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Invoices da Covaxin tiveram mais erros do que o normal, diz consultor à CPI

Hanrrikson de Andrade e Nathan Lopes

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

09/07/2021 04h00Atualizada em 09/07/2021 13h39

O consultor técnico do Ministério da Saúde William Amorim Santana afirmou hoje à CPI da Covid que as invoices (notas fiscais internacionais) referentes ao acordo para aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin tiveram mais erros do que o de costume. A avaliação seria de acordo com a experiência dele como funcionário da divisão de importações do órgão federal.

"Não na quantidade de erros que foram apresentados", disse ele, ao ser indagado pelo senador Humberto Costa (PT-PE) se seria comum receber esse tipo de documento com muitas falhas.

"Mas é comum a gente receber invoice e pedirem para serem corrigidas, só que essa apresentava muito mais erros do que a média normal", completou o consultor técnico.

Em um desses equívocos identificados pelo setor, a empresa contratante, a Precisa Medicamentos, insistiu em pleitear pagamento antecipado mesmo depois de ser alertada que isso contrariava o contrato. A correção só ocorreu na 3ª invoice enviada ao ministério, quando a empresa enfim fez a retificação exigida pela pasta.

Ainda assim, o documento continha erros básicos, segundo o depoimento de Santana.

As inconsistências identificadas nas invoices —em desacordo com cláusulas contratuais— puxam uma fila de suspeitas sinalizadas pelos senadores da oposição.

A Precisa foi a intermediária da negociação com o laboratório indiano Bharat Biotech para aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin —o contrato foi assinado em 25 de fevereiro, com custo final de R$ 1,6 bilhão. A operação comercial é objeto de investigação da CPI e do MPF (Ministério Público Federal). Há sinais de crime no contrato e indícios ainda não confirmados de corrupção dentro do ministério.

Foto 1 - Edilson Rodrigues/Agência Senado - Edilson Rodrigues/Agência Senado
O consultor William Santana presta depoimento à CPI da Covid, no Senado
Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A cronologia

De acordo com a narrativa de Santana, a Precisa insistiu em pleitear o pagamento antecipado da Covaxin —no envio da 2ª invoice— mesmo depois de ter recebido um primeiro alerta (pedido de retificação da 1ª invoice) de que o contrato só determinava quitação após a entrega.

Em 18 de março, a Precisa enviou a 1ª invoice à pasta federal. No documento, foi preenchido "pagamento antecipado", algo que não estava respaldado pelo contrato celebrado entre as partes. O acordo determinava que o pagamento só seria realizado depois que o Brasil recebesse a carga contratada.

A 2ª e a 3ª invoices foram remetidas à divisão de importações no dia 23 de março. A 2ª invoice, que deveria ser um ajuste da 1ª, foi encaminhada à divisão de importações do ministério com o mesmo erro. A correção só ocorreu no terceiro documento.

De acordo com Santana, a última invoice retificava a questão do prazo de pagamento, mas ainda continha erros importantes, tais como a modalidade de transporte do produto. O documento registrava equivocadamente o traslado por via marítima, e não por deslocamento aéreo, conforme estabelecia o contrato.

Outras suspeitas

Santana também confirmou que a primeira invoice fazia referência a uma empresa com sede em Singapura (Madison) como destinatária do pagamento, sendo esta uma entidade privada alheia às negociações. Não havia menção ao nome do fabricante (o laboratório Bharat Biotech), tampouco a quantidade de doses adquiridas e a forma de envasamento (frascos ou caixas).

Na avaliação de técnicos do Ministério da Saúde, as informações em questão são primárias e elementares a qualquer processo de compra de vacinas.

As inconsistências chamaram atenção da divisão de importações do ministério, mas teria ocorrido, segundo a narrativa feita pelo chefe do setor, Luis Ricardo Miranda, pressão interna para que as tratativas fossem aceleradas. O fato foi relatado à CPI e ao MPF e é objeto de apuração.

Santana destacou ainda que as invoices continham muitas falhas de grafia e de informações pontuais. O primeiro documento errava até mesmo o nome do Ministério da Saúde.

"Aliás, havia muito erro de grafia na invoice. Mas não me cabe me atentar a isso. Me cabe atentar aos pontos que me foram designados pela minha chefia, que, inclusive, supervisionou todas as minhas ações."

"O nome do ministério estava errado. Você tem que ter os dados do consignatário do importador. Isso tem que estar devidamente expresso no invoice: nome, razão social, CNPJ, endereço. Já no primeiro invoice."

Relator pede convocação de Onyx

Relator da CPI da Covid, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) acusou o ministro Onyx Lorenzoni (DEM), da Secretaria-Geral da Presidência, de ter apresentado um documento falso em pronunciamento à imprensa no mês passado. Isso teria ocorrido quando Onyx realizou uma coletiva para defender o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) das suspeitas envolvendo a compra da vacina Covaxin.

Durante o depoimento de Santana, o consultor técnico rejeitou ter visto os documento exibido por Lorenzoni no dia da coletiva. Na ocasião, o ministro também disse que não existira uma primeira invoice encaminhada ao Ministério da Saúde em favor da empresa Madison. No entanto, o depoente de hoje confirmou a informação. Com base nisso, Renan criticou Onyx e disse que vai representar um requerimento de convocação ao colegiado.

"Como consequência disso, eu peço a imediata convocação do ministro Onyx Lorenzoni para esta comissão para que ele venha depor sobre o crime de falsidade ao exibir, perante a Nação, para confundir a investigação dessa comissão parlamentar um documento que sequer existe, falso", disse o parlamentar.

Segundo Calheiros, até o momento, o Ministério da Saúde não enviou todos os documentos sobre as tratativas para a compra de doses da Covaxin. "Sabe por que não mandou? Porque existem coisas escabrosas ainda maiores nessa grande negociata enquanto os brasileiros morriam."