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Vendedor da Davati atribui suposto pedido de propina a 'grupo' de coronel

Hanrrikson de Andrade, Luciana Amaral e Thais Augusto

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

15/07/2021 11h00Atualizada em 15/07/2021 19h36

O empresário Cristiano Carvalho, que se apresenta como representante da empresa americana Davati Medical Supply, disse hoje, em depoimento à CPI da Covid, que não presenciou suposto pedido de propina em favor de um ex-servidor do Ministério da Saúde durante negociações para compra de vacinas. No entanto, ele afirmou que foi avisado da suposta solicitação ilícita de US$ 1 por dose de imunizante de Oxford/AstraZeneca.

O representante da Davati afirmou ainda que a suposta propina seria destinada ao "grupo" ligado ao coronel Marcelo Blanco, ex-funcionário do Ministério da Saúde e que, segundo o vendedor informal da Davati Luiz Paulo Dominghetti, teria sido o responsável por criar um elo inicial entre a empresa e o governo federal.

Carvalho afirmou que só tomou conhecimento do suposto ato criminoso em 12 de março —o jantar com o suposto pedido de propina a Dominghetti, aconteceu em 25 de fevereiro.

O depoente compareceu hoje à comissão na condição de testemunha. A vantagem ilícita teria sido solicitada pelo ex-chefe de Logística do ministério, Roberto Ferreira Dias, a Dominghetti —este último cabo da Polícia Militar mineira que atuaria como uma espécie de lobista da Davati nas horas vagas. O ex-servidor nega ter cometido qualquer irregularidade.

Carvalho tentou se desvincular do tema referente ao suposto pedido de propina e atribuiu toda a narrativa a Dominghetti.

Indagado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre a suposta cobrança de propina, Carvalho respondeu que teve conhecimento do fato por Dominghetti e que, na ocasião, as partes atuantes na negociação com o governo federal usavam o termo "comissionamento".

A informação que veio a mim, vale ressaltar isso, não foi o nome propina. Ele [Dominghetti] usou comissionamento. Ele se referiu a esse comissionamento sendo do grupo do tenente-coronel Blanco e da pessoa que o tinha apresentado ao Blanco, que é de nome Odilon."
Cristiano Carvalho, representante da Davati no Brasil

O nome "Blanco" se refere ao coronel Marcelo Blanco. Já "Odilon" seria Guilherme Filho Odilon, um interlocutor entre Dominghetti e o coronel Blanco.

Servidores públicos não podem receber comissionamento ou propina em troca de negócios.

"Inicialmente, foi passado que era o grupo do Blanco. Com o passar do tempo, depois do fim das negociações, ele se mostrou com uma mágoa muito grande pelo Roberto Dias, tá? Sempre reclamava do Roberto Dias, da comissão e tal. Então, isso me levou a acreditar que realmente existiu o suposto jantar...", afirmou Carvalho em outro momento.

Ao longo do depoimento, Carvalho indicou que foram buscados dois caminhos para a venda de vacinas junto ao Ministério da Saúde: um seria através do coronel Blanco e Roberto Dias; o outro, que chegou ao coronel Élcio Franco, por intermédio do Instituto Força Brasil, liderado por Helcio Bruno.

Questionado pela senadora Leila Barros (PSB-DF) se havia divergência ou disputa entre esses dois grupos, Carvalho disse que, "como um não sabia de que o outro estava negociando e com quem, aparentemente tinha alguma coisa divergente entre eles ali".

Houve ainda uma intermediação do reverendo Amilton Gomes de Paula. Ele preside a Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), que, apesar do que o nome possa levar a entender, é uma instituição privada. Até 2020, a Senah se chamava Senar (Secretaria Nacional de Assuntos Religiosos).

Segundo informações reveladas pelo Jornal Nacional, da TV Globo, Amilton recebeu aval do diretor de Imunização do Ministério da Saúde, Lauricio Monteiro Cruz, para negociar a compra de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca em nome do governo brasileiro com a Davati.

O depoimento de Amilton à CPI estava previsto para ontem, mas ele apresentou atestado médico para não falar aos senadores. A expectativa agora é que ele vá à comissão somente em agosto, após o recesso parlamentar.

Suposta propina seria de US$ 1 por dose

O suposto pedido de propina foi narrado por Dominghetti, primeiro em entrevista à Folha de S.Paulo e posteriormente em depoimento à CPI da Covid.

Segundo o policial, o crime teria ocorrido durante um jantar no restaurante Vasto, em Brasília, em 25 de fevereiro. Na ocasião, Dominghetti disse ter ouvido de Roberto Ferreira Dias que o acordo com a Davati estaria condicionado ao desvio de US$ 1 por dose. As negociações eram para venda de 400 milhões de unidades da vacina Oxford/AstraZeneca.

A versão se tornou um dos principais pontos de interesse da CPI e deu luz a suposta tentativa de ato corruptivo em meio a assunto de extrema relevância no contexto do enfrentamento à pandemia: a demanda por vacinas.

Na CPI, Dias negou ter solicitado propina para que o suposto negócio fosse concretizado.

Durante o seu depoimento, o ex-dirigente do Ministério da Saúde tentou desconstruir a narrativa de Dominghetti e alegou que não houve uma proposta formal, e sim uma insistência do PM em levar ao governo uma oferta inicial da Davati. A mesma teria sido rechaçada.

"Atuei só como vendedor no Brasil. Não compactuei com nenhum tipo de medida, pedido de propina, não presenciei e não tenho nada pra falar a respeito disso", chegou a declarar Carvalho hoje para se defender.

Segundo Carvalho, o valor de US$ 1 nunca foi mencionado a ele por Dominghetti. "Porque também é uma coisa tão absurda que ele nunca chegou a me dizer isso; só falou que havia sido pedido um comissionamento, tá?"

Na versão de Carvalho, que teoricamente seria o "chefe" de Dominghetti, sua função era apenas fazer a ponte entre a Davati e o Ministério da Saúde. Ele negou ter vínculo empregatício formal com a empresa americana e/ou exercer cargo de posto hierárquico elevado.

"Não tenho vínculo empregatício [com a Davati]. Foi dito aqui na CPI que eu seria CEO na empresa, que nem tem CEO ou representação aqui no Brasil. A Davati, através de um amigo, pediu para que eu intermediasse a relação com o Ministério da Saúde e o senhor Dominghetti."

"Eu nunca enviei nenhuma proposta de preço nem proposta de compra e venda. Elas sempre foram enviadas através do escritório central da empresa nos Estados Unidos. Eu não tinha influência de preço, só fazia a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, passando as necessidades expostas por interlocutores locais", completou.

Carvalho chegou a ser descrito como CEO da empresa no Brasil durante o depoimento de Dominghetti à CPI da Covid. Ele classificou as falas do policial como "fantasiosas".

"[As falas de Dominghetti] são fantasiosas. A própria empresa desmentiu em nota oficial. Como a gente pôde acompanhar através da imprensa existem coisas fantasiosas, se criou um folclore sobre as pessoas envolvidas. Talvez ele não tenha feito por mal, mas não me apresentei a ele como CEO."

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.