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Aliado de Pazuello fala em politização e diz ver erro em descaso com Pfizer

Hanrrikson de Andrade, Luciana Amaral e Fábio Castanho

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

05/08/2021 04h00Atualizada em 05/08/2021 17h05

O empresário, produtor rural e ex-deputado federal Airton Soligo, conhecido como Airton Cascavel, afirmou hoje, em depoimento à CPI da Covid, que, "se pudesse", teria concretizado o acordo com Pfizer, no ano passado, para a compra de milhões de vacinas.

À época, a testemunha ocupava cargo de assessor especial do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde. O governo Jair Bolsonaro (sem partido) recebe críticas até hoje por não ter agilizado as tratativas com a farmacêutica americana, diferentemente da forma como agiu em relação ao fiasco da aquisição do imunizante indiano Covaxin, que contou com trâmite ágil.

Segundo avaliação de membros da CPI da Covid, se o Brasil tivesse comprado ainda no ano passado as vacinas da Pfizer, milhares de brasileiros que morreram na pandemia poderiam ter sido salvos. O país contabiliza 559.715 óbitos decorrentes da pandemia.

"Não fui omisso, fiz minha parte. Quando falam da vacina, eu chego a dizer o seguinte: se eu tivesse poder de decisão que as pessoas muitas dizem, eu teria comprado, mesmo não podendo comprar como a lei dizia [na época], eu teria comprado a Pfizer, a Janssen, e estaria aqui hoje respondendo porque teria comprado."

O depoente evitou citar Pazuello nominalmente em sua ponderação e não fez uma crítica direta ao trabalho do ex-ministro. Deixou claro, no entanto, que não concordava com a postura protelatória em relação às conversas com a Pfizer.

Cascavel declarou que, de acordo com o seu entendimento, os imunizantes deveriam ter sido adquiridos à revelia de restrições burocráticas ou orçamentárias. Ainda assim, defendeu não ter acompanhado as tratativas para a compra da vacina da Pfizer e que, enquanto no cargo, ficava focado em conversas para ouvir as demandas de políticos.

O posicionamento do depoente, manifestado apenas hoje —praticamente um ano depois que a Pfizer enviou ofertas que foram ignoradas pelo governo—, contraria a postura adotada à época pelo Ministério da Saúde.

A farmacêutica passou meses tentando criar um canal efetivo de diálogo com o governo Bolsonaro. Várias ofertas foram ignoradas no período que abrange o segundo semestre de 2020. O primeiro contrato com a produtora de vacinas só foi assinado em março deste ano.

Ante ao descaso e com a aceleração do número de mortes decorrentes da pandemia, entre dezembro de 2020 e março de 2021, o governo Bolsonaro foi duramente criticado por setores da sociedade, sobretudo o Congresso Nacional. Em situação insustentável no cargo, Pazuello acabou sendo demitindo no fim de março.

No mesmo período em que ofertas da Pfizer eram ignoradas, o Executivo acelerava a defesa entusiástica do uso da cloroquina e de outros medicamentos sem eficácia no tratamento do coronavírus.

A tese de que houve omissão por parte do governo federal e erros graves na condução de políticas públicas de enfrentamento à pandemia abrange o principal escopo de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito, no Senado Federal.

O ex-assessor especial do Ministério da Saúde Airton Soligo, conhecido como Airton Cascavel, na CPI da Covid - Jefferson Rudy/Agência Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
O ex-assessor especial do Ministério da Saúde Airton Soligo, conhecido como Airton Cascavel, na CPI da Covid
Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Atuação sem vínculo formal

Antes de ser nomeado assessor especial do ministro da Saúde, em junho de 2020, Cascavel atuou por vários meses sem qualquer tipo de vínculo formal. Interlocutores baseados nos estados e municípios chegaram a se referir ao empresário como "ministro de fato" durante a gestão Pazuello.

"No dia 22 de maio o Pazuello assume [interinamente o cargo] e apenas no dia 26 maio ele ratifica o convite? Nos meus documentos que entreguei, faltava a desvinculação do cargo de administrador de pequena empresa que tenho, fui solicitar mudanças e cartórios estavam fechados. Isso levou mais de uma semana e é encaminhado para a Casa Civil e meu nome deve ter sofrido uma rejeição que fez com que fosse nomeado efetivamente em 24 de junho", justificou.

Cascavel é amigo pessoal do ex-ministro da Saúde e, apesar de não ocupar cargo algum na estrutura da pasta, participou de reuniões e agendas oficiais. Tais fatos foram revelados pela imprensa no ano passado e, em reação a críticas, Pazuello decidiu nomeá-lo assessor especial, cargo que ocupou de junho de 2020 a março de 2021.

Ao evitar criticar Pazuello, Cascavel disse que "se criou uma coisa muita errada de dizer que Pazuello era só o cara da logística". Ele ainda reclamou das críticas de quando uma carga de vacinas destinada a Manaus acabou indo para o Amapá, em fevereiro. Segundo o ex-assessor, o caso foi resolvido rapidamente.

Em maio deste ano, Cascavel foi nomeado como secretário de saúde de Roraima. Ele deixou o cargo no final de julho após ter sido diagnosticado com covid-19. No depoimento de hoje, evitou também criticar governadores e prefeitos pelas ações tomadas ao longo da pandemia.

O ex-assessor afirmou ser filiado ao Republicanos, um dos partidos de base do governo federal no Congresso, e não ter mais pretensões políticas.

Politização e crise em Manaus

No depoimento, Cascavel disse que a politização sobre as vacinas atrapalhou o enfrentamento da pandemia.

"O grande problema foi a politização, se politizou essa questão [da vacina], a questão do Butantan. Não falavam da importância da Fiocruz. E ali era interlocução política", disse.

"Se politizou de todos os lados. Não posso afirmar [de quem partiu a politização]."

Cascavel também afirmou que alertou autoridades do Ministério da Saúde sobre o risco de uma segunda onda forte da covid-19 no Amazonas. O estado sofreu crise de falta de oxigênio hospitalar em janeiro deste ano. Uma das linhas de investigação da CPI é saber se houve omissão do governo federal no caso.

Cascavel nega conversa com Dominghetti e cita "picaretas"

Aos senadores, Cascavel negou ter conversado com o cabo da Polícia Militar mineira Luiz Paulo Dominghetti, que se apresentava como revendedor de vacinas contra a covid-19 da AstraZeneca por meio da Davati Medical Supply no Ministério da Saúde. Dominghetti denunciou suposto pedido de propina pelo então diretor de logística da pasta, Roberto Dias, para a eventual compra de 400 milhões de doses do imunizante. Dias nega qualquer ilegalidade.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) afirmou ter registro no celular de Dominghetti, periciado pela CPI, de ligações do policial a Cascavel. O depoente então disse nunca ter respondido aos telefonemas ou às mensagens, e que apareciam "picaretas" no ministério.

"Eu quero dizer que, quando se fala de picaretas da vacina, eu criei ojeriza de ver isso. Eu estava no ministério, e quantos picaretas apareciam. E eu resolvi a mim não receber nenhum porque, no momento em que você não tinha a fábrica da AstraZeneca, não tinha 1 milhão de vacinas para entregar para o Brasil, picaretas apareciam querendo vender 200 milhões, 100 milhões, era para todo lado, de todo jeito", falou.

O ex-assessor negou também que tenha organizado voo para comitiva do Ministério da Saúde com a presença do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), então aliado do governo Bolsonaro.

Cascavel foi questionado pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que exibiu mensagens de WhatsApp do ex-ministro Eduardo Pazuello indicando a aliados que procurem Cascavel para checar a disponibilidade num voo que iria de Brasília até São Paulo.

"O voo estava lotado. As pessoas que estavam programadas, quem cuida disso é o cerimonial no ministério, que cuida de quem vai e quem não vai no ministério. Como eu estava em Manaus e eu não estava aqui, eu acabei de dizer que eu ia direto para São Paulo, a minha vaga ficou [livre]", justificou Cascavel.

Segundo ele, a intenção da mensagem de Pazuello era que confirmassem a disponibilidade do assento. Cascavel ainda negou que tenha acompanhado qualquer diálogo entre o ex-ministro e Luis Miranda no voo de volta à Brasília, quando ele embarcou com a comitiva do Ministério da Saúde.

"Se esse diálogo ocorreu na ida, eu não estava no voo, eu não sei. Se ele ocorreu na volta... Eu até vi uma foto sobre esse voo, ele falando que estava no voo. Eu estava no voo da volta. E, na foto, eu estou lá no meio do avião; ele está nas primeiras poltronas da frente", disse Cascavel.

Luis Miranda teria dito, em depoimento à Polícia Federal, que Eduardo Pazuello contou a ele que estava sendo pressionado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Em depoimento à CPI, Luis Miranda e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde, denunciaram suspeitas de irregularidades envolvendo o contrato firmado entre a Precisa Medicamentos e a pasta para a compra da vacina Covaxin, desenvolvida pelo laboratório indiano Bharat Biotech.

O valor do negócio para a Covaxin, de R$ 1,6 bilhão, chegou a ser empenhado (reservado para esse fim) pelo governo federal. O acordo, porém, acabou suspenso depois que os irmãos Miranda trouxeram à tona suspeitas de corrupção dentro do ministério e possível pressão interna para que o processo de importação fosse acelerado à revelia de inconsistências contratuais.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.