Topo

Esse conteúdo é antigo

Aziz manda prender ex-diretor da Saúde sob acusação de mentir na CPI

Anaís Motta e Luciana Amaral

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

07/07/2021 17h33Atualizada em 07/07/2021 20h31

O presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), mandou prender hoje o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, sob a acusação de mentir à comissão. Dias é o primeiro depoente a ser detido pela Comissão Parlamentar de Inquérito, após várias ameaças a convocados passados. Aziz já havia alertado o depoente sobre suas declarações à CPI.

Chame a polícia do Senado. O senhor está detido pela Presidência do Senado, pela Presidência da CPI."
Omar Aziz, presidente da CPI

"Estou tentando ajudá-lo, estou sendo sincero com você. Agora, chegar aqui e dizer que saiu [do Ministério da Saúde], não sabe por quê; que lhe tiraram poderes no seu departamento não sabe por quê; demitiram duas pessoas que trabalhavam diretamente com o senhor, o senhor não sabe por quê. [...] Nós queremos só a verdade!", disse Aziz mais cedo.

A decisão gerou bate-boca e nem todos os senadores, inclusive da oposição, concordaram com a prisão de Dias determinada por Aziz. Para eles, Dias é uma espécie de "peixe pequeno" no suposto esquema de corrupção na pasta da Saúde.

A advogada de Dias protestou contra a prisão, disse que o ato é uma ilegalidade e buscou argumentar que ele estava colaborando com a CPI desde de manhã.

O senador Otto Alencar (PSD-BA), tido como da oposição na CPI, afirmou que Dias não era "o primeiro que mentiu aqui". "O Pazuello mentiu, Wajngarten mentiu, todos que passaram aqui mentiram. Foi uma corporação de mentirosos, então tem que prender todos os mentirosos, não só o Roberto Dias."

O senador oposicionista Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse a Aziz saberem que o depoente "está mentindo", mas que a comissão "não botou um general que estava mentindo na cadeia [em referência ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello], não botou o Wajngarten mentindo na cadeia".

A líder da bancada feminina do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), pediu uma acareação entre Dias e o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco. "Aí nós saberemos quem está mentindo, quem não está e quem tem que sair algemado desta comissão."

Questionado pelo senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) sobre o fundamento para a prisão, Aziz respondeu que "perjúrio desde o início". Ou seja, violação ao juramento feito de dizer a verdade.

"Vários, vários, vários [fatos]. Dizer que não tinha conhecimento de que ia se encontrar com Dominghetti, marcar uma audiência relâmpago...", declarou Aziz.

A determinação da prisão aconteceu após a exibição de áudios atribuídos ao conteúdo encontrado no celular do policial militar e lobista de vacinas Luiz Paulo Dominghetti após perícia a mando da comissão. As falas desmentiriam a versão sobre o processo de negociação de mais 400 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 dada hoje por Dias aos senadores, segundo a CNN Brasil.

Roberto Dias saiu da reunião da CPI acompanhado por agentes da Polícia Legislativa e foi levado para a delegacia do órgão no Congresso.

Houve ainda questionamentos de senadores quanto à validade da prisão pelo fato de a chamada ordem do dia na sessão do plenário do Senado já ter sido iniciada. Nesse caso, os trabalhos em todas as demais comissões da Casa precisam ser suspensos, o que não havia acontecido no momento da prisão na CPI.

Dias negou propina e alegou encontro inesperado com Dominghetti

Aos senadores Dias disse ter tido conversas sobre vacinas com um policial militar e um reverendo, mas negou a acusação de que houve cobrança de propina durante para negociar a compra de 400 milhões de unidades do imunizante contra a covid-19 da AstraZeneca.

Dias confirmou que esteve com o cabo da PM mineira e lobista nas horas vagas, Luiz Paulo Dominghetti, em um jantar no restaurante Vasto, em Brasília, em 25 de fevereiro. O ex-diretor alega que o encontro foi acidental, versão que áudios de Dominghetti exibidos na CPI contradizem, na avaliação de Aziz com base em matéria da CNN Brasil.

À CPI Dominghetti relatou ter ouvido do ex-diretor durante o encontro um pedido de propina de US$ 1 por dose a ser negociada. Em contrapartida, Dias buscaria acelerar as tratativas e a assinatura do contrato.

O ex-diretor de Logística nega qualquer irregularidade. Ele foi exonerado do cargo pouco depois que o caso veio a público em uma reportagem da Folha de S.Paulo.

Nunca pedi nenhum tipo de vantagem ao senhor Dominghetti e nem a ninguém."
Roberto Dias, ex-diretor do Ministério da Saúde

Dominghetti se apresenta como representante comercial da empresa norte-americana Davati Medical Supply no Brasil —esta teria acesso a 400 milhões de doses da AstraZeneca e queria vender o produto ao governo. A atuação de um PM como lobista de vacinas é ilegal e fere o estatuto da Polícia Militar de Minas Gerais.

Dias respondeu à CPI que a narrativa do PM seria completamente fantasiosa, rotulando-o como "picareta" e "aventureiro".

De acordo com o ex-diretor, os dois estiveram em um jantar informal em Brasília e houve menção à oferta de 400 milhões de doses. No entanto, o fato seria apenas circunstancial, e não uma "negociação" propriamente dita.

Só que áudio enviado por Dominghetti em 23 de fevereiro —portanto, dois dias antes do encontro— mostra que ele já falava a um interlocutor sobre a "reunião" que aconteceria em 25 de fevereiro.

"Rafael [nome do interlocutor], tudo bem? A compra vai acontecer, tá? Estamos na fase burocrática. Em off, pra você saber, quem vai assinar é o Dias mesmo, tá? Caiu no colo do Dias... e a gente já se falou, né?! E quinta-feira a gente tem uma reunião para finalizar com o Ministério", diz Dominghetti, no áudio.

O suposto encontro acidental com Dominghetti e Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde e que, à época do jantar, já não trabalhava mais na pasta, relatado por Dias não convenceu os senadores da oposição. O ex-diretor afirmou que não havia marcado o encontro com Blanco, mas admitiu que "possivelmente ele sabia que eu estava lá, sim", por terem conversado ao telefone mais cedo.

Dias disse ter solicitado a Dominghetti no jantar que encaminhasse um pedido formal de agenda ao ministério e que, se a documentação fosse consistente, um processo seria aberto e encaminhado à secretaria-executiva para providências, "uma vez que a ela cabia toda a negociação de vacinas [contra] covid-19".

Posteriormente, na sede do ministério, Dominghetti não teria apresentado a carta por meio da qual ficaria consignado que ele possuía autorização da AstraZeneca para desenvolver as negociações. Na sequência, o policial retirou-se do local e, desde então, Dias alega nunca mais tê-lo visto.

Se conseguisse acertar a venda das 400 milhões de doses ao Ministério da Saúde, Dominghetti disse que receberia comissão de até 5 centavos de dólar por dose vendida. Isso significaria que ele poderia embolsar o equivalente a R$ 100 milhões no câmbio atual.

A narrativa do policial durante seu depoimento à CPI não convenceu senadores tanto da base governista quanto da oposição. Alguns congressistas lançaram suspeita de que o depoimento do lobista poderia ter sido "plantado" na comissão.

07.jul.2021 - Ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, chega ao Senado para depor na CPI da Covid - Marcos Oliveira/Agência Senado - Marcos Oliveira/Agência Senado
07.jul.2021 - Ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, chega ao Senado para depor na CPI da Covid
Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado

Reverendo fez oferta de vacina em agenda oficial

Dias também revelou hoje que recebeu o reverendo Amilton Gomes de Paula em uma agenda oficial para conversar sobre compra de vacinas.

Nesta semana, reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, mostrou mensagens que indicam que Amilton recebeu aval do diretor de Imunização do Ministério da Saúde, Lauricio Monteiro Cruz, para negociar vacinas.

"Lembro de ter recebido [o reverendo] em agenda oficial na minha sala, uma única vez, em um pedido de agenda. A retórica era a mesma: possuía X doses disponíveis e não possuía a carta de representação do fabricante e aquilo acabou ali", disse o ex-diretor de Logística.

Dias porém, não disse quem fez o pedido da agenda e nem especificou quantas doses de imunizante contra covid-19 foram ofertadas pelo reverendo.

Ele ainda não esclareceu se a oferta era de 400 milhões de vacinas da AstraZeneca, assim como a apresentada pelo lobista da Davati.

Amilton preside a Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), que apesar do que o nome possa levar a entender, é uma instituição privada. Até 2020, a Senah se chamava Senar (Secretaria Nacional de Assuntos Religiosos).

A convocação de Amilton à CPI foi aprovada na manhã de hoje.

O depoimento hoje também foi marcado por um bate-boca entre senadores governistas e da oposição depois que o relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), falou em "bandalheiras" no Ministério da Saúde.

Covaxin e denúncia de irmãos Miranda

No depoimento, Dias negou que tenha pressionado Luis Ricardo Miranda, chefe de importações do Ministério da Saúde e irmão do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), em relação ao processo para a compra da vacina indiana Covaxin —também investigado pela comissão.

Segundo Dias, a mensagem apresentada como indício da pressão se referia a um outro processo, relativo ao imunizante AstraZeneca.

25.jun.2021 - Chefe de importação do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, e o deputado Luis Miranda (DEM-DF), durante depoimento à CPI da Covid - Jefferson Rudy/Agência Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
25.jun.2021 - Chefe de importação do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, e o deputado Luis Miranda (DEM-DF), durante depoimento à CPI da Covid
Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Dias já afirmou que sua saída interessa a "terceiros". Questionado hoje sobre quem seriam, o ex-diretor da Saúde insinuou que o deputado Luis Miranda está por trás das acusações.

"Estou avidamente tentando descobrir a quem interessa. Agora, fato é que soa muito estranho, conforme no meu discurso de abertura, que tudo isso, todo esse ciclo, feche no deputado Luis Miranda."

Dias nega ser apadrinhado por Ricardo Barros

Luis Miranda e seu irmão afirmaram ainda à CPI que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) citou o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), por possível envolvimento em "rolo" ao ouvir o caso. Parte dos senadores da CPI acredita que Dias tenha sido indicado a cargo de confiança na pasta da Saúde por Barros.

Dias, no entanto, nega ser apadrinhado pelo líder do governo e disse que seu currículo foi encaminhado ao então deputado federal e cogitado a ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, pelo ex-deputado federal Abelardo Lupion, em 2018.

No final de outubro de 2020, Roberto Dias foi indicado para o cargo de diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). No entanto, dias depois, em meio a suspeitas de irregularidades em compra de kits de testes para a covid-19 sob responsabilidade de Dias, o governo pediu ao Senado a retirada da indicação.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.