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Crime eleitoral, fake news, prevaricação: Entenda crise Justiça x Bolsonaro

Declarações do presidente Jair Bolsonaro durante live serão investigadas no inquérito das fake news - Isac Nóbrega/PR
Declarações do presidente Jair Bolsonaro durante live serão investigadas no inquérito das fake news Imagem: Isac Nóbrega/PR

Murilo Matias

Colaboração para o UOL, de Porto Alegre

06/08/2021 04h00

Desde o início de sua gestão, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) cria rotas de colisão com setores da Justiça. Já chegou inclusive a participar de atos antidemocráticos que defendiam o fechamento do STF (Supremo Tribunal Federal).

Na última quarta-feira, o presidente foi incluído pelo Supremo no inquérito das fake news. A Corte listou onze possíveis crimes cometidos pelo chefe do Executivo dentro do caso investigado pelo ministro relator Alexandre de Moraes, que avaliou que Bolsonaro colocou em dúvida o processo eleitoral brasileiro durante uma live sem apresentar qualquer prova.

"Tem um impacto grande colocar um presidente num inquérito sobre atuação criminosa de divulgação de notícias fraudulentas. Infelizmente, essa é uma marca do governo e de Bolsonaro", avalia a deputada federal e relatora da CPMI das Fake News, Lídice da Mata (PSB-BA).

Dentre os delitos de que Bolsonaro é acusado, chamam a atenção a prática de denunciação caluniosa, associação criminosa e ações e discursos que ameaçam garantias da Lei de Segurança Nacional.

O mandatário teve seu nome agregado ao processo por, segundo o relator, agir de maneira semelhante à rede de informações falsas que atua criminosamente espalhando mentiras. Ao desacreditar pessoas, instituições e todo sistema eleitoral, diz, o presidente colocaria em risco a estabilidade nacional.

Como o caso se refere à questão eleitoral, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também abriu um processo administrativo, por decisão unânime, para investigar as falsas alegações de fraude em pleitos anteriores.

A depender do seguimento dos autos, o presidente poderia até mesmo ter uma nova candidatura impugnada pela Justiça Eleitoral.

"Se a investigação do STF se desdobrar em uma ação penal com condenação, Bolsonaro ficaria de fora das eleições em virtude da lei da Ficha Limpa", avalia o advogado José Carlos Portella Junior do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia.

Contudo, alerta que um processo desse teor tende a ser longo, "e uma condenação definitiva dentro de um prazo curto é altamente improvável". "No TSE é diferente, pois existe a possibilidade de impugnação com base na lei eleitoral. Diante dos fatos que têm se apresentado, pode ocorrer em um tempo mais curto."

Dentro do mesmo escopo, a ministra Cármen Lúcia enviou pedido à PGR (Procuradoria Geral da República) a fim de averiguar a ocorrência de crime eleitoral, utilização ilegal de bens públicos e atentados contra a independência de poderes da República.

O caso se refere à utilização da TV Brasil para difundir, via retransmissão da live, as falsas informações a respeito das urnas eletrônicas e condicionar a realização de eleições em 2022 ao acatamento de sua proposta de voto impresso.

Suspeitas de corrupção

Muito antes de colocar em xeque as eleições, Bolsonaro já enfrentava problemas com órgãos do Estado. Outras frentes de investigação, como a da PF (Polícia Federal), tentam obter informações sobre a suposta tentativa de interferência política no órgão para evitar o andamento de processos contra integrantes da família e do entorno presidencial.

As acusações foram feitas no ano passado pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, que deixou o governo após troca de postos-chave na direção da PF.

Durante a CPI da Covid, nova denúncia aumentou o número de possíveis delitos cometidos durante o exercício do mandato. Segundo o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), Bolsonaro foi avisado por ele próprio de um esquema de corrupção para a compra de vacina dentro do Ministério da Saúde.

Ao não tomar nenhuma ação diante do exposto, pode ter prevaricado, situação que ocorre quando um funcionário público deixa de agir para impedir situações ilegais e de corrupção.

A CPI ainda apura se possíveis omissões ou ações do governo federal na condução da pandemia podem configurar crimes contra a vida.

Histórico de condenações

Bolsonaro tem uma série de condenações em diferentes processos. Foi obrigado pela Justiça a indenizar a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) por danos morais após dizer, quando ainda era parlamentar, que Rosario não merecia ser estuprada por ser feia.

Outra sentença determinou o pagamento de R$ 20 mil por danos morais e ofensas de cunho sexual contra a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo. Em outros julgamentos ainda existe ainda a chance de recurso, como na condenação por R$ 5 milhões por ofensas a mulheres, e em outro caso de punição material por declarações homofóbicas.

Ontem, Bolsonaro voltou a ameaçar o Judiciário dizendo que "a hora de Moraes vai chegar". "O momento está chegando. Não podemos continuar com um ministro arbitrário, ditatorial, que não respeita a democracia e usa a Constituição para atingir seus objetivos. (..) Ele fez o absurdo de me colocar como réu no inquérito das Fake News. Fake News é o próprio Alexandre de Moraes, ele é a mentira em pessoa dentro do STF", afiançou.