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Renan acusa Onyx de apresentar documento falso e diz que o convocará

Hanrrikson de Andrade e Nathan Lopes

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

09/07/2021 12h12Atualizada em 09/07/2021 16h01

O relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou hoje que o ministro Onyx Lorenzoni (DEM-RS), da Secretaria-Geral da Presidência, de ter apresentado documento falso e ter mentido em pronunciamento à imprensa no mês passado.

Na ocasião, Lorenzoni realizou uma coletiva para tentar defender o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de suspeitas envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin.

Calheiros disse ainda que vai propor a convocação do ministro para que ele preste esclarecimentos à CPI. As declarações ocorreram hoje, durante a oitiva com o consultor técnico do Ministério da Saúde William Santana. O funcionário compareceu ao colegiado para explicar detalhes da negociação e do processo de importação da Covaxin.

Durante o depoimento do colaborador, o consultor técnico afirmou não ter visto os documentos exibidos por Lorenzoni no dia da coletiva.

Na ocasião, o ministro também alegou que não existiria erro na primeira invoice (nota fiscal internacional) da Covaxin, instrumento que corresponde ao faturamento e é necessário para autorizar a importação. O documento, cuja autenticidade foi questionada por Lorenzoni, foi emitido em nome de uma empresa com sede em Singapura, e não do laboratório que é o fabricante da vacina, a Bharat Biotech.

No entanto, o depoente de hoje confirmou que havia erro não só na primeira invoice, como nas duas que a sucederam. Com base nisso, Renan criticou Onyx e disse que vai representar um requerimento de convocação ao colegiado.

"Como consequência disso, eu peço a imediata convocação do ministro Onyx Lorenzoni para esta comissão para que ele venha depor sobre o crime de falsidade ao exibir, perante a Nação, para confundir a investigação dessa comissão parlamentar um documento que sequer existe, falso", disse o parlamentar.

Segundo Calheiros, até o momento, o Ministério da Saúde não enviou todos os documentos sobre as tratativas para a compra de doses da Covaxin. "Sabe por que não mandou? Porque existem coisas escabrosas ainda maiores nessa grande negociata enquanto os brasileiros morriam."

Após a sessão, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) disse que analisou os documentos e que a invoice que Lorenzoni indicou que seria falsa no mês passado, na realidade, é verdadeira. "É preciso investigar o que aconteceu. Estavam tentando blindar quem?"

Mais erros do que o normal

Santana disse hoje à CPI da Covid que as invoices referentes ao acordo para aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin tiveram mais erros do que o de costume. A avaliação seria de acordo com a experiência dele como funcionário da divisão de importações do órgão federal.

"Não na quantidade de erros que foram apresentados", disse ele, ao ser indagado pelo senador Humberto Costa (PT-PE) se seria comum receber esse tipo de documento com muitas falhas.

"Mas é comum a gente receber invoice e pedirem para serem corrigidas, só que essa apresentava muito mais erros do que a média normal", completou o consultor técnico.

Em um desses equívocos identificados pelo setor, a empresa contratante, a Precisa Medicamentos, insistiu em pleitear pagamento antecipado mesmo depois de ser alertada que isso contrariava o contrato. A correção só ocorreu na 3ª invoice enviada ao ministério, quando a empresa enfim fez a retificação exigida pela pasta.

Ainda assim, o documento continha erros básicos, segundo o depoimento de Santana.

As inconsistências identificadas nas invoices —em desacordo com cláusulas contratuais— puxam uma fila de suspeitas sinalizadas pelos senadores da oposição.

A Precisa foi a intermediária da negociação com o laboratório indiano Bharat Biotech para aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin —o contrato foi assinado em 25 de fevereiro, com custo final de R$ 1,6 bilhão. A operação comercial é objeto de investigação da CPI e do MPF (Ministério Público Federal). Há sinais de crime no contrato e indícios ainda não confirmados de corrupção dentro do ministério.

Foto 1 - Edilson Rodrigues/Agência Senado - Edilson Rodrigues/Agência Senado
O consultor William Santana presta depoimento à CPI da Covid, no Senado
Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A cronologia

De acordo com a narrativa de Santana, a Precisa insistiu em pleitear o pagamento antecipado da Covaxin —no envio da 2ª invoice— mesmo depois de ter recebido um primeiro alerta (pedido de retificação da 1ª invoice) de que o contrato só determinava quitação após a entrega.

Em 18 de março, a Precisa enviou a 1ª invoice à pasta federal. No documento, foi preenchido "pagamento antecipado", algo que não estava respaldado pelo contrato celebrado entre as partes. O acordo determinava que o pagamento só seria realizado depois que o Brasil recebesse a carga contratada.

A 2ª e a 3ª invoices foram remetidas à divisão de importações no dia 23 de março. A 2ª invoice, que deveria ser um ajuste da 1ª, foi encaminhada à divisão de importações do ministério com o mesmo erro. A correção só ocorreu no terceiro documento.

De acordo com Santana, a última invoice retificava a questão do prazo de pagamento, mas ainda continha erros importantes, tais como a modalidade de transporte do produto. O documento registrava equivocadamente o traslado por via marítima, e não por deslocamento aéreo, conforme estabelecia o contrato.

Outras suspeitas

Santana também confirmou que a primeira invoice fazia referência a uma empresa com sede em Singapura (Madison) como destinatária do pagamento, sendo esta uma entidade privada alheia às negociações. Não havia menção ao nome do fabricante (o laboratório Bharat Biotech), tampouco a quantidade de doses adquiridas e a forma de envasamento (frascos ou caixas).

Na avaliação de técnicos do Ministério da Saúde, as informações em questão são primárias e elementares a qualquer processo de compra de vacinas.

As inconsistências chamaram atenção da divisão de importações do ministério, mas teria ocorrido, segundo a narrativa feita pelo chefe do setor, Luis Ricardo Miranda, pressão interna para que as tratativas fossem aceleradas. O fato foi relatado à CPI e ao MPF e é objeto de apuração.

Santana destacou ainda que as invoices continham muitas falhas de grafia e de informações pontuais. O primeiro documento errava até mesmo o nome do Ministério da Saúde.

"Aliás, havia muito erro de grafia na invoice. Mas não me cabe me atentar a isso. Me cabe atentar aos pontos que me foram designados pela minha chefia, que, inclusive, supervisionou todas as minhas ações."

"O nome do ministério estava errado. Você tem que ter os dados do consignatário do importador. Isso tem que estar devidamente expresso no invoice: nome, razão social, CNPJ, endereço. Já no primeiro invoice."

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.