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'Fiador' da Covaxin surpreende CPI ao revelar capital social de R$ 7,5 bi

Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

25/08/2021 04h00Atualizada em 25/08/2021 18h23

O executivo Roberto Pereira Ramos Júnior, diretor da FIB Bank Garantias S.A, empresa que apresentou carta de fiança na negociação da Covaxin, surpreendeu hoje os senadores da CPI da Covid ao revelar, em depoimento, que o capital social da empresa é de R$ 7,5 bilhões.

O patrimônio estaria lastreado, segundo ele, com dois imóveis, um em São Paulo e um no Paraná. Ala de senadores, porém, afirma que um dos terrenos não existe e outro pertence a terceiros.

Apesar do valor alegado, Júnior alegou que a FIB Bank tem estrutura "pequena". Ao que o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), declarou: "Não, repete aí, por favor."

"A estrutura é pequena, mas o capital é de R$ 7,5 bi", repetiu Júnior. Os senadores então ironizaram a situação, inclusive o governista Jorginho Mello (PL-SC).

Aziz continuou: "Dizer que uma empresa que tem capital social de R$ 7,5 bi é uma empresa de pequeno porte, eu não sei mais o que é de médio e grande porte". O vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), comentou que "nem a mansão mais valiosa do mundo" estaria avaliada em montante tão vultoso como R$ 7,5 bilhões.

Os parlamentares apuram se a FIB Bank —que não é um banco, apesar do nome— foi utilizada com o intuito de mascarar irregularidades envolvendo a Precisa Medicamentos, intermediária do acordo para compra de 20 milhões de doses da Covaxin. O contrato foi celebrado entre o Ministério da Saúde e o laboratório indiano Bharat Biotech em fevereiro deste ano —acabou suspenso meses depois, devido às investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito e do MPF (Ministério Público Federal).

Júnior também tem sido cobrado a explicar o motivo pelo qual a empresa foi registrada em nome de duas pessoas que afirmam não ter qualquer relação com ela. Ambas movem ações judiciais contra a FIB Bank.

Durante o depoimento, senadores da oposição exibiram um vídeo com relato do vendedor Geraldo Rodrigues Machado, cidadão alagoano que tenta provar na Justiça que nunca participou do quadro societário —supostamente, o seu CPF foi utilizado indevidamente.

Em julho, reportagem da Folha mostrou que a FIB Bank foi acionado na Justiça devido a suspeitas de fraude. Além de Geraldo Rodrigues Machado, constaria como sócia antiga da empresa uma mulher identificada como Alexandra Pereira de Melo. A cidadã também afirma nunca ter tido qualquer vínculo com a firma representada por Ramos Júnior.

"Um cidadão [Geraldo Rodrigues Machado] está sendo prejudicado. Todo mundo acha que ele é bilionário, e ele é um trabalhador simples que está sendo enganado e ludibriado, assim como vários outros no Brasil", afirmou Omar Aziz.

Depoimento 'une' governistas e oposicionistas

Jorginho Mello se disse constrangido por presenciar o que ele chamou de "picaretagem", mas destacou que, de acordo com o seu entendimento, houve uma tentativa de aplicar um golpe no governo.

O depoimento de Júnior foi um dos poucos da CPI que chegou a unir oposicionistas e governistas perante possíveis irregularidades. Mello falou que o depoente estava "ofendendo o Senado".

"Seu depoimento, senhor Roberto, é algo absolutamente surreal, e a história da sua empresa é algo que remete ao realismo mágico, sem qualquer lastro de verossimilhança, de algo minimamente factível", declarou o também governista Marcos Rogério (DEM-RO).

Simone Tebet (MDB-MS), que integra a ala independente, destacou que o Ministério da Saúde se envolveu em negociações com fornecedores suspeitos e deve ser cobrado por isso. Durante o recesso, ela foi designada pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) para aprofundar a apuração em relação ao contrato da Covaxin. Em sua avaliação, os imóveis que compõem o suposto capital social "ou não existem ou estão em nome de terceiros".

Nas tratativas para a aquisição da Covaxin, a FIB Bank atuou como fornecedor de garantia financeira para que o contrato entre o governo e a Precisa Medicamentos fosse assinado. O valor da "fiança" foi de R$ 80,7 milhões (5% do total contratado, R$ 1,6 bilhão).

A garantia foi apresentada fora das regras e do prazo previstos no contrato assinado em fevereiro.

Pelo acordo, a garantia no valor de US$ 15 milhões (R$ 80,7 milhões) deveria ser dada por uma de três modalidades possíveis: caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública; seguro-garantia; e fiança bancária.

A carta de fiança da FIB Bank, no entanto, consiste em garantia do tipo pessoal, descrita como "fiança fidejussória".

O próprio site da empresa informa que o serviço prestado é o de "garantia fidejussória", que consiste em uma "garantia pessoal, seja ela de pessoa física ou jurídica".

Segundo Júnior, a FIB Bank recebeu R$ 350 mil da Precisa Medicamentos neste caso. As empresas já tinham atuado junto em processo de compra de preservativos femininos ao Ministério da Saúde.

O faturamento da FIB Bank em 2020 foi de cerca de R$ 1 milhão, informou. Neste ano, até o momento, quase R$ 650 mil.

No depoimento, senadores também chamaram a atenção para o fato de a FIB Bank não pagar IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano) referente aos terrenos que serviriam de lastro ao capital social. Devido a um processo de integralização do terreno, afirmaram alguns senadores, quem teria que pagar o imposto estimado em cerca de R$ 35 milhões ao ano seriam os antigos sócios. No entanto, estes morreram —um em 2017 e outro em 2020.

Randolfe disse que ação judicial na Junta Comercial de São Paulo "esclarece que diversos atos societários foram praticados por FIB Bank, desconsiderando-se o falecimento do sócio majoritário".

"O problema não é eles estarem mortos. Faz parte da vida morrer. O problema é que eles fizeram movimentações... Por força dessa relação locatária, foi emitida carta de fiança. Fizeram um movimento da empresa junto ao FIB Bank", declarou o vice da CPI.

Questionado sobre o assunto, Júnior exerceu o direito de ficar calado.

Ao longo da sessão, os senadores criticaram duramente o Ministério da Saúde por ter dado aval ao contrato diante de tantas suspeitas de irregularidades encontradas.

"E aí a pergunta, na verdade, que a gente faz é como o Ministério da Saúde admitiu esse tipo de garantia? Como o Ministério da Saúde admitiu empenhar um orçamento de R$ 1,6 bilhão com uma empresa cuja garantia está totalmente em cima de documentos e de questões precárias. Aliás, até fraudadas, porque você tem uma carta-garantia que vem depois da data do contrato", indagou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).

A atuação da FIB Bank também tem sido contestada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nas garantias que tem prestado a contribuintes alvos de execuções fiscais.

Ao final da sessão, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou ter documentos que apontam que a FIB Bank já teria emitido fianças para o Ministério da Economia (antigo Fazenda) e a AGU (Advocacia-Geral da União), entre outros entes da administração pública.

Além disso, na esfera privada, a FIB não tem honrado as cartas de fiança apresentadas em negócios particulares, motivando ações judiciais, segundo parte dos senadores da CPI.

Ala de senadores suspeita de sócio oculto

Outro ponto de questionamento da CPI sobre a FIB Bank é um suposto sócio oculto da empresa, Marcos Tolentino da Silva. Ele já teve a convocação aprovada pela comissão e deve depor na próxima quarta (1º).

No requerimento apresentado para a convocação, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), aponta que o endereço de uma emissora de Tolentino, por exemplo, seria o mesmo de uma das duas empresas acionistas da FIB Bank, a Pico do Juazeiro Participações.

Outra empresa acionista da FIB Bank teria o mesmo número de telefone do escritório de advocacia de Tolentino em São Paulo.

Ainda, uma ação de cobrança ajuizada na Justiça por uma construtora, acrescenta Randolfe, indica que Tolentino seria o verdadeiro dono de empresas no nome de Ricardo Benetti, ligado à Pico do Juazeiro.

Hoje à CPI, Júnior negou que Tolentino seja sócio da FIB Bank nem manter relação com ele, embora tenham mantido conversas. Apesar disso, Tolentino tem email institucional da FIB Bank e procuração de Ricardo Benetti, um dos acionistas da empresa, afirmaram senadores.

Ao longo do depoimento, várias situações causaram estranheza nos senadores. Questionado sobre o endereço da FIB Bank, o diretor da empresa disse a rua, mas não se lembrar do número de cabeça, por exemplo.

"O telefone informado como sendo da FIB Bank Garantia de Fianças Fidejussórias S.A. também seria o do escritório Benetti & Associados - Gestão Tributária e Empresarial, que tem Marcos Tolentino da Silva como membro do conselho do escritório", apontou Rogério Carvalho.

Os senadores ainda suspeitam que Tolentino seja próximo do líder do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

Em depoimento à CPI, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor concursado do Ministério da Saúde, denunciaram suspeitas de irregularidades envolvendo o contrato da Covaxin.

Ao ouvir denúncia sobre o caso, segundo os irmãos Miranda, Bolsonaro disse que Ricardo Barros poderia estar envolvido no "rolo". O líder do governo nega qualquer irregularidade.

A CPI da Covid também aprovou a quebra de sigilos telefônico, bancário, fiscal e telemático da FIB Bank desde janeiro de 2020 até o momento.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.