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CPI: Coronel nega propina e diz que queria "parceria comercial" para vacina

Coronel Marcelo Blanco durante depoimento à CPI da Covid - Jefferson Rudy/Agência Senado
Coronel Marcelo Blanco durante depoimento à CPI da Covid Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Hanrrikson de Andrade, Luciana Amaral e Rayanne Albuquerque

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

04/08/2021 04h00Atualizada em 04/08/2021 19h22

Em depoimento à CPI da Covid, o tenente-coronel e ex-assessor do Ministério da Saúde Marcelo Blanco negou hoje qualquer pedido de propina e afirmou que projetava uma "parceria comercial" com o cabo da Polícia Militar mineira Luiz Paulo Dominghetti para vender vacinas contra o novo coronavírus ao mercado privado.

Na versão da testemunha, fora este o motivo pelo qual ele levou o PM —que se apresentava como lobista da empresa americana Davati Medical Supply— a um jantar com Roberto Dias, então diretor de logística do Ministério da Saúde, em 25 de fevereiro, no restaurante Vasto, em Brasília.

Foi durante o encontro, descrito por Dias à CPI como um simples happy hour, que o ex-servidor teria, de acordo com Dominghetti, solicitado propina. Blanco nega ter feito qualquer pedido de propina ou que Dias tenha feito o mesmo.

"Do momento em que eu me encontrava lá, não houve pedido. [Nem] Sequer se conversou aprofundadamente sobre vacina", defendeu o depoente.

O pedido de suposta vantagem ilícita contada por Dominghetti teria a seguinte finalidade: levar adiante um acordo entre a Davati e o governo brasileiro para a aquisição de suposto lote de 400 milhões de doses da AstraZeneca.

O ex-diretor do ministério nega ter cometido qualquer ilegalidade. Não há provas de que o crime tenha realmente ocorrido. Mesmo assim, Dias foi exonerado do cargo logo depois que o relato de Dominghetti foi publicado originalmente pelo jornal Folha de S.Paulo, em 29 de junho.

Segundo Blanco, no momento em que Dominghetti foi apresentado a Dias no jantar, o policial conversou sobre o interesse dele de ter uma agenda com o então diretor, já que voltaria a Minas no dia seguinte.

"O Roberto, em função de ele estar retornando à cidade de origem, abriu uma lacuna ali na agenda dele, orientou que fosse feita uma solicitação formal e que ele, formalmente, iria responder o horário da agenda no dia seguinte no ministério, como acabou ocorrendo", defendeu o depoente.

Blanco foi cobrado pelos senadores do CPI a explicar as circunstâncias de sua relação com Dominghetti. O policial mencionou o depoente como um dos personagens que abriram as portas do Ministério da Saúde para a negociação com a Davati.

Durante a oitiva, o militar confirmou ter atuado como uma ponte entre as partes e ter sido procurado por Dominghetti, mas com uma ressalva: o objetivo era apenas orientar o revendedor quanto aos trâmites comerciais. Ele também negou ter oferecido facilidades aos ofertantes da vacina ou solicitado algum tipo de comissão pelo trabalho de intermediação.

Blanco explicou que, de forma privada, nutria o interesse em explorar o potencial mercado de comercialização de vacinas com empresas e seus respectivos donos —embora não existisse perspectiva, à época, de tramitação de um projeto de lei com esse objetivo no Congresso Nacional (ou seja, autorizar legalmente a venda de imunizantes ao setor privado).

O depoente rebateu e citou uma reportagem publicada na imprensa em janeiro, um mês antes do jantar entre Dias e Dominghetti, que já indicava a possibilidade de que o tema poderia ensejar mobilizações favoráveis e contrárias em relação às atividades do Legislativo nacional.

"Eu prospectava na figura do Dominghetti que ele poderia ser um possível parceiro comercial da iniciativa privada. É uma coisa absolutamente distante da outra", disse Blanco ao colegiado, na tentativa de dissociar os seus interesses privados das negociações entre Davati e Ministério da Saúde.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), respondeu então que o coronel havia feito "lobby" e cometido potenciais crimes relacionados a intermediação de interesses. "Não, senhor. Não fiz lobby", retrucou a testemunha.

"Estamos estarrecidos com a quantidade de pessoas desqualificadas que fizeram contato com o Ministério da Saúde", opinou Aziz, em referência a Blanco, Dominghetti e ao reverendo Amilton Gomes de Paula, líder de um grupo evangélico que tentou intermediar o negócio da venda das doses de AstraZeneca em favor da Davati.

Coronel exibe diálogos com Dominghetti

Antes de começar a responder aos questionamentos do relator, Renan Calheiros (MDB-AL), Blanco usou os 15 minutos de explanação introdutória para antecipar a sua estratégia de defesa e expressar a tese de que seus interesses com Dominghetti eram voltados à iniciativa privada.

O depoente exibiu aos senadores áudios e mensagens com diálogos entre os dois que apontariam, segundo ele, o esboço de um relacionamento comercial com o intuito de explorar a venda de imunizantes ao setor privado. As conversas datam do período entre 9 e 22 de fevereiro. O jantar no restaurante Vasto ocorreu no dia 25.

Os membros da CPI apontaram então que se tratava de uma atividade ilegal, uma vez que a legislação que autorizava a compra de vacinas pela iniciativa privada apenas foi sancionada no dia 11 de março.

"A primeira menção a se ter uma lei é do dia 18 de fevereiro. A primeira reunião ocorre no dia 21 de fevereiro, eu participei, sob a resistência do governo [ao projeto de lei]", disse o vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

"Eu só estava querendo construir um modelo de negócio", rebateu o coronel.

"A gente vem acompanhando [o debate] no que é público. E eu falei para ele [Dominghetti] 'precisamos desenhar uma estratégia almejando esse mercado'. Eu gostaria de ter algo já desenhado", acrescentou.

A abertura por Blanco de uma empresa, Valorem, para atuar na representação de medicamentos, entre outros pontos, após sair do ministério também chamou a atenção dos senadores, inclusive com mudanças na razão social do empreendimento.

A criação da empresa em si é permitida na situação de Blanco, mas oposicionistas desconfiam que ela poderia ter sido beneficiada financeiramente de forma irregular caso o governo federal tivesse fechado algum contrato com a Davati. Blanco disse que a Valorem não contou com qualquer faturamento até o momento e se dispôs a entregar extratos à comissão.

Em meio ao depoimento, matéria da CNN Brasil mostrou que Blanco supostamente teria pedido a representantes da Davati que enviassem propostas diretamente em seu email pessoal. Isso porque, aos senadores, Blanco disse sempre ter orientado os vendedores de supostas vacinas a enviarem as ofertas a emails institucionais do Ministério da Saúde.

Após ser questionado sobre a reportagem, Blanco negou ter feito o pedido e que o envio de proposta para seu email particular aconteceu apenas uma vez e "de forma equivocada".

Exonerado em janeiro

Blanco foi exonerado em janeiro do Ministério da Saúde, um mês antes do avanço das negociações entre o governo e a Davati.

Na pasta, o coronel exerceu o posto de assessor e foi diretor substituto do departamento de logística — cargo que pertenceu a Dias até a publicação da reportagem da Folha de S.Paulo, em 29 de junho. O jornal revelou o suposto pedido de propina a partir do relato de Dominghetti.

'Evento casual'

Em depoimento à CPI, em 7 de julho, Roberto Dias afirmou que o jantar do qual teriam participado Dominghetti e Blanco no restaurante Vasto não passou de um evento casual. Ao continuar a ser questionado pelos senadores, porém, admitiu que Blanco deveria saber que estava no local devido a conversas mantidas entre os dois ao longo do dia.

Hoje, Blanco confirmou que já sabia que Roberto Dias estaria no restaurante e disse que viu na ocasião uma oportunidade de apresentar o Dominghetti, porque este lhe pedia uma agenda com representante da pasta.

Blanco disse ter feito a intermediação sem esperar nada em troca, ao que Aziz ironizou que o depoente era "muito humano". Em determinada ocasião, o presidente da CPI disse não acreditar em "conto da carochinha" e bateu boca com o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO).

Dias reconheceu ter recebido Dominghetti no ministério no dia seguinte ao jantar, em 26 de fevereiro.

Segundo o ex-diretor de logística, o policial não conseguiu comprovar que a Davati possuía autorização da AstraZeneca para negociar vacinas em nome da farmacêutica. Por esse motivo, as negociações teriam sido imediatamente interrompidas.

Blanco foi questionado reiteradamente pelos senadores se não percebia se havia alguma "picaretagem" no caso, ao que respondeu que, naquela época, inicialmente, não era possível perceber algo estranho.

No entanto, disse que, à luz dos fatos revelados pela CPI, percebeu uma insistência grande de Dominghetti em obter uma carta de intenção de compra do ministério sem a comprovação de que a Davati tinha todos os documentos necessários para o negócio.

Cristiano Carvalho, representante oficial da Davati, disse, também em depoimento à CPI, que foi avisado do suposto pedido de propina por Dominghetti, embora não tenha presenciado o eventual ato.

Carvalho afirmou ainda que o acréscimo, que chamou de "comissionamento", seria destinado ao "grupo" ligado ao coronel Blanco.

"A informação que veio a mim, vale ressaltar isso, não foi o nome propina. Ele [Dominghetti] usou comissionamento. Ele se referiu a esse comissionamento sendo do grupo do tenente-coronel Blanco e da pessoa que o tinha apresentado ao Blanco, que é de nome Odilon", disse.

"Odilon" seria Guilherme Filho Odilon, um interlocutor entre Dominghetti e Blanco.

Servidores públicos não podem receber comissionamento ou propina em troca de negócios.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.