maio de 2021, Aras rejeitou uma notícia-crime que pedia que Bolsonaro fosse investigado pelos repasses de Queiroz a Michelle. A negativa, nesse caso, foi feita com base nos argumentos de que Flávio e Queiroz já respondem a uma denúncia em primeira instância e de que não existem "indícios do cometimento de infrações penais" por parte de Bolsonaro.

Em setembro do ano passado, Aras negou um pedido para investigar Bolsonaro por ter atacado verbalmente um repórter do jornal O Globo que o questionou sobre os depósitos para Michelle. A PGR recebeu uma notícia-crime sobre o caso, mas Aras considerou que os fatos "não guardam relação com o exercício do mandato presidencial" e recomendou o arquivamento do caso.

Precedente no STF

A Constituição prevê no art. 86, inciso 4, que o Presidente da República, enquanto estiver no cargo, "não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Apesar disso, o STF (Supremo Tribunal Federal) já permitiu que um presidente em exercício fosse alvo de investigação.

Em 2018, o ministro Edson Fachin aceitou um pedido da PGR, à época comandada por Raquel Dodge, para que o ex-presidente Michel Temer fosse incluído em um inquérito da Lava Jato. A PGR apurava se a empreiteira Odebrecht havia acertado um repasse ilegal de R$ 10 milhões a pedido de Temer em um jantar realizado no Palácio do Jaburu.

Esse encontro teria ocorrido em 2014, ou seja, antes de Temer assumir a presidência. Apesar disso, Fachin considerou que abrir uma investigação contra um presidente em exercício significa que ele esteja sendo "responsabilizado". Dessa forma, não haveria violação à Constituição.

"A instauração de inquérito que se destine a apurar fatos sobre os quais recai suspeita de tipicidade, não implica, por evidente, nesse passo, qualquer responsabilização do investigado", escreveu Fachin à época. Naquele caso, porém, ele avaliou que a investigação imediata, antes do fim do mandato de Temer, era necessária para "evitar dissipação de provas", o que pode não se configurar no caso de Bolsonaro.